Opinião

Criminal compliance em tempos de operação "lava jato"

Autor

  • Ricardo Ribeiro Velloso

    é advogado especializado em crimes econômicos e financeiros e pós-graduado em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo (ESMP) e em Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra (Portugal)/IBCCrim.

7 de junho de 2019, 6h42

Talvez uma das características mais marcantes na área empresarial, desde o final do século XIX, seja o surgimento de grandes empresas transnacionais que, devido ao grande volume de recursos movimentados, têm a possibilidade de influenciar políticas públicas, tanto de seus governos como de governos nos quais se instalem.

Durante muito tempo essas grandes empresas focavam seus esforços na obtenção de lucros a qualquer custo, muitas vezes fazendo uso de ferramentas ilícitas como a corrupção.

Já na década de 1970, em decorrência de vários fatores conjunturais, como maior controle social e governamental[1], responsabilidade perante conselho de acionistas e até mesmo criminalização de condutas, as empresas passaram a se preocupar com suas políticas mercadológicas.

Diante desse novo panorama, as empresas passaram a criar normas que garantissem maior transparência e qualidade nas informações prestadas ao mercado, além de preservar conselheiros, administradores e funcionários, adequando suas condutas às legislações vigentes.

Surgiu o departamento de compliance, atuando preventivamente na fiscalização do cumprimento das normas internas, além de promover a cultura institucional minimizando riscos inerentes à própria atividade da empresa.

No Brasil, o Banco Central, como órgão executivo central do sistema financeiro, em aproximação ao Acordo da Basileia, assinado pelos bancos centrais do G10, seguindo as recomendações do Comitê de Supervisão Bancária da Basileia, através da Resolução 2.554, de 24/9/1998, estabeleceu a necessidade de implementação de políticas de controle interno para as instituições financeiras, dando margem para que cada uma adotasse o modelo mais adequado para sua área de atuação.

Em 2002, os EUA criaram a Lei Sarbanes-Oxley, visando recuperar a confiança dos investidores, em razão de escândalos envolvendo grandes empresas americanas, como o caso da Enron Corporation. O objetivo da lei é garantir a criação de mecanismos confiáveis de governança corporativa, afetando não só as empresas americanas, mas todas aquelas que mantêm ADRs (American Depositays Receipts).

Portanto, a função da política de criminal compliance, muito mais do que estabelecer normas de boa gestão da instituição, administrando o risco de imagem que poderia ser abalada por uma eventual má conduta, com a consequente publicidade negativa e perda de valor de mercado, visa administrar o risco legal de possíveis processos criminais por envolvimento em casos de corrupção, fraude e lavagem de dinheiro, dentre outros.

Os Estados têm se utilizado da criação de leis penais que visam a antecipação da proteção do bem jurídico tutelado, adotando como política criminal de combate a essa criminalidade econômica-empresarial a utilização de agentes privados.

Para tanto, são impostas aos particulares diversas obrigações de conduta, investigação e comunicação, segundo as quais os Estados poderiam tornar mais efetiva a luta contra a lavagem de dinheiro, corrupção e outras fraudes.

Assim, as empresas tiveram que se adaptar para dar pleno cumprimento às novas determinações, harmonizando seus procedimentos internos às imposições legais, criando mecanismos de controle e investigação internos.

Depois de passadas algumas décadas, como se viu com o que foi revelado pela operação “lava jato”, não há uma percepção exata da eficácia desse tipo de política, não obstante os grandes custos envolvidos na sua execução.

Tanto a esfera pública como a esfera privada tiveram que suportar numerosos custos com relação a implementação das normas preventivas ao crime de lavagem, corrupção e outras fraudes. Os estudos que se prestaram ao tema não conseguiram chegar a conclusões definitivas, contudo, alguns pontos podem ser citados: comparando-se o custo direto e indireto da política de prevenção com o volume estimado da delinquência organizada, percebe-se que as vitorias são poucas, e os custos, elevados[2].

Por outro lado, a falta de controles adequados também pode gerar prejuízos às empresas, principalmente com relação a multas impostas pela autoridade administrativa, além do impacto negativo na marca e na reputação da empresa, sem contar com o risco de serem elas e seus gestores acusados criminalmente.

Portanto, não obstante os custos impostos às empresas com a implementação de controles e normas de condutas, e o fato de que o criminal compliance não tenha o condão de, por si próprio, afastar a responsabilização penal, a única forma de o empresário minimizar sobremaneira os riscos de uma eventual imputação criminal é a implantação de uma competente e eficaz política de governança, que incorpore aspectos da legislação criminal.


[1] Nesse contexto foi criada nos EUA a Lei sobre a Prática de Corrupção no Exterior – FCPA, depois que, “em 1977, após as investigações governamentais terem revelado que mais de 400 empresas americanas admitiram fazer pagamentos ilegais ou questionáveis da ordem de US$300 milhões ou mais a autoridades governamentais estrangeiras, políticos e partidos políticos”. UROFSKY, Philip. Fomento da Transparência Corporativa Global in Transformando a Cultua da Corrupção. Questões de Democracia. Vol. 11, n. 12 – Revista eletrônica do Bureau de Programas de Informações Internacionais do Departamento de Estado dos USA, p. 19. http://www.sel.eesc.usp.br/informatica/graduacao/material/etica/private/transformando_a_cultura_da_corrupcao.pdf.
[2] CORDERO, Isidoro Blanco. Eficacia del sistema de prevención del blanqueo de capitales estudio del cumplimiento normativo (compliance) desde una perspectiva criminológica. Eguskilore.. Cuaderno del Instituto Vasco de Criminología San Sebastián, n 23 – 2009, p. 134.

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    é advogado criminalista, especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo e pós-graduado em Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra (Portugal).

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