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Garantista, 2ª Turma inaugura condenações da "lava jato" no Supremo

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6 de junho de 2019, 8h35

*Reportagem especial publicada no Anuário da Justiça Brasil 2019lançado no dia 29 de maio no Supremo Tribunal Federal

Ocorreu na 2ª Turma, em 2018, a primeira condenação do Supremo Tribunal Federal no âmbito da operação “lava jato”. Ao deputado federal Nelson Meurer (PP-PR) foi estabelecida pena de mais de 13 anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Também foram condenados seus filhos Nelson Meurer Junior e Cristiano Meurer. O colegiado fixou, ainda, indenização de R$ 5 milhões a ser paga à Petrobras. Luiz Edson Fachin, relator da “lava jato” no Supremo, afirmou que quando um parlamentar usa o seu poder para indicar alguém para um determinado cargo, exerce-o de maneira desviante. “Há evidentemente o ‘mercadejamento’ da função parlamentar”, disse. 

O colegiado, no entanto, prima por prezar o direito de defesa. Ricardo Lewandowski afirma que assim como foi construída ao longo dos anos uma doutrina das CPIs, o mesmo faz a turma agora ao edificar uma doutrina dos direitos dos investigados. O decano da corte, Celso de Mello, concorda e sugere: uma jurisprudência das liberdades. 

Foi da 2ª Turma o entendimento de que é adequado conceder prisão domiciliar humanitária ao preso extremamente doente, quando o tratamento médico não pode ser oferecido na prisão. O caso concreto beneficiou o deputado estadual Jorge Picciani (MDB-RJ). Já um homem acusado de furtar um galo, cinco galinhas e três quilos de feijão conseguiu Habeas Corpus e foi absolvido sob a compreensão de que o ato se enquadra no princípio da insignificância, mesmo sendo o réu reincidente.

A 2ª Turma rejeitou a tese do ministério Público de que a doação eleitoral seja suficiente para colocar sob suspeita a atuação de um parlamentar no Congresso. Neste sentido, rejeitou denúncia contra o então senador Romero Jucá (MDB-RR) e o empresário Jorge Gerdau por corrupção e lavagem de dinheiro. Relator do inquérito, Edson Fachin classificou como frágil a argumentação da PGR. A denúncia dizia que o fato de a empresa Gerdau ter sido beneficiada por uma medida provisória articulada por Jucá e ter doado dinheiro à campanha dele configuraria crime de corrupção. 

ConJur

Em outro momento, o colegiado negou pedido da PGR para abrir inquérito contra o deputado Pauderney Avelino (DEM-AM). O parlamentar era acusado de omitir gastos e falsificar notas fiscais na declaração dada à Justiça Eleitoral durante a campanha de 2014. De acordo com a 2ª Turma, a acusação “parte da simples presunção, sem lastro em dados fáticos, de que teria havido as despesas em questão e de que elas teriam sido omitidas da prestação de contas”.

Em agosto de 2018, a turma abriu precedente instaurando, ela própria, um inquérito para investigar o uso de algemas e possível abuso de autoridade em episódio de exposição pública do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral. Por unanimidade, os ministros decidiram enviar ao Ministério da Segurança Pública, à PGR, ao Conselho Nacional de Justiça e ao Conselho da Justiça Federal o pedido de apuração de eventual abuso de autoridade no uso de algemas nas mãos, na cintura e nos pés do ex-governador durante a escolta para exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal de Curitiba. O episódio ocorreu em 19 de janeiro de 2018.

“Os excessos, como aqui constatados, de atentado à integridade física do preso, expondo-o a constrangimentos, constituem abuso de autoridade. É preciso tomar cuidado sob pena de daqui a pouco termos tortura por membros do Ministério Público e da Polícia Federal”, disse o ministro Gilmar Mendes à época. A Súmula Vinculante 11 do STF fixa que só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros.

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Os agentes disseram que o uso de algemas se justifica para proteger a integridade física de Cabral, tendo em vista que havia se formado uma multidão de pessoas à frente do IML aguardando a chegada do ex-governador. Gilmar Mendes manteve posição: trata-se de um caso clássico de afronta à dignidade da pessoa humana.

Pela primeira vez, também, a corte acolheu um Habeas Corpus de forma coletiva. No início de 2018, um HC foi concedido em nome de todas as mulheres presas grávidas e mães de crianças com até 12 anos de idade. Os ministros estenderam a decisão às adolescentes em situação semelhante do sistema socioeducativo e às mulheres que tenham sob custódia pessoas com deficiência. O Habeas Corpus substitui a prisão preventiva pela domiciliar para todas as mulheres nestas condições, com exceção daquelas que tenham cometido crimes mediante violência ou grave ameaça, contra os próprios filhos, ou, ainda, em situações excepcionalíssimas — casos em que o juiz terá de justificar a decisão.

“É chegada a hora de agirmos com coragem e darmos uma abrangência maior a esse histórico instrumento que é o Habeas Corpus”, disse Ricardo Lewandowski, relator do caso. Ele disse que, “numa sociedade burocratizada, a lesão pode assumir caráter coletivo e, neste caso, o justo consiste em disponibilizar um remédio efetivo e funcional para a proteção da coletividade”.

Talvez, no entanto, o perfil da 2ª Turma seja alterado com a mudança de cadeiras. Ao assumir a Presidência da corte, Dias Toffoli deixou a composição da 2ª Turma do STF, da qual fez parte juntamente com os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Luiz Edson Fachin. Ao lado de Gilmar e Lewandowski, Toffoli compunha o trio apegado a uma posição mais garantista, impondo derrotas a Fachin, relator da operação no STF e de posicionamento mais punitivista. Com a saída de Dias Toffoli do colegiado e o retorno da ministra Cármen Lúcia, as posições de Edson Fachin ganham mais peso.

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