Comando do MPF

"Suspensão do acordo da JBS reforçou modelo de colaboração, não o contrário"

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12 de junho de 2019, 9h00

José Robalinho é um dos entrevistados desta quarta-feira (12/6) na série que a ConJur publica, ouvindo todos os candidatos à lista tríplice para concorrer à Procuradoria-Geral da República.

Gil Ferreira / Agência CNJ
Este ano completa 20 anos de Ministério Público Federal. Representou a classe, como presidente da ANPR, de 2015 a 2019. É especialista no combate ao crime organizado e lavagem de dinheiro. Por mais de dez anos representou o MPF na Enccla (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro). Hoje, é procurador regional da República em Brasília.

Há 18 anos a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) leva ao presidente da República uma lista com três nomes escolhidos pela classe para comandar a instituição. A votação está marcada para o dia 18 de junho, das 10h às 18h30, por meio eletrônico.

Apenas a primeira lista tríplice, enviada em 2001 ao presidente Fernando Henrique Cardoso, foi descartada. De lá para cá, todos os PGRs estavam entre os três indicados. Apesar da tradição, nada impede que o presidente da República indique para sabatina no Senado um quarto nome.

O mandato da atual procuradora-geral da República, Raquel Dodge, termina em 18 de setembro, mas, de acordo com a Constituição Federal, ela pode ser reconduzida ao cargo, se for indicada pela Presidência da República. Também decidiu concorrer ao cargo sem participar da lista da ANPR o subprocurador-geral da República Augusto Aras.

Neste ano, dez integrantes da instituição concorrem a uma vaga na lista da ANPR. Seis deles são subprocuradores-gerais da República, o último degrau da carreira. Os demais são procuradores regionais, com atuação nos Tribunais Regionais Federais.

Leia a entrevista com José Robalinho:

ConJur — O MP pode fazer campanha de combate à corrupção? Esse tipo de campanha é compatível com as funções do órgão? Por quê?
José Robalinho —
Penso que não existam dúvidas de que o combate à corrupção – e do crime em geral – é uma das mais nobres e primárias missões do MP, como o é também a promoção e defesa de direitos.

Sendo assim, tento pelo prisma preventivo, de conscientização da população e participação da sociedade civil, quanto no de propostas legislativas e debate com o soberano parlamento, é mais do que natural, e é compatível e positivo para suas missões constitucionais realizar, sim, campanhas.

Aliás, o lado preventivo e de participação de empresas e sociedade civil no combate à corrupção é  estimulado por tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. A própria Lei anticorrupção segue esta linha, ao trazer a responsabilidade objetiva pelo ato de corrupção praticado por agentes seus para as pessoas jurídicas privadas.

ConJur — Os acordos de delação premiada pararam de ser assinados. O modelo sofreu algum impacto com a suspensão do acordo com a JBS?
José Robalinho — 
Não creio em impacto da forma como foi colocado, pelo simples e só fato de que a suspensão do acordo da JBS, vez que ocorreu porque os colaboradores desrespeitaram os termos do acordo, reforça o modelo, e não o contrário. De fato, é pedra fundamental do modelo, e previsto em lei, que a parte colaboradora tem de ser inteiramente sincera e cumprir sua parte no acordo – sem mentir ou omitir informações -, sob pena de perder os benefícios, e as informações e provas fornecidos seguirem válidos no processo.

A suspensão do acordo da JBS, neste quadro, foi importante e didática, para a sociedade e os agentes colaboradores e suas defesas percebam que o Estado, Ministério Público e juízes, não está de brincadeira, e cumpre a lei.

Se houve diminuição do ritmo dos acordos e investigações – e parece inegável que houve -, isto parece muito mais relacionado ao amadurecimento dos casos lava jato e JBS, passando a uma fase mais processual. Por outra banda, se decorrer de falta de coordenação ou de pessoal engajado nos processo por parte do MPF – o que não é viável ou correto se afirmar a priori, sem conhecer os autos -, pode ter a certeza a sociedade brasileira que reverterei esta eventual tendência. Haverá todo apoio e coordenação para que as investigações prossigam com eficiência.

ConJur — Faz sentido o MP ser fiscal da lei em casos criminais?
José Robalinho — 
O MP, na configuração dada pela Constituição e pela nossa ordem jurídica, que é de magistratura de pé, deve ser sempre fiscal da lei. Mesmo no processo criminal, sim, pois é parte atípica, vinculado à busca da verdade e da justiça. Importante lembrar que o MP não persegue a vitória nos autos em prejuízo da justiça e do que tem como verdade, e, ao inverso, tem de pedir a absolvição ou sequer denunciar se não há elementos.

É e deve continuar sendo obrigação do MP apontar ilegalidades e zelar pelo devido processo legal, ambas características do fiscal da lei.

Agora, o que talvez não faça sentido – neste ponto, aí sim, de pleno acordo – são dois órgãos do MP funcionando no mesmo feito, um deles à guisa de fiscal da lei. Como dito acima, o MP é fiscal da lei sempre, mesmo quando é parte, mesmo no processo penal. As duplicidade de  intervenções, portanto, não faz sentido.

ConJur —  Como deve ser o relacionamento do MP com a Polícia e com o Judiciário? Como avalia essa relação atual?
José Robalinho — 
Com o Judiciário o relacionamento é entre magistraturas independentes, cada um com seu papel. A função do MP é promover a justiça, e, portanto, atuar pela sociedade e na proteção de direitos perante o Poder Judiciário. Esta atuação deve ser – como é – de acordo com a lei, e o diálogo respeitoso e colaborativo. 

Quanto à polícia investigativa, há um inegável déficit no controle externo que deveria sobre ela exercer o MP, nos termos da Constituição. Uma deficiência – ruim para toda a sociedade – que decore de indefinição de marcos legais e de uma resistência corporativa, por sorte da polícia, que já deveria há muito estar superada, e que me proponho à dialogar e trabalhar para que seja vencida.

Pelo lado da investigação, são órgãos colaboradores, que devem operar de de forma harmoniosa. Já está superado há alguns anos o falso dilema de que o MP não poderia investigar. Não apenas o STF já decidiu que o pode, como a realidade vem mostrando que os melhores resultados se dão quando MP e polícia, ambos, investigam.

Agora, ambos os órgãos deveriam estar engajados juntos na alteração na nossa forma de investigar, que é fundamentalmente a mesma há 150 anos, e é, pelas suas características judicialiformes e burocráticas, de ineficiência vergonhosa e única no mundo. Precisamos modernizar, urgentemente, o inquérito policial e os procedimentos investigativos ministeriais para que se tornem objetivos, focados na busca da prova, e não no procedimento (inquérito) em si.

Polícia investigativa é uma função técnica, cada vez mais especializada, que tem de ser muito valorizada, mas não é uma função jurídica. E isto não é uma questão de espaços, ou de valorizar mais ou menos esta ou aquela função policial. É um imperativo para desburocratizar e tornar a investigação eficiente.

ConJur — O modelo de força-tarefa prejudica o direito de defesa? Por quê?
José Robalinho — 
De nenhuma forma. Muito ao inverso, o Brasil tem uma tradição de jurisprudência protetiva aos direitos de investigados e réus, e limitadora da ação do estado – o que se convencionou chamar, não sem imprecisão técnica, de "garantismo" -, muitíssimo acima dos padrões do direito comparado das democracias mais sólidas do planeta. A colaboração direta de órgãos de estado – modelo de força tarefa, referido na pergunta – lida com esta realidade e em nada altera este parâmetro. Os direitos individuais, de defesa, contraditório e devido processo legal estão, todos, amplamente presentes e defendidos,

O que se pode dizer do modelo de força tarefa é uma reflexão inversa, qual seja, de que a colaboração direta entre órgãos e agências, que aumenta a eficiência de investigações criminais, não deveria ou poderia ser episódica. Muito ao contrário, deve ser ampliado para as atividades e investigações em geral, e assim será buscado incansavelmente se tiver a confiança dos meus pares e do presidente para chegar a PGR.

ConJur — O MP pode interferir na execução de políticas públicas em nome do combate à corrupção?
José Robalinho — 
Pode, e deve, colaborar – a palavra interferir não é boa e dá um viés que se deve evitar – não apenas de combate à corrupção, mas de outros crimes, na segurança pública, e na proteção de direitos. É parte da nossa proposta para o MPF, aliás, que isto se torne estrutural e normal, saindo o MPF de sua "torre de marfim", em que se encastelou ou foi encastelado, e participe amplamente do debate públicos dos temas afetos as suas atribuições constitucionais.

Nada disso significa, contudo – e daí eu negar a palavra "interferir" -, desrespeitar a democracia ou a política. Fazem e direcionam a política pública e de governo os eleitos democraticamente, sempre. Cabe ao MP dialogar e colaborar com estas forças democráticas, e levar à Justiça ou atuar de forma mais incisiva  tão somente quando houver retrocessos a direitos ou prejuízos a políticas de estado, o que não se confunde com linhas de governo.

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