Opinião

Extraterritorialidade da aplicação da lei penal brasileira e o caso Neymar

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12 de junho de 2019, 16h41

Na última semana repercutiu na mídia nacional e internacional a notícia de suposta prática de estupro envolvendo Neymar. O fato teria ocorrido em Paris e a vítima, brasileira, registrou boletim de ocorrência em São Paulo [1] .

Consoante se verifica das notícias veiculadas em diversos veículos de comunicação, as investigações são conduzidas pela Polícia Civil de São Paulo.

Diante disso, surgem algumas indagações sobre a competência para apurar os fatos, uma vez que, como dito, ocorreram no estrangeiro e as investigações são conduzidas por autoridades brasileiras.

Embora a regra seja a aplicação da lei brasileira aos crimes praticados no território nacional, o legislador elegeu situações de maior reprovabilidade, em que, para evitar impunidade, se admite a intervenção da legislação pátria nos crimes praticados em outro território [2].

As hipóteses de aplicação da extraterritorialidade da lei penal constituem exceção ao princípio da territorialidade e autorizam a aplicação de nossa legislação às infrações penais cometidas além de nossas fronteiras. A extraterritorialidade pode ser incondicionada ou condicionada, de acordo com o artigo 7º do Código Penal [3].

As hipóteses do inciso I do artigo 7º do Código Penal são de tamanha relevância que, com fundamento nos princípios da defesa e da universalidade, aplica-se a lei brasileira sem qualquer condicionante, porquanto os interesses maiores da nação impõem que a legislação pátria incida em determinados fatos ocorridos fora do Brasil [4].

São exemplos dessa relevância os crimes praticados contra a vida ou a liberdade do presidente da República e contra o patrimônio da União, dos estados ou dos municípios, diante da importância dos bens jurídicos tutelados.

O artigo 7º, inciso II, do CP elenca os casos de extraterritorialidade condicionada. De acordo com a alínea b de referido inciso, ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro, os crimes praticados por brasileiros. Aplica-se aqui o princípio da personalidade (ou nacionalidade), que permite submeter à lei brasileira os fatos puníveis praticados no estrangeiro por autor brasileiro (forma ativa) ou contra vítima brasileira (forma passiva) [5].

Entretanto, para que a lei brasileira possa incidir em fatos praticados por brasileiro no estrangeiro, necessário o concurso das seguintes condições, de acordo com o artigo 7º, parágrafo 2º, do Código Penal: a) entrar o agente no território nacional; b) ser fato punível também no país em que foi praticado; c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza extradição; d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.

No caso envolvendo Neymar, as condições objetivas de punibilidade estão presentes e, destarte, não há qualquer óbice para que as investigações sejam conduzidas por autoridades brasileiras.

O ingresso do agente no território nacional é condição de procedibilidade, sem a qual não se pode dar início ao processo penal, mas não é óbice para investigação [6]. Todavia, Neymar se encontra no Brasil e, inclusive, irá prestar esclarecimentos sobre os fatos, segundo veiculado pela mídia ao reproduzir declarações de sua advogada [7].

O fato é punível também no país em que foi praticado e o crime está incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza extradição, de acordo com os artigos 81 e seguintes da Lei 13.445/2017, que trata do tema.

Não há absolvição e tampouco perdão ou extinção da punibilidade no estrangeiro.

O Código de Processo Penal, em seu artigo 88, estabelece que o local competente para persecução penal nos crimes praticados fora do território brasileiro será o juízo da capital do estado onde houver por último residido o acusado. Se este nunca tiver residido no Brasil, será competente o juízo da capital da República.

Como o último domicílio de Neymar no Brasil foi na cidade de Santos, a capital de São Paulo é o local competente para prosseguimento do caso.

Portanto, diante das circunstâncias do caso concreto, o Código Penal e o Código de Processo Penal autorizam que as investigações sejam realizadas na capital de São Paulo, uma vez que estão satisfeitas todas as condições do artigo 7º, parágrafo 2º, do Código Penal.


[1] https://www.bbc.com/portuguese/geral-48513598. Acesso em 07.06.2019.
https://www.nytimes.com/2019/06/01/sports/neymar-accused-rape-brazil.html?searchResultPosition=1. Acesso em 07.06.2019.

[2] REALE JÚNIOR, Miguel (org.) et al. Código penal comentado. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 33.

[3] SOUZA, Luciano Anderson de. Direito penal: volume 1, parte geral. São Paulo: Thmson Reuters Brasil, 2019, p. 150.

[4] SOUZA, Luciano Anderson de. Direito penal: volume 1, parte geral. São Paulo: Thmson Reuters Brasil, 2019, pp. 150/151.

[5] SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral. Florianópolis: Empório do Direito, 2017, p. 43.

[6] [4] SOUZA, Luciano Anderson de. Direito penal: volume 1, parte geral. São Paulo: Thmson Reuters Brasil, 2019, p. 152.

[7] https://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas-noticias/2019/06/05/advogada-diz-que-neymar-ira-depor-em-sao-paulo-mas-sem-data-definida.htm. Acesso em 07.06.2019.

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