COMANDO DO MPF

"Modelo de celebração de acordos de colaboração premiada veio para ficar"

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11 de junho de 2019, 9h00

Blal Dalloul, procurador regional da República, é um dos entrevistados do dia na série que a ConJur publica a partir desta terça-feira (11/6), ouvindo todos os candidatos à lista tríplice para concorrer à Procuradoria-Geral da República.

João Américo / PGR
Dalloul atua no Ministério Público Federal há 34 anos. Foi servidor durante 11 anos e, desde junho de 1996, é membro da instituição. Atuou nas Procuradorias da República em Presidente Prudente (SP) e em Campo Grande (MS) e foi procurador-chefe e procurador regional eleitoral. Atuou nas mais diversas áreas, com ênfase em direitos humanos e criminal. Em 2010, tornou-se procurador regional da República. Foi secretário-geral do Conselho Nacional do Ministério Público e secretário-geral do MPF/MPU. Em 2017, assumiu o 30º Ofício Criminal da Procuradoria Regional da República da 2ª Região.

Há 18 anos a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) leva ao presidente da República uma lista com três nomes escolhidos pela classe para comandar a instituição. A votação está marcada para o dia 18 de junho, das 10h às 18h30, por meio eletrônico.

Apenas a primeira lista tríplice, enviada em 2001 ao presidente Fernando Henrique Cardoso, foi descartada. De lá para cá, todos os PGRs estavam entre os três indicados. Apesar da tradição, nada impede que o presidente da República indique para sabatina no Senado um quarto nome.

O mandato da atual procuradora-geral da República, Raquel Dodge, termina em 18 de setembro, mas, de acordo com a Constituição Federal, ela pode ser reconduzida ao cargo, se for indicada pela Presidência da República. Também decidiu concorrer ao cargo sem participar da lista da ANPR o subprocurador-geral da República Augusto Aras.

Neste ano, dez integrantes da instituição concorrem a uma vaga na lista da ANPR. Seis deles são subprocuradores-gerais da República, o último degrau da carreira. Os demais são procuradores regionais, com atuação nos Tribunais Regionais Federais.

Leia a entrevista com Blal Dalloul:

ConJur — O MP pode fazer campanha de combate à corrupção? Esse tipo de campanha é compatível com as funções do órgão? Por quê?
Blal Dalloul —
O combate à corrupção deve ser agenda permanente de todas Instituições e também da sociedade civil. Com razão, tem sido uma das prioridades do Ministério Público.

Sendo prioridade, é natural e necessário que o MP também seja protagonista e parceiro nas campanhas que pretendam mobilizar a sociedade nesse combate. A conscientização, com fomento da integridade social, é fundamental para um dia alcançarmos em todo país a cultura de repulsa à corrupção.

Cito como uma das campanhas que mereceram e merecem total apoio a denominada #TodosJuntosContraCorrupção, lançada pela Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla), em 2017, em parceria com o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e a Secretaria de Governo da Presidência da República (Segov).

As campanhas contra a corrupção, a meu ver, constituem oportunidade ímpar para agregar órgãos públicos, sociedade civil organizada e também os meios de comunicação numa política que permita prevenir tais práticas, que, após concretizadas, trazem prejuízos que, muitas da vezes, são irrecuperáveis.

ConJur — Os acordos de delação premiada pararam de ser assinados. O modelo sofreu algum impacto com a suspensão do acordo com a JBS?
Blal Dalloul —
Os acordos de colaboração, como uma técnica especial de investigação aperfeiçoada pela Lei 12850/2013, passaram a ser uma medida efetiva para resolução de crimes mais complexos no âmbito da macrocriminalidade econômica, com destaque para os cometidos por criminosos de colarinho branco, tal como verificou-se no caso lava jato.

Esse modelo inovador é que permitiu a obtenção de provas contundentes que levou ao encarceramento de criminosos de alto poder aquisitivo e político, a exemplo de um ex presidente da Câmara dos Deputados, ex-Governados e até um ex- presidente da república.

A suspensão do acordo da JBS, motivada pela constatação de que alguns colaboradores mentiram, serviu para reafirmar a seriedade do modelo que permite correções no caso de descumprimento por parte dos colaboradores. Não se pode afirmar que esse fato implicou no comprometimento dessa efetiva técnica especial de investigação.

Apesar da redução do ritmo de celebração de acordos na gestão atual da PGR, conforme verificamos no relatório divulgado recentemente pelo ministro Fachin, há acordos relevantes que vêm sendo celebrados por procuradores de primeira instância, podendo ser citados alguns firmados recentemente pelos procuradores que atuam na FT Lava Jato e na greenfield.

O modelo da celebração de acordos de colaboração com integrantes de organizações criminosas veio para ficar e vem na esteira de métodos internacionais já reconhecidos como eficazes em investigações contra a macrocriminalidade.

ConJur — Faz sentido o MP ser fiscal da lei em casos criminais?
Blal Dalloul —
Faz total sentido. Essa atividade legal está na essência de todas as missões atribuídas ao Ministério Público, órgão incumbido constitucionalmente da defesa da ordem jurídica, do regime jurídico e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

A imparcialidade no desempenho de suas funções é inerente ao MP e não poderia ser relativizada sua tarefa de fiscal da ordem jurídica justamente na área criminal, onde também estão em pauta direitos fundamentais do cidadão.

ConJur — Como deve ser o relacionamento do MP com a Polícia e com o Judiciário? Como avalia essa relação atual?
Blal Dalloul —
Tenho dito e repetido que o Ministério Público deve cumprir a sua missão constitucional zelando pelos direitos dos cidadãos e pela defesa da ordem jurídica. Como órgão essencial à justiça, deve manter relação harmoniosa com os três poderes, obviamente incluído o Judiciário, respeitando o princípio da separação dos Poderes.

O relacionamento com as forças de segurança pública deve ser a mais profícua possível.

No Mato Grosso do Sul, tendo atuado por mais de 13 anos no combate à criminalidade organizada (de 1997 a 2010), inclusive nas fronteiras, sempre defendi e implementei, como membro nos processos sob minha responsabilidade, e como Procurador-Chefe nas relações interinstitucionais nos casos em que uma articulação maior se fazia necessária, uma atuação integrada e coordenada entre o MPF e as demais Instituições, em particular a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal, com observância das atribuições legais e constitucionais aplicáveis. Esse trabalho, que se harmonizava igualmente com as missões dos órgãos de segurança estaduais e tinha apoio de outros órgãos estratégicos federais, foi muito importante para que tivéssemos eficiência e eficácia em grande parte dos trabalhos realizados.

Atualmente, essa integração e troca de informações, entre o Ministério Público, os demais órgãos estratégicos e as forças policiais são fundamentais para buscarmos êxito, tão ansiado pela sociedade, no combate ao crime organizado, nacional e transnacional. Na PGR, ampliaremos e consolidaremos esse modelo essencial para a segurança pública de todos brasileiros e estrangeiros residentes no país. Sem diálogo, a sociedade padece.

ConJur — O modelo de força-tarefa prejudica o direito de defesa? Por quê?
Blal Dalloul —
Em absoluto. O direito de defesa, inclusive, é prestigiado é defendido pelo Ministério Publico. Reafirmo: ser fiscal da ordem jurídica é inerente ao exercício da função ministerial, em todas as áreas.

Cumpre pontuar, nesse tema, que as Forças Tarefas, instrumentos de trabalho criadas para relevantes atuações na área criminal e também na de tutela coletiva, constam como recomendáveis em diversas convenções internacionais em que o Brasil é signatário, a exemplo da Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional, de Palermo e adotado em Nova York em 2000, e da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, de Mérida.

Na prática, o trabalho por meio de forças tarefas é recomendável e necessário para melhor enfrentamento dos casos de grande complexidade, onde a atuação isolada não é recomendada, muitas das vezes por questão de segurança e também porque são demandas que sabidamente encontram na parte ex adversa verdadeiras forças tarefas privadas. A sociedade, justamente nas causas de maior interesse, não deve ter esse desequilíbrio.

ConJur — O MP pode interferir na execução de políticas públicas em nome do combate à corrupção?
Blal Dalloul —
Quanto ao tema “políticas públicas” é fundamental destacar, inicialmente, que a Constituição Federal/88 deu um novo e relevante papel ao Ministério Público (MP) no que diz respeito tanto ao fomento dessas políticas, quanto à fiscalização da sua correta e efetiva implementação e execução, tendo inclusive dotado a Instituição com instrumentos cíveis e criminais para o cumprimento desta atribuição.

Sendo assim, como órgão público autônomo e independente, incumbido constitucionalmente da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, CF), deve a intervenção do MP em qualquer política pública (não só no que pertine ao combate à corrupção, mas também em outras matérias: saúde pública, defesa do meio ambiente, do consumidor etc.) se pautar sempre pelo respeito às normas que regulamentam a atuação do MP na temática, em qualquer fase que seja: previamente à implementação, fomentando-a ou exigindo-a; ou após a sua execução, fiscalizando-a e promovendo a eventual correção de rumos e responsabilidade de desvios apurados e encontrados.

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