Anuário da Justiça

STM obtém apoio para ampliar competência e agora busca vaga no CNJ

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4 de junho de 2019, 7h19

*Reportagem publicada no Anuário da Justiça Brasil 2019, lançado na quarta-feira (29/5) no Supremo Tribunal Federal

Antes mesmo da ascensão do capitão Jair Bolsonaro e do general Hamilton Mourão, ambos da reserva, à Presidência e à Vice-Presidência da República, o Exército ocupava cada vez mais espaço no noticiário e nas ruas do país. De 2008 a 2018, a violência urbana justificou a convocação dos militares por 11 vezes para “a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”, nas ações chamadas Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Nos 15 anos anteriores foram 12 convocações. A maior participação de militares na segurança pública, por consequência, levou ao aumento das acusações de abusos e de crimes cometidos por esses oficiais.

Desde que a Marinha e o Exército passaram a gerar estatísticas sobre o emprego das Forças Armadas em ações de GLO, 2017 foi o ano em que a Presidência da República mais acionou militares para conter a violência urbana. Foram convocações para atuar em diferentes presídios e também para atuar nas ruas do Rio Grande do Norte, do Espírito Santo e do Rio de Janeiro. A série histórica mostra que, de 1992 a 2018, foram 23 convocações por violência urbana contra 22 para garantia de votações e apurações. As operações convocadas por greve de policiais militares foram 25 nos últimos 26 anos.

Odair Freire - Ascom STM
Foi nesse contexto que o Superior Tribunal Militar propôs e viu aprovados pelo Congresso Nacional projetos de lei de reforma do Código Penal Militar, do Código de Processo Penal Militar e da lei de organização da Justiça Militar. Conseguiu ampliar sua competência para julgar militares acusados de crimes dolosos contra a vida, antes julgados pelo Tribunal do Júri. Conseguiu, ainda, a aprovação para criar o cargo de ministro corregedor.

De acordo com a mudança aprovada no artigo 9º da Lei 13.491, os crimes dolosos contra a vida cometidos por militares das Forças Armadas contra civis, especialmente nas operações GLO, são agora julgados pela Justiça Militar da União. Policiais militares que cometam os mesmos crimes continuam sob a jurisdição do Tribunal do Júri.

Houve reação social contra a mudança. Vice-presidente da corte no biênio 2017-2019, o ministro Lúcio Mário de Barros Góes diz que “a Justiça Militar, além de ser mais rápida, pois é especializada, tende a ser muito mais rigorosa em seus julgamentos. Um militar julgado pela Justiça Militar geralmente recebe punição mais severa do que quando levado ao Tribunal do Júri”. A ministra Maria Elizabeth Guimarães Rocha, que já presidiu o tribunal, considera que essa transferência não representa uma busca pela impunidade e sim “da expertise e do conhecimento que a Justiça Militar tem em processar e julgar essas ações, que são muito específicas e realmente exigem cuidado extremo por parte do julgador”.

O artigo 9º da Lei 13.491 também prevê a competência da Justiça Militar em casos que envolvem crimes não previstos no Código Penal Militar, mas em leis penais especiais, como aquelas que tratam de abuso de autoridade, tortura, associação para o tráfico e organização criminosa.

Odair Freire - Ascom STM
Entre as principais mudanças trazidas pela Lei 13.774/2018 está o deslocamento da competência para o julgamento de civis na primeira instância, que passará a ser feito exclusivamente por juiz federal de carreira. Até então, todos os casos na primeira instância eram julgados pelos conselhos de Justiça, órgãos colegiados e compostos por quatro juízes militares (oficiais das Forças Armadas) mais o juiz federal.

Os conselhos de Justiça passaram a ser presididos por juízes federais da Justiça Militar, e não mais por um juiz militar. Com a mudança, a expectativa é que o processo seja mais célere, já que o mesmo juiz fará a condução de todo o processo; pois os militares que exercem a função de juízes nos conselhos são escolhidos por meio de sorteios e substituídos periodicamente.

A partir da lei, passa a ser também de competência do juiz federal da Justiça Militar julgar Habeas Corpus, Habeas Data e mandado de segurança em matéria criminal contra ato de autoridade militar. Excetuam-se dessa regra os atos praticados por oficiais-generais, que continuam na alçada do Superior Tribunal Militar.

Odair Freire - Ascom STM
Odair Freire/Ascom STM

Com a perspectiva de aumento da carga de trabalho, o ministro Marcus Vinicius Oliveira dos Santos, presidente da corte desde março de 2019, afirma estar “buscando modernização da estrutura do tribunal para atender a essa demanda”. Quando assumiu a Presidência, a Justiça Militar era o único ramo do Judiciário em que todos os processos criminais tramitavam por meio eletrônico. “Conseguimos tornar a JMU completamente eletrônica em termos de processos. Moderna e atual, apesar de possuir 211 anos e ser a mais antiga do Brasil. Considero que foi um marco e uma contribuição fundamental da nossa administração”, afirma José Coêlho Ferreira, que deixou a Presidência em 2019.

O projeto de instalação do e-Proc na Justiça Militar foi dividido em dez fases. Nas seis primeiras foram feitas adaptações do sistema à realidade da JMU; as demais foram dedicadas ao desenvolvimento da infraestrutura. Segundo o ministro Péricles Aurélio Lima de Queiroz, o uso do processo eletrônico no gabinete gerou uma economia de tempo de 40%. “Economia essa que é dedicada ao estudo, à questão doutriná-ria, à pesquisa de jurisprudência e a outras tarefas.”

Em 2018 a Justiça Militar da União também passou a ter um ministro corregedor. A Lei 13.774, que entrou em vigor em dezembro, previu que o vice-presidente da corte deve assumir também a função de orientar, fiscalizar e fazer inspeções nas auditorias militares. Até então, o órgão responsável por isso era a Auditoria de Correição, comandada por um juiz de primeira instância. Agora a Presidência da corte pretende trabalhar no Congresso por uma emenda constitucional que inclua entre os integrantes do Conselho Nacional de Justiça um representante da Justiça Militar, o único ramo do Judiciário sem uma cadeira.

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