Opinião

O padre, o bom juiz e o respeito às leis dos homens e de Deus

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16 de junho de 2019, 7h12

Era domingo, fim de missa. O juiz se aproxima do padre e pede para irem até ao confessionário. Não tinha comungado naquele dia, reflexivo das conotações pejorativas dadas à sua atuação profissional. Precisava se confessar.

_ Padre, o senhor me conhece de longa data e sabe que sempre busquei Justiça.

_Sim, meu filho, mas o que lhe aflige?

_Tentei prender um ladrão e, na busca por fazer justiça me conluiei a acusação, ditei as estratégias a serem adotadas, indiquei testemunhas, pedi para acelerar operações, marcar entrevistas bombásticas… tudo para dar ao povo a sensação de que a Justiça estava sendo feita.

_Sim, filho, mas você está aqui para se confessar ou para defender os seus atos?

_Na verdade, padre, acho que estou sendo mal interpretado, mas eu só quero fazer Justiça.

_ Filho, não existe bem para a religião fora da Bíblia e das Leis de Deus, assim como não existe Justiça fora da Constituição e das leis dos Homens.

_ Mas, padre, e o ladrão?

O padre interrompe a conversa e diz:

_ Filho, tenho um encontro com um jornalista e a nossa conversa foi gravada, posso entregar para ele o áudio? Afinal, a sociedade precisa saber quem é o juiz que os julga.

_ Padre, o senhor não pode gravar conversa em confessionário. Trata-se de regra de ouro de sigilo profissional. Caso de livro!

_ Pois é, bom juiz. O senhor, embora bem intencionado, tem que cumprir o seu sacerdócio de ser fiel a lei e a Constituição. Ser imparcial é garantir até ao demônio, se estiver sentado no banco dos réus, o devido processo legal. Do contrário você iguala a besta a Jesus Cristo, que foi condenado sem provas, por vontade de uma multidão enfurecida.

_ Mas padre, quero o bem do meu povo, que não aguenta mais de tanta impunidade!

_ Sim, filho. Comece então entregando aqueles que lhe rodeiam e que, em nome da Justiça, cometem as maiores atrocidades.

_ Padre, o senhor não me entende. Eu não posso fazer isso. É o sistema. Do contrário eu não posso mais julgar, serei excluído.

_ O ladrão dirá a mesma coisa, já que desde que mundo é mundo, todos roubam. Tinham dois ao lado de Jesus na cruz, inclusive.

_ Padre, eu te perdoo, o senhor não entende a língua dos Homens e os corredores da Justiça.

– Obrigado, filho, por me perdoar.  O dia que eu precisar me confessar, irei até ao seu gabinete. Lá certamente encontrarei retidão, caráter e Justiça. Vá em paz e que o Senhor Deus o acompanhe.

O juiz ia se retirando, no que foi interrompido pelo padre.

– Venha cá, filho! Faltou me dizer se posso ou não entregar a gravação ao jornalista. E quantos Pai Nosso e Ave Maria tenho que rezar por ter recebido o seu perdão.

Autores

  • é defensor público no estado do Rio de Janeiro, doutorando em Sociologia Política (Uenf) e autor do livro “Entre putas, ratos e juízes: histórias de um Defensor” (2018, Autografia).

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