Comando do MPF

"MP não pode pretender condenar indivíduos, mas sim fazer justiça"

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14 de junho de 2019, 9h00

Nívio de Freitas é o candidato entrevistado desta sexta-feira (14/6) na série que a ConJur publica, ouvindo todos os candidatos à lista tríplice para concorrer à Procuradoria-Geral da República. O candidato Mário Bonsaglia informou que não participaria da série.

Geraldo Magela / Agência Senado
Há quase 30 anos no Ministério Público Federal, hoje o subprocurador-geral da República é coordenador da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão, além de conselheiro-titular do Conselho Superior do MPF. É ainda membro da força-tarefa da "lava jato" para oficiar perante o Superior Tribunal de Justiça.

Há 18 anos a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) leva ao presidente da República uma lista com três nomes escolhidos pela classe para comandar a instituição. A votação está marcada para o dia 18 de junho, das 10h às 18h30, por meio eletrônico.

Apenas a primeira lista tríplice, enviada em 2001 ao presidente Fernando Henrique Cardoso, foi descartada. De lá para cá, todos os PGRs estavam entre os três indicados. Apesar da tradição, nada impede que o presidente da República indique para sabatina no Senado um quarto nome.

O mandato da atual procuradora-geral da República, Raquel Dodge, termina em 18 de setembro, mas, de acordo com a Constituição Federal, ela pode ser reconduzida ao cargo, se for indicada pela Presidência da República. Também decidiu concorrer ao cargo sem participar da lista da ANPR o subprocurador-geral da República Augusto Aras.

Neste ano, dez integrantes da instituição concorrem a uma vaga na lista da ANPR. Seis deles são subprocuradores-gerais da República, o último degrau da carreira. Os demais são procuradores regionais, com atuação nos Tribunais Regionais Federais.

Leia a entrevista com Nívio de Freitas:

ConJur — O MP pode fazer campanha de combate à corrução? Esse tipo de campanha é compatível com as funções do órgão? Por quê?

Nívio de Freitas — Na dicção da Constituição, o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Já no art. 129 da Constituição, dentre outras, são estabelecidas as seguintes funções institucionais do Ministério Público:

“I – promover, privativamente, a ação penal pública na forma da lei;
II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
….”

Como se verifica pela leitura dos dispositivos constitucionais transcritos, a incumbência do MP é de defender os valores e princípios elencados, não havendo qualquer restrição a forma como tal defesa há de se dar. Deve-se considerar, ainda, que por força da “teoria dos poderes implícitos”, se a constituição concede uma função a determinado órgão ou instituição, também lhe confere, implicitamente, os meios necessários para a consecução desta atividade.

Neste contexto, tais campanhas são não apenas compatíveis, mas verdadeiramente necessárias ao aprimoramento de nossa sociedade, como medidas preventivas e qualificadoras de nossas práticas republicanas e democráticas.

ConJur — Os acordos de delação premiada pararam de ser assinados. O modelo sofreu algum impacto com a suspensão do acordo com a JBS?

Nívio de Freitas —  Não vejo nenhum impacto na suspensão do acordo com a JBS na fluidez dos acordos de delação premiada. A suspensão do acordo em hipóteses como a da JBS é hipótese prevista e regulamentada na norma legal, não configurando incidente que justifique qualquer morosidade na celebração de novos acordos.

ConJur — Faz sentido o MP ser fiscal da lei em casos criminais?

Nívio de Freitas — Os membros do MP não têm interesse em denunciar ou condenar quem quer que seja. Atuam no sentido de que sejam os fatos devidamente apurados, tanto na fase inquisitorial, como durante a instrução processual, incumbindo-lhe precipuamente velar pelo valor maior liberdade.

Caso, ao cabo do fase investigatória, não se convença da existência de indícios de autoria e materialidade da conduta criminosa, incumbe-lhe promover o arquivamento de procedimentos investigatórios, inquérito policial ou procedimento de investigação criminal.

No mesmo sentido, caso ao final do instrução processual entenda inexistentes sólidos elementos de prova no sentido da responsabilização do réu, obrigatoriamente deve pugnar por sua absolvição.

Assim, no meu entender, o MP é sempre fiscal da lei. Atua em defesa e estrita observância do ordenamento jurídico, velando para que seja efetivamente aplicada lei. Não lhe apraz e não pode jamais pretender condenar indivíduos, mas sim fazer justiça.

ConJur — Como deve ser o relacionamento do MP com a Polícia e com o Judiciário? Como avalia essa relação atual?

Nívio de Freitas —  O relacionamento há de ser sempre de articulação, respeito e independência. Incumbe às instituições funcionarem de modo harmônico, sempre no sentido de propiciar à sociedade o melhor produto possível, em termos de eficácia, eficiência e efetividade.
Creio que a tônica sempre tem sido esta.

É verdade que episodicamente, há alguma tensão nas relações, muito mais pessoais do que institucionais. Mas tudo dentro da moldura normativa, a final de contas são instituições cujas atuações estão regradas pela Constituição, cada qual atuando dentro de suas respectivas atribuições.

ConJur — O modelo de força-tarefa prejudica o direito de defesa? Por quê?

Nívio de Freitas — De forma alguma. Não há qualquer implicação das forças-tarefas em detrimento do direto de defesa que é o mais amplo em nossa sistema jurídico.

As forças-tarefas constituem apenas a reunião temporária de membros do MP, por vezes com a participação de outros órgãos de controle, visando a apuração e eventual responsabilização em hipóteses extremamente complexas e graves, que transcendem a possibilidade de serem conduzidas apenas por um membro do MP, como normalmente ocorre.

ConJur — O MP pode interferir na execução de políticas públicas em nome do combate à corrupção?

Nívio de Freitas — Incumbe ao MP atuar exclusivamente em prol da defesa das políticas de Estado, fixadas na Constituição e nas leis, e não em questões de políticas de governo, que são definidas através do processo democrático das eleições.

Contudo, cabe ao MP atuar em defesa do efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; de proteger o patrimônio público e social e outros interesses difusos e coletivos.

Logo, desde que não adentre na esfera restrita da formulação de políticas, digamos, estabelecidas com base no princípio majoritário, e se atenha ao limites estritos da defesa da probidade e, assim, ao combate à corrupção, é cabível e louvável a atuação do MP, em colaboração com os Poderes e órgãos, no sentido da plena observância dos valores constitucionais.

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