Opinião

Os esquecidos pela Justiça (os invisíveis) e a tornozeleira eletrônica (os poderosos)

Autores

  • Luiz Antonio Sampaio Gouveia

    é advogado sócio de Sampaio Gouveia Advogados Associados conselheiro do IASP e do Con-sea/FIESP mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP especialista em Administração Contábil e Financeira pela Escola de Administração de Empresas da FGV especialista em Direito Penal Econômico pela GVlaw e ex-conselheiro da OAB-SP e da AASP.

  • Maria Edith Camargo Ramos Salgretti

    é advogada sócia da Sampaio Gouveia Advogados Associados pós-graduada em Direito Penal Eco-nômico pelo Instituto de Direito Penal Econômico e Europeu da Universidade de Coimbra e especialista em Direito Penal e Processual Penal pelas Faculdades Metropolitanas Unidas.

14 de junho de 2019, 12h23

O monitoramento eletrônico é um avanço inevitável e promissor, consequente da sociedade tecnológica moderna, enquanto alternativa ao encarceramento. Se ele for materializado de forma humana e igualitária, priorizará, ao menos em tese, a esquecida função preventiva da pena, consistente na ressocialização do indivíduo, que ficará mais próximo de se reintegrar ao meio social, e não esquecido em uma cela que o isolará ainda mais do mundo, servindo como escola do crime.

Não se pode admitir que indivíduos que estejam em prisão domiciliar usem tornozeleiras eletrônicas. Em um mundo absolutamente cibernético e com tantos avanços da tecnologia da informática, o mínimo que as autoridades responsáveis deveriam buscar seria, por exemplo, a implementação de um relógio de pulso, que permitisse o controle e fiscalização do apenado, de forma menos vexatória.

A tornozeleira eletrônica estigmatizante do apenado é uma cruel identidade, ofensiva da dignidade humana, que faz lembrar as correntes e bolas negras de ferro que constituíam os grilhões daqueles apenados antes da humanização de Cesare Bonesana, o Marquês de Beccaria.

É preciso que a sociedade civil e jurídica ganhe preocupações com a integridade dos réus, que não podem ser relegados a uma situação como aquela, degradante, em que o grande Sobral Pinto, em defesa de Harry Berger, preso na ditadura de Vargas abaixo de uma escada, houve de avocar a legislação de amparo aos animais para salvaguarda da integridade física de seu cliente.

A questão é de importância humanista, ultrapassa os lindes de mediocridade que assola o Brasil, merecendo colocação nos anais do Direito universal e propendendo para a reflexão do quanto merecem atenção os marginalizados encarcerados provisoriamente na putrefação das prisões brasileiras, que encarceram mesmo no bolor das enxovias.

Sentenciados milionários e poderosos recebem tratamento prisional de cinco estrelas, enquanto os brasileiros pobres perecem no cárcere superlotado e insalubre, adquirindo as mais diversas doenças, como tuberculose e infecções graves de pele, sem falar na aids, isso sem contar que enlouquecidos na aglomeração se mutilam, se assassinam e são esquecidos por todos nós e até por eles mesmos, que, postos como animais, perdem a identidade humana.

Não se pode, então, ter receio de defender que os poderosos postos em prisão domiciliar tenham a condescendência de usar aparelhos menos indignificantes que as tornozeleiras eletrônicas, porquanto a defesa deles pode resultar na proteção dos pequeninos, que, relegados ao abandono e destinados ao esquecimento por toda sociedade brasileira, diminuem a expressão humanista de nossa civilização.

Muito antes de nós, já se dizia que o réu é coisa sagrada e merece tratamento humano, e aqui vai uma homenagem a Canuto Mendes de Almeida, para quem o Código de Processo Penal é a carta de alforria e proteção do réu.

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