Opinião

Aspectos estruturais dos programas de criminal compliance

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15 de junho de 2019, 6h28

A meta de um programa de compliance é a individualização da complexidade da empresa, por meio da verificação das exigências normativas determinadas pelo Estado, de acordo com o campo de atuação que sofre a autorregulação[1].

Para tanto, sabe-se que são vários os instrumentos relacionados à aplicação de boa governança no âmbito corporativo, que variam conforme os objetivos de cada instituição e suas características, dentre os quais destacam-se[2]:

(i) Normativos internos relacionados especialmente às finalidades e aos valores da atividade empresarial:

(a) “ética negocial” (business ethics): delineia os valores éticos, indo além do quanto previsto em normas específicas;

(b) “códigos de integridade” (integrity codes): possui teor similar ao acima. Traça “um campo amplo de metas planejadas”[3];

(c) “responsabilidade social corporativa” (corporate social responsibility): está relacionada às funções sociais da empresa, determinando âmbito de responsabilidade mais amplo.

(ii) Normativos internos relacionados especialmente aos procedimentos próprios da empresa e ao cumprimento do ordenamento jurídico:

(a) “códigos de conduta” (codes of conduct): indicam os comportamentos que devem ser considerados como parâmetro pelos funcionários e colaboradores da pessoa jurídica;

(b) “programas de compliance”;

(c) “gerenciamento de valores” (value management): trata-se de expressão que abrange conteúdo de proteção da empresa, especialmente em relação a todos os seus bens (imateriais e materiais);

(d) “governança corporativa” (corporate governance): diz respeito a todo o quadro regulamentar da empresa. No entanto, seu emprego está mais comumente ligado à “descrição da estrutura da organização da empresa”[4] (sentido estrito).

Todas as expressões acima traduzem preocupação e direcionamento em relação à governança das empresas. No entanto, embora não existam definições determinadas e claras a respeito das suas diferenças, parece correto afirmar que possuem “entonações” distintas[5].

De acordo com Enrique Bacigalupo, o conteúdo mínimo de um programa de criminal compliance deve abranger as seguintes matérias: exclusão de conflito de interesses; combate à corrupção e fraudes; proteção ao Direito Concorrencial; observância aos direitos humanos; confidencialidade e proteção de dados; correção da contabilidade e aspectos tributários; trato de informações sensíveis e sua confidencialidade; observância às normas de proteção ao meio ambiente e saúde; e regulamentação das denúncias internas de irregularidades (whistleblowing)[6].

Em verdade, a definição mais adequada de seu conteúdo, no que diz respeito às matérias, varia conforme a atividade empresarial e o porte da empresa. Trata-se de alerta importante, sobre o qual não se pode discordar e que consta expressamente das diretrizes para empresas privadas traçadas pela Controladoria-Geral da União em relação aos programas de integridade, no sentido de que “não há fórmula pronta”[7].

Ainda assim, destaca-se os principais aspectos estruturais dos programas de compliance, que devem ser observados pelas companhias que buscam uma transformação de sua cultura (efetividade):

(a) busca por um modelo primordialmente preventivo, centrado na educação de funcionários e colaboradores para o ético. Isso não significa que controle e repressão também não sejam importantes. Entretanto, não devem ser os vetores prioritários do programa de uma companhia;

(b) comprometimento e previsão de responsabilidade da alta diretoria da companhia;

(c) independência e autonomia da área de compliance;

(d) atenção com a comunicação, que deve ser adequada ao porte da companhia. Em muitos casos, o estabelecimento de um canal de informações, com o fim de descobrir a ocorrência de possíveis comportamentos ilícitos e até mesmo criminosos [e esclarecê-los];

(e) treinamento contínuo;

(f) observe-se que o programa de compliance não deve ser estático. Assim, quando identificadas eventuais falhas, a área responsável deve fazer as alterações pertinentes, de forma a promover o desenvolvimento do programa (além de aplicar as medidas sancionatórias cabíveis);

(g) introdução de figuras que incentivem a adoção das medidas anteriores.

Espera-se, assim, que os programas de compliance sejam estruturados, efetivos e propiciem um ambiente corporativo cada vez mais ético. Do contrário, de nada adianta a sua criação. E não nos enganemos. Programas para “inglês ver” não servem para coisa alguma. Não passam de perda de tempo e dinheiro, o que não tem sobrado muito para ninguém.


[1] BACIGALUPO, Enrique. Compliance y derecho penal, p. 106.
[2] SIEBER, Ulrich. Programas de compliance no direito penal empresarial, p. 292-293.
[3] Ibidem, p. 293.
[4] SIEBER, op. cit., p. 293.
[5] Ibidem, p. 292-293.
[6] Ibidem, p. 115.
[7] CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Programa de integridade: diretrizes para empresas privadas. Brasília, 2015, p. 7.

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