Opinião

A MP da "liberdade econômica" e o possível fim da Eireli 

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17 de junho de 2019, 14h24

No último dia de abril, foi publicada a Medida Provisória 881, nomeada no cenário jurídico de MP da "liberdade econômica", que promete garantir o "livre mercado", bem como a análise da razoabilidade do impacto econômico da edição ou alteração de atos normativos de interesse geral.

O texto da medida provisória veicula normas que ambicionam a proteção da liberdade da iniciativa e exercício da atividade econômica; se diz norteada pelos princípios da presunção de liberdade no exercício de atividades econômicas; presunção de boa-fé do particular; e pela intervenção subsidiária, mínima e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas.

Com efeito, a MP inovou no cenário jurídico ao acrescentar o instituto da sociedade limitada unipessoal, no texto do artigo 1.052 do Código Civil, que será uma sociedade empresarial constituída por sócio único, em seu contrato social (artigo 7º).

Consabido que nos ditames do artigo 966 do CC/2002 a figura do empresário pode ser empresário individual, titular de uma Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli) ou agente integrante de uma sociedade empresária, constituída por pessoa física ou jurídica que exerça profissionalmente atividade econômica organizada (RAMOS, 2016, p.76), para produção ou circulação de bens ou serviços.

Nesse sentido, o ordenamento cível admitia o exercício da atividade empresarial por um único agente, ora denominado “empresário individual”, ou por meio de Eireli, acrescida no ordenamento civil em 2011, pela Lei 12.441, a qual se difere da figura do empresário individual.

Muito embora dados das juntas comerciais mostrem que a maioria dos registros tradicionalmente tem sido de empresários individuais — principalmente após a criação da figura do Microempreendedor Individual (MEI) —, estes não são vistos pelo ordenamento jurídico como um explorador da atividade economicamente relevante, se comparado de forma isolada às outras modalidades de exercício da atividade econômica. Isso porque seu objeto consiste em negócios rudimentares e marginais, muitas vezes ambulantes (COELHO, 2016, pgs. 20-21). Por essa razão, não pode ser beneficiado pelo tipo societário de responsabilidade limitada ao exercício de sua atividade.

Em melhores palavras, o empresário individual responde pelo risco de seu empreendimento com todo o seu patrimônio, inclusive com os seus bens pessoais, pelas dívidas contraídas no exercício de empresa (RAMOS, 2016, p. 77), não podendo configurar uma sociedade limitada.

Já a Eireli é atividade empresarial de responsabilidade limitada constituída por, no mínimo, um único agente, podendo “resultar na concentração de quotas de outra modalidade societária em apenas um sócio”, conforme o artigo 980-A, parágrafo 3º, do Código Civil. Foi instituída no ordenamento para limitar a responsabilidade do agente empreendedor, permanecendo afetado, a priori, apenas o capital investido no empreendimento, resguardados os bens particulares do agente (RAMOS, 2016, p. 78).

Foi expressamente reconhecida que a Eireli não é sociedade, e sim novo ente jurídico personificado (Jornada de Direito Civil, enunciados 469 e 472, e Jornada de Direito Comercial, enunciado 3, realizada pelo CJF)[1].

A Eireli, portanto, era a única possibilidade de um único titular constituir uma pessoa para explorar atividade empresarial economicamente relevante e tutelar seu patrimônio para não ver seus “bens e obrigações afetos à atividade” (RAMOS, 2016, p. 22) econômica explorada. Ocorre que a lei da Eireli trouxe um obstáculo para sua constituição, que é a exigência do capital igual ou superior a cem vezes o maior salário mínimo vigente no Brasil.

Até a publicação da MPV 881, sociedade consistia na união de esforços de pessoas naturais para o exercício da atividade organizada, denominada empresa, sociedade que resultaria em uma pessoa jurídica distinta de seus constituintes (empreendedores ou investidores), formando a pessoa empresária (COELHO, 2016, p. 20). Contudo, desde o dia 30 de abril pode ser formada uma sociedade por um único agente.

Isso implica em que um agente poderá constituir sozinho uma sociedade, com capital menor que cem salários mínimos, sem arcar com o risco de ter seu patrimônio pessoal atingido pelo eventual insucesso da atividade empresarial exercida, independentemente do montante de seu capital social.

Essa inovação fomenta o exercício da atividade econômica, abrindo espaço para o pequeno empreendedor, trazendo progresso ao cenário econômico nacional.

O tipo societário “sociedade limitada” foi instituído para a limitação de perdas, passando segurança aos empreendedores acerca do exercício de atividades de maiores riscos e impactos econômicos, contudo, no cenário econômico atual não é só o grande empreendedor que sofre com grandes instabilidades, sendo relevante assegurar também as atividades empresariais que se iniciam com menos de cem salários mínimos.

A nova medida beneficia especialmente as startups — definidas como empresas de iniciativa incremental ou disruptivo, conforme o artigo 65-A da LC 123/06[2], ou empresas com pouco tempo de criação e que trazem inovação (BRASIL, 2018) —, dado que estas comumente aparecem com riqueza de ideias, porém com baixos rendimentos e têm se beneficiado da crise no país para trazer inovação, portanto, movimentação da economia no cenário atual.

Noutro giro, a medida provisória tenciona conceder maior segurança ao titular da Eireli ao acrescentar o parágrafo 7º no artigo 980-A do Código Civil. Nessa oportunidade, determina que “somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, hipótese em que não se confundirá, em qualquer situação, com o patrimônio do titular que a constitui”. O dispositivo seria uma contramedida à exigência de cem salários mínimos, tornando esse normativo em uma dicotomia “direito x dever”.

Diante disso, pode-se afirmar que a nova modalidade de empresa não resultará no fim da Eireli. A MP concedeu uma nova opção para o empreendedor, que poderá iniciar o exercício de empresa de forma individual, mesmo com capital social abaixo de cem salários mínimos.

Entretanto, o dispositivo traz uma ressalva, afirmando que, nos casos de fraude, caberá a desconsideração da personalidade jurídica, permitindo que o patrimônio do titular responda pelas dívidas da empresa, o que torna todo o normativo daquele parágrafo frágil quando lido em conjunto ao parágrafo 1º do artigo 1º, da MP, isto é, o texto será observado na aplicação e interpretação do Direito do Trabalho (uma das disciplinas elencadas pelo dispositivo).

A MP concede, ainda, liberdade de pactuação nos negócios jurídicos empresariais entre as partes pactuantes, deixando as regras de Direito Empresarial “apenas de maneira subsidiária ao avençado” (artigo 3º).

Tal medida provisória carece da convalidação pelo Congresso Nacional, que analisará a relevância e urgência exigida para a conversão em lei, nos termos do artigo 62 da Constituição Federal.


[1] Enunciados da Jornada de Direito Civil, realizada pelo CJF:
“469) Arts. 44 e 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI) não é sociedade, mas novo ente jurídico personificado”.
“472) Art. 980-A. É inadequada a utilização da expressão “social” para as empresas individuais de responsabilidade limitada”.
Enunciado da Jornada de Direito Comercial, realizada pelo CJF:
“3) A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI não é sociedade unipessoal, mas um novo ente, distinto da pessoa do empresário e da sociedade empresária”.

[2] A Lei Complementar 123, de 14 de dezembro de 2006, define, em seu artigo 65-A, parágrafo 1º, o conceito de startup como “empresa de caráter inovador que visa a aperfeiçoar sistemas, métodos ou modelos de negócio, de produção, de serviços ou de produtos, os quais, quando já existentes, caracterizam startups de natureza incremental, ou, quando relacionados à criação de algo totalmente novo, caracterizam startups de natureza disruptiva”. Essa definição foi incluída neste ano, por meio da Lei Complementar 167. BRASIL. Lei Complementar 123, de 14 de dezembro de 2006. Planalto, 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp123.htm>.


Referências
BRASIL. Lei Complementar 123, de 14 de dezembro de 2006. Planalto, 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp123.htm>.
BRASIL. Medida Provisória 881, de 30 de abril de 2019. Planalto, 2019. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019- 2022/2019/Mpv/mpv881.htm>.
BRASIL. Proposta regulamenta definição de startup e meios de financiamento. Planalto, 2018. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/ECONOMIA/561865- PROPOSTA-REGULAMENTA-DEFINICAO-DE-STARTUP-E-MEIOS-DE-FINANCIAMENTO.html>.
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: Direito de Empresa. 1ª ed. em e-book baseada na 28ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. 6ª edição. São Paulo: Método, 2016.

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