Opinião

Tecnologia e Direito Contratual: uma aproximação via análise de sentimento

Autor

  • Douglas de Castro

    é advogado do Cerqueira Leite Advogados Associados pós-doutor em Direito Internacional Econômico pela FGV-SP doutor em Ciência Política – Relações Internacionais e mestre em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP) e LL.M. em Direito Internacional pela Brigham Young University (Estados Unidos).

8 de junho de 2019, 6h28

Introdução
Zygmunt Bauman, em seu livro Modernidade Líquida, aponta para a fluidez das relações sociais na modernidade. Embora alguns possam arguir que nos encontramos não mais na modernidade, e sim na pós-modernidade, o argumento de Bauman ainda se sustenta: a sociedade deve estar preparada cada vez mais para mudanças constantes e cada vez mais rápidas, exigindo, portanto, uma resposta adaptativa na mesma intensidade.

A fluidez e alta complexidade na pós-modernidade causam grande ansiedade nos profissionais do Direito, cuja marca distintiva é a tradição (que algumas universidades ainda se apegam fortemente). Para nós, a solução está no que Roberto Mangabeira Unger, ao analisar a forma de superar o colonialismo mental, chama de economia do conhecimento. Segundo o autor, a economia do conhecimento possui três características: (i) há o potencial de retornos marginais crescentes, e não a estagnação que é própria do exaurimento dos fatores de produção; (ii) aproximação endógena entre o esforço de produção e o avanço da ciência; e (iii) a construção de uma cultura moral de produção que ultrapasse o mecanicismo fordista, abrindo espaço para maior autonomia e emancipação dos participantes do processo produtivo. Estes pressupostos se aplicam ao Direito, como veremos.

Ao relacionar o Direito com a tecnologia, uma das mais frequentes perguntas feitas é: como conciliar uma disciplina tão tradicional com a linguagem e essência do avanço tecnológico? A resposta não é simples, o que dirá se incluirmos a dimensão da economia, ou seja, a incorporação da necessidade de obtenção de resultados que possam levar ao crescimento sustentável.

Já existe um debate de como incorporar os avanços tecnológicos a algumas áreas do Direito, restritas a pequenos círculos científicos e a controles de políticas públicas com a tecnologia de blockchain. No entanto, na esfera do Direito Privado, a conciliação se torna mais difícil em razão da grande dispersão das relações privadas. Nosso objetivo neste ensaio é apontar os pressupostos teóricos e empíricos na utilização da tecnologia no Direito Contratual, sem a necessidade de grandes investimentos para obtenção de licenças de softwares.

A análise do contrato é feita em duas etapas: na primeira, uma avaliação exploratória da minuta é feita visando medir o grau de "sentimento" nas palavras utilizadas; em segundo, dependendo do grau de "sentimento" encontrado, a análise do conteúdo é feita a partir de três parâmetros: texto (literalidade dos termos utilizados no contrato); subtexto (os aspectos morais do contrato); e contexto (a conexão do contrato com a realidade)[1]. Este ensaio se concentrará na primeira parte, em razão de esta reunir a maior parte da tecnologia embarcada na análise contratual, assim, traz mais para perto um do outro: o Direito e a tecnologia.

Positividade, negatividade e neutralidade na linguagem contratual
Ao celebrar um contrato, as partes esperam que ele produza os efeitos desejados e que a boa-fé esteja presente na relação entre elas. Um dos preceitos básicos no Direito Contratual é o de que ele deve refletir um equilíbrio de obrigações que possa beneficiar as partes. Com isso, não estou excluindo a possibilidade de condições posteriores que tornariam um contrato muito desequilibrado em desfavor de uma das partes, mas que, no momento de sua celebração, a negociação e o consentimento conduziram-as à materialização de suas expectativas e necessidades mútuas (claro que se excluem aqui também os contratos celebrados em que algum vício do consentimento esteja presente).

Ultrapassar os moldes tradicionais do Direito Contratual exige mudanças e inovação. Conforme colocado por Kevin E. Davis no artigo Contracts as Technology, […] assim como uma nova tecnologia mecânica colocada em um projeto, a inovação contratual será incorporada em um documento. O contrato serve como um “projeto” para a colaboração (traduzido pelo autor)[2].

Desse modo, partindo para uma parte mais prática do debate e utilizando nossa experiência como pesquisador da Escola de Direito da FGV-SP e advogado do escritório Cerqueira Leite Advogados, uma das primeiras providências ao se avaliar um texto (contrato, tratado internacional, conjunto de e-mails, notícias de jornal sobre um determinado tema, dentre outros) é a identificação do grau de positividade, negatividade ou neutralidade dos termos utilizados. Como fazer isso se não tenho acesso ao Watson da IBM (para citar somente um dos diversos sistemas de inteligência artificial)? De toda forma, o que está por trás do Watson é o chamado processamento de linguagem natural (PLN), que, de acordo com a Wikipédia:

[…] é uma subárea da ciência da computação, inteligência artificial e da linguística que estuda os problemas da geração e compreensão automática de línguas humanas naturais. Sistemas de geração de linguagem natural convertem informação de bancos de dados de computadores em linguagem compreensível ao ser humano e sistemas de compreensão de linguagem natural convertem ocorrências de linguagem humana em representações mais formais, mais facilmente manipuláveis por programas de computador. Alguns desafios do PLN são compreensão de linguagem natural, fazer com que computadores extraiam sentido de linguagem humana ou natural e geração de linguagem natural[3].

Dentro do PLN, temos a chamada análise de sentimento[4], que na sua essência promove a verificação do texto vis-à-vis uma compilação de léxicos que indiquem graus de negatividade, positividade ou neutralidade dos termos. Essa análise é feita a partir do uso de uma linguagem de codificação, que no nosso caso utilizamos o Python, mais especificamente o pacote chamado Anaconda (anaconda.org). O script e códigos utilizados na análise estão no anexo I deste ensaio.

A análise é conduzida em contrato de distribuição de produtos médicos firmado entre empresas com domicílio nos Estados Unidos e no Brasil, tendo como idioma o inglês. A análise de sentimento apresentou o seguinte resultado:

compound: 1, neg: 0.033, neu: 0.829, pos: 0.138

Os scores na análise representam:

Sentimento Resultado Intervalo Significado (resultado
x intervalo)[5]
Negatividade 0.033 -0.5 a 0.5 Levemente negativo
Positividade 0.138 -0.5 a 0.5 Moderadamente positivo
Neutralidade 0.829 -0.5 a 0.5 Fortemente neutro
Composição 1 -1 a 1 Fortemente positivo

Com isso, observamos que a reação inicial da análise do contrato é que ele possui uma linguagem com predominância da neutralidade, e na composição, fortemente positivo. Com isso, poderemos aplicar na análise de conteúdo das cláusulas contratuais os parâmetros de exame do texto, subtexto e contexto na segunda parte da análise, conforme explicado na introdução.

Conclusão
A análise de sentimento, embora não possa ser definitiva, apresenta uma técnica eficiente para uma investigação exploratória na linguagem contratual, antes que o advogado faça a análise do conteúdo. A utilização dos scores de sentimento facilita a abordagem do contrato que será examinado à luz do equilíbrio das obrigações contratuais. Além disso, agrega a inovação ao trabalho do advogado, que precisa se render aos avanços tecnológicos para que possa se destacar no mercado.


[1] Metodologia adaptada de Perry-Kessaris, Amanda, ed. Socio-Legal Approaches to International Economic Law: Text, Context, Subtext. 1 edition. Abingdon, Oxon: Routledge, 2012.
[2] In https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2267389. Texto original em Inglês: […] And just as innovative mechanical technology can be embodied in a blueprint, innovative contractual technology can be embodied in a contractual document. The contract serves as a “blueprint” for collaboration.
[3] In https://pt.wikipedia.org/wiki/Processamento_de_linguagem_natural.
[4] Ver https://programminghistorian.org/en/lessons/sentiment-analysis.
[5] VADER collects and scores negative, neutral, and positive words and features (and accounts for factors like negation along the way). The “neg”, “neu”, and “pos” values describe the fraction of weighted scores that fall into each category. VADER also sums all weighted scores to calculate a “compound” value normalized between -1 and 1; this value attempts to describe the overall effect of the entire text from strongly negative (-1) to strongly positive (1). We can think of this value as estimating the overall impression of an average reader when considering the text as a whole, despite some ambiguity and ambivalence along the way. The official VADER documentation suggests a threshold of -0.5 and 0.5. Ver https://programminghistorian.org/en/lessons/sentiment-analysis e http://www.nltk.org/_modules/nltk/sentiment/vader.html.

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    é advogado do Cerqueira Leite Advogados Associados, pós-doutor em Direito Internacional Econômico pela FGV-SP, doutor em Ciência Política – Relações Internacionais e mestre em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP) e LL.M. em Direito Internacional pela Brigham Young University (Estados Unidos).

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