Olhar Econômico

ANP deve incrementar a utilização da análise de impacto regulatório

Autor

  • João Grandino Rodas

    é sócio do Grandino Rodas Advogados ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) professor titular da Faculdade de Direito da USP mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

13 de junho de 2019, 8h00

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A Lei 9.478, de 6 de agosto de 1997[1], revogou a Lei 2004/1953, extinguindo o monopólio estatal do petróleo e criando a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), autarquia especial ligada ao Ministério das Minas e Energia.

A extinção do monopólio do petróleo possibilitou que, em regime de concessão ou de autorização, outras empresas, ademais da Petrobras, pudessem atuar em toda cadeia do petróleo. Daí a necessidade de um órgão — a ANP —, que executasse a política brasileira do setor; e regulasse a indústria do petróleo, expedindo diretrizes para a pesquisa, a exploração, o refino, a exportação e a importação de petróleo e seus derivados. Compete, também, à ANP elaborar editais, licitações e contratos, concedendo o direito de explorar petróleo e gás natural; bem como supervisionar a respectiva execução.

Como já se viu anteriormente, a análise de impacto regulatório (AIR) é, a um tempo, ferramenta e processo na tomada de decisões regulatórias. Ferramenta, enquanto meio para verificar os custos e benefícios de regulação já existente ou pretendida. Processo, como consulta pública, para com a participação dos interessados aquilatar o que se pode esperar de dada regulamentação.[2]

Embora, não exista no Brasil lei que determine realização de AIR, sua utilidade tem sido reconhecida e agências reguladoras, em especial a Aneel[3], a tem utilizado, sistematicamente. Em grande parte tal se deve ao incentivo dado pelo Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação (PRO-REG), fruto de parceria entre a Casa Civil da Presidência da República e o Banco Interamericano de Desenvolvimento,[4] iniciado em 2007 e até hoje em andamento. Objetivando melhorar a qualidade da regulação federal, ele contribuiu para o fortalecimento do sistema regulatório, enfatizando a participação e o monitoramento por parte da sociedade civil. Dentre as ações desenvolvidas pelo PRO-REG, figura a consolidação e expansão da AIR. O grande desafio do PRO-REG vem sendo cooptar as agências reguladoras, para que introduzam a AIR nas tomadas de decisão, vençam a burocracia inercial; e a aprimorem por meio de mecanismos de participação e transparência e qualifiquem seus funcionários.

Em artigo anterior, descreveu-se o impulso dado à AIR pela Aneel[5] Cabe agora, perquirir o grau de utilização da AIR, por parte de agência da importância da ANP.

Na prática, o PRO-REG desenvolveu projetos-piloto, que foram conduzidos, com maior ou menor profundidade, por algumas agências federais: Ancine, Aneel, ANP, ANS, Antaq, Anvisa e Anac. As agências notando, durante o desenrolar desses projetos-piloto, o benefício resultante da aplicação da AIR seriam incentivadas a utilizá-los.

A ANP figurou como uma das dez agências partícipes da Portaria Conjunta 1, de 17 de setembro de 2017, que criaram a câmara permanente para trocar conhecimentos, experiências e informações, para a promoção de melhores práticas, relativamente a assuntos de interesse comum (RADAR). Entretanto não participou da reunião, que figurava na agenda da RADAR, que teve lugar em 14 de março de 2019. Nessa reunião, as oito agências presentes, partilharam experiências sobre avaliação de qualidade e desafios em matéria de AIR.

Em dissertação datada de 2013, Aline Alves Barcelos estudou a aplicação da AIR na ANP, genericamente; bem como na 11ª Rodada de licitação dessa agência, de maneira específica. As conclusões de tal trabalho fundamentaram-se, mormente, no exame do Relatório de Gestão de 2010 da ANP e em pesquisa com representantes dessa agência e da PRO-REG.

Excertos do capítulo 3º da dissertação, intitulada “Análise de impacto regulatório na ANP: ficção ou realidade?” e da “Conclusão”, são mais fidedignos para retratar o entendimento da autora, do que mero resumo feito por terceiro:

“O Relatório de Gestão do ano de 2010, apesar de tentar criar uma relação próxima ao que pretende a AIR, fornecendo informações sobre a tomada de decisões e demonstrando os resultados dos trabalhos desenvolvidos durante a gestão, não cria essa relação específica pretendida pela AIR, pois, além de ser posterior, o relatório é feito com o intuito principal de prestar contas (…) A finalidade talvez seja semelhante, entretanto o momento de aplicação de cada um — o Relatório de AIR e o Relatório de Gestão — é totalmente diferente. Entendendo os elementos de AIR como engrenagens, que operam aos pares, torna-se imprescindível que para que se dê a transmissão de ‘movimento e força’ (fundamentação e transparência, respectivamente) entre os dois eixos (qualificação e valoração), que os elementos cumpram um perfil específico, e é a partir deste diferencial que se desencaixam os demais elementos”. (…) “A parte do relatório de gestão que trata da descrição dos estudos em si não fornece informações sobre quais foram os fundamentos que basearam a decisão de contratar empresas privadas para a realização dos estudos, muito menos sobre a motivação do porque a área específica foi escolhida para o investimento”. (…) “Percebe-se, portanto, claramente, que a ANP se utiliza de critérios de custo benefício e custo efetividade na tomada de decisões, não se descartando os demais critérios valorativos que possam vir a ser aplicados.” (…) “… todos os relatórios de gestão ou estatísticos estão consolidados em bases de análise que embora cumpram alguns dos elementos da AIR, ainda não consideram a ferramenta para auxílio na tomada de decisões em seu ‘pacote fechado’, ou seja, o que transparece é que a tomada de decisões dentro da agência reguladora é feita dentro dos parâmetros legais comuns, baseados em análises técnicas, mas que não utilizam todos os parâmetros e elementos disponibilizados pela análise de impacto regulatório.”(…) “… É de amplo conhecimento que a ANP tem promovido audiências e reuniões para a promoção de um procedimento transparente e aberto aos participantes, entretanto, com base nas premissas acima indicadas é possível concluir que a ANP não promoveu a aplicação das técnicas de Análise de Impacto Regulatório para a promoção da 11ª Rodada de Licitação. (…) A partir das respostas obtidas na entrevista com (a representante da ANP), foi possível compreender que a ANP utiliza alguns mecanismos compatíveis com a AIR, mas ainda não inseriu esta ferramenta no cotidiano de seus agentes”. (…) “Foi possível perceber, entretanto, que a AIR ainda é tratada como uma ferramenta sobretudo onerosa e burocrática”. “… (O Sr. Representante da PROG-REG) reforça esta crítica, pois ele informa que um dos maiores desafios do PRO-REG está no fato de que as agências ainda desconhecem a dimensão da AIR.”

“…, mesmo havendo a adoção de algumas políticas internas voltadas para a crescente introdução dessa ferramenta em seus mecanismos, ainda não faz uso da mesma em caráter obrigatório. Conclui-se, desta forma, que para a elaboração da 11ª Rodada de Licitação a ANP não fez uso das técnicas específicas de AIR acima identificadas, apesar de embasar suas decisões por meio de outros critérios e utilizar sistemas de transparência e consultas públicas, não foi encontrado nenhum relatório de AIR …” (…) “Entende-se, enfim, que apesar de a Análise de Impacto Regulatório ainda ser um instrumento que tem espaço embrionário nas agências reguladoras e, principalmente na ANP, sua aplicabilidade vem ganhando força institucional … “[6] (não há grifo no original)

Com o intuito de aperfeiçoar seu processo regulatório, realizando AIR antes da tomada de decisão, pela Portaria 255/2013, a ANP instituiu grupo de trabalho sobre “requalificação de recipientes transportáveis de aço para gás liquefeito de petróleo (GLP)”. No relatório final de 91 páginas, publicado em 27 de fevereiro de 2015[7], mencionam-se as etapas dessa AIR: definição do problema; levantamento dos objetivos; identificação das opções; análise de impacto; consulta e audiência pública; conclusões e resultados; e implantação, monitoramento e fiscalização. Com o propósito de diminuir a comercialização de botijões de 13 kg, que desatendam os prazos de requalificação e de reduzir riscos de acidentes, vislumbrou-se cinco opções regulatórias possíveis: 1. manutenção do cenário atual; 2. ações de comunicação; 3. melhoria na forma de identificação dos prazos para requalificação; 4. inserção de tecnologia que permita a identificação eletrônica dos recipientes com prazo para requalificação vencido; e 5. aumento da capacidade de fiscalização da ANP. Essas opções foram sopesadas e recomendado seu descarte ou sua implantação com maior ou menor ênfase.

O interesse da ANP em se utilizar da AIR com relação à requalificação de recipientes de GLP não parece ter replicado nos procedimentos licitatórios para concessão de blocos exploratórios de petróleo e gás natural. Embora a Superintendência de Definição de Blocos (SDB) realize estudos e levantamentos técnicos para aquilatar o potencial petrolífero das bacias sedimentares, com vistas às rodadas licitatórias para a concessão de blocos exploratórios, a máxima eficiência somente seria alcançada por meio da utilização da AIR.

Em que pese o sucesso da AIR levada a cabo no tocante à requalificação de recipientes para GLP, os relatórios anuais de gestão e outros documentos dispostos, até o momento, no site da ANP apontam ser a AIR pouco utilizada no seio dessa agência. Ainda que os fundamentos das análises disponibilizadas satisfaçam parâmetros legais e estatísticos, elas não contemplam a totalidade dos elementos constituidores de uma AIR. É nítido que para a tomada de decisão, a ANP continua a privilegiar procedimentos técnicos e internos para a tomada de decisão, estando longe, no entanto, de promover a institucionalização da AIR.


[1] A Lei 12.351, de 22 de dezembro de 2010, introduziu modificações na Lei 9.478/1997, em razão da descoberta de petróleo e gás na camada pré-sal do litoral brasileiro.

[2] Rodas, João Grandino, “É indispensável a avaliação do impacto regulatório“ e “Aspectos internacionais da avaliação dos impactos regulatórios”, Revista Eletrônica Conjur, respectivamente, 2 e 16 de maio de 2019.

[3] Rodas, João Grandino,”Inovações no processo regulatório: Aneel e demais agências”, Revista Eletrônica Conjur, 30 de maio de 2019.

[4]O PROG-REG foi materializado pelo Decreto 6.062, de 16 de março de 2007, e modificado pelo Decreto 8.760/2016.

[5]Ver nota nº 3.

[6]Barcelos, Aline Alves, “Análise de Impacto Regulatório na Agência nacional de Petróleo, Gás natural e Biocombustíveis”, dissertação de conclusão de Curso, Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, p. 49/63. https://app.uff.br/riuff/handle/1/8723

[7]http://www.anp.gov.br/images/Consultas_publicas/Concluidas/2015/n10/Relatorio_Analise_Impacto_Regulatorio.pdf

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    é sócio do Grandino Rodas Advogados, ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP), professor titular da Faculdade de Direito da USP, mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

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