Jurisdição sem fronteiras

Governo dos EUA cria grupo para investigar corrupção na América do Sul

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7 de junho de 2019, 8h28

Desde março deste ano funciona em Miami, nos Estados Unidos, um grupo especial para investigar casos de corrupção internacional na América do Sul. O grupo, uma espécie de força-tarefa, é integrado pelo FBI, a polícia federal dos EUA, por procuradores da seção de fraudes e lavagem de dinheiro do Departamento de Justiça (DoJ), por integrantes do escritório local da agência reguladora do mercado de capitais (SEC, na sigla em inglês) e por membros da Procuradoria de Justiça do Distrito Sul da Flórida.

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Grupo especial de investigadores e procuradores dos EUA vem trabalhando para estreitar laços com autoridades da América do Sul
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Segundo o anúncio do FBI, a ideia é firmar parcerias com as autoridades de combate a corrupção da América do Sul para investigar casos que se enquadrem na FCPA. A sigla se refere à lei de corrupção internacional dos EUA. Por meio dela, o governo americano pode investigar, processar e punir por corrupção empresas e pessoas estrangeiras cujos negócios tenham passado pelos EUA.

Esta é a quarta força-tarefa para investigações internacionais montada nos EUA. Elas são chamadas de International Corruption Squads (ICS) e se dedicam a investigar e processar casos de corrupção, antitruste e “cleptocracia”, que é como o DoJ chama os casos de corrupção liderados por integrantes de governos. Ficam em Nova York, Washington DC e Los Angeles. De acordo com o FBI, os ICS permitem a investigação de casos em outros países sem “retirar recursos de campo”. Também servem para aprofundar as relações entre autoridades americanas e de outros países.

No caso do Brasil, as relações entre as autoridades americanas e o Ministério Público Federal se estreitaram por causa da “lava jato”. Pelo menos desde 2014, o FBI tem um programa regular de envio de agentes ao Brasil para atuar em casos de corrupção internacional. Em decorrência da “lava jato”, diversas empresas brasileiras, como Petrobras, Eletrobras e Odebrecht, fizeram acordos com o governo americano.

De acordo com levantamento do advogado Alexandre Dalmasso, sócio do Licks Advogados, 30% das multas pagas ao DoJ em casos de FCPA entre 2016 e 2018 o foram por empresas brasileiras.

O próximo passo dessas investigações internacionais está na área da saúde. Já foram abertas investigações contra as empresas Johnson e Johnson, Siemens, General Electric e Philips por indícios de corrupção em contratos públicos no Brasil, segundo reportagem da agência Reuters.

Há interesse em outros países, especialmente a Venezuela. Em novembro de 2018, o DoJ acusou o bilionário Raul Gorrin Belisário, dono da Globovisión, a maior emissora de TV do país, por lavagem de dinheiro envolvendo transferências bancárias nos EUA e operações de câmbio com dólares. De acordo com a denúncia, o esquema movimentou mais de US$ 1 bilhão e envolveu autoridades venezuelanas. Dois ex-funcionários do Tesouro da Venezuela confessaram participação no caso. Os três moram na Flórida.

Ponte aérea
De acordo com a advogada Dawn Murphy-Johnson, a instalação dessa nova força-tarefa mostra como a atuação das autoridades norte-americanas em relação à FCPA mudou. Segundo ela, em vez de deslocar recursos próprios para esses países, o DoJ tem preferido conduzir investigações paralelas às tocadas por autoridades locais, conforme escreveu no blog FCPAméricas, especializado em assuntos sobre a FCPA ligados à América Latina.

Advogados com experiência no DoJ ouvidos pela ConJur também têm apontado para outra tendência: a troca informal de documentos e informações entre investigadores dos EUA e de outros países.

No caso brasileiro, essa relação não começou com a “lava jato”, mas se aprofundou com ela. Em 2005, o então procurador da República Eugênio Aragão foi enviado aos EUA para falar com procuradores do DoJ sobre suas relações com delegados brasileiros da Polícia Federal. Aragão informou a seus colegas americanos que eles não podiam ceder cópia de documentos diretamente a investigadores brasileiros, como vinham fazendo, já que havia um procedimento legal, fruto de acordo entre os dois países, o MLat.

A missão foi encomendada pelo ex-procurador-geral da República Antônio Fernando, que tocava as investigações que depois deram origem ao processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal. A preocupação dele é que o intercâmbio dos delegados resultasse em nulidades.

Na época, adiantou. Com a “lava jato”, a informalidade voltou e aumentou. O primeiro caso que se teve notícia foi nas investigações de contratos da construtora OAS. Investigadores criaram uma linha de contato direto com um funcionário da Research In Motion, empresa que fabricava os celulares BlackBerry, para ter acesso a registros telefônicos de investigados, entre eles o ex-deputado André Vargas.

Depois, o Ministério Público Federal trouxe da Suíça um pen drive com cópias de extratos bancários e contratos ligados a executivos da empreiteira Odebrecht.

Em ambos os casos, houve participação de procuradores do DoJ, que alimentaram os investigadores brasileiros com informações e “dicas” do que procurar. A abertura de uma sede da seção anticorrupção do FBI em Miami dedicada a investigar a América do Sul deve aprofundar esses laços.

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