Opinião

PEC 45 coloca Brasil no rol de sistemas modernos de tributação

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30 de julho de 2019, 6h47

Desde a adoção do IVA tripartido, nos anos 1960, nunca houve um consenso político tão grande como o que se desenha atualmente em torno da reforma tributária. O sistema tributário desenhado pela EC 18/65 e corroborado pelas Constituições seguintes, sem meias-palavras, está com prazo de validade vencido.

A tripla competência para se tributar o consumo no Brasil se demonstrou caótica, por diversos motivos. Em primeiro lugar, a repartição de uma competência que deveria ser una gera dúvidas sobre qual imposto incide sobre determinada operação. Conflitos diversos foram instaurados e continuam a surgir, colaborando para um cenário de insegurança jurídica. Além disso, são 26 estados, mais o Distrito Federal, com competência para instituir o ICMS, e mais de 5 mil municípios para instituir o ISSQN, gerando ambiente propício para que estados e municípios lutem entre si para atrair o maior número de investimentos através da concessão de benefícios fiscais, de forma unilateral. A Lei Complementar 160/17, que “legalizou” benefícios inconstitucionais concedidos ao longo dos últimos 50 anos, é um remédio amargo para uma distorção gravíssima desse sistema.

E, mais grave ainda, é a complexidade para cumprir as centenas de obrigações acessórias. Qualquer empresa que tenha atuação nacional é obrigada a manter um departamento fiscal enorme, cuja função é descumprir o mínimo possível das exigências municipais, estaduais e federais.

Temos o sistema mais litigioso do mundo. A base de cálculo do ICMS ruiu em razão da guerra fiscal e pelo fato de a nova economia ser centrada em serviços. O ISS é uma fonte de arrecadação importante apenas para municípios de médio/grande porte, pois demanda uma estrutura fiscalizatória que não é viável para a maior parte dos municípios. O IPI virou, na realidade, um imposto seletivo. Por fim, o PIS e a Cofins são uma das grandes anomalias do nosso sistema e a sua sistemática gera muitas distorções.

Atacando todos esses problemas, a PEC 45/19 seria um avanço enorme para o país. A reunião dos impostos sobre o consumo — ICMS, IPI, ISS, bem como o PIS e a Cofins — em um único imposto — o IBS — colocaria o país em par de igualdade, em termos de simplicidade e eficiência, com os sistemas tributários mais modernos do mundo.

Ainda assim, há diversas manifestações de professores brilhantes contra a proposta formulada na PEC 45/19. O argumento em comum dessas manifestações contrárias é que o novo imposto afrontaria o princípio federativo, na medida em que estaria restringindo a competência tributária dos estados e dos municípios.

Discordamos desse argumento porque o importante é que os entes federados tenham autonomia financeira, e não, necessariamente, ampla competência tributária.

Além disso, é notório que o atual sistema não fortaleceu a federação brasileira. Pelo contrário. A guerra para atrair investimentos resultou numa infinidade de regimes especiais que mascaram a renúncia de receitas. Há, ainda, uma ineficiência econômica tortuosa: o principal critério para alocação da produção brasileira é tributário, e não a proximidade do mercado consumidor, melhor sistema logístico etc. Grande parte da dependência nacional do transporte rodoviário se dá em razão dessa péssima distribuição geográfica da produção.

Outro argumento muitas vezes utilizado é que no sistema do IBS os estados periféricos não teriam qualquer possibilidade para atração de investimentos. Esse argumento, embora deva ser uma preocupação da federação o equilíbrio de desenvolvimento entre as regiões, ignora que os estados centrais também concedem benefícios fiscais, tornando-se mais atrativos sob esse critério também. É um jogo de perde-perde. Não é de se espantar que essa prática não transformou estados periféricos brasileiros em grandes polos industriais.

Sintomático é que até mesmo o Consefaz, órgão que reúne as secretarias de fazenda estaduais, vem esboçando seu apoio ao projeto da PEC 45/19, colaborando com sugestões que dariam aos estados maior poder na administração do novo tributo.

Diante de um sistema complexo e complicado, é de se espantar tamanha resistência a mudanças. E, destaque-se, não se trata de adotar uma solução heterodoxa, mas o sistema vigente em todos os outros países desenvolvidos ou em desenvolvimento, à exceção dos Estados Unidos.

E a adoção dessa solução, mais simples e eficiente, não significa que não devamos pensar em políticas públicas adequadas para o desenvolvimento de regiões periféricas brasileiras. Principalmente pela ótica do Direito Financeiro, canalizando o gasto em investimentos que possam construir de forma sustentável um país mais justo e com menos desigualdades regionais. Fato é, no entanto, que essa repartição de competência já se mostrou ineficaz para tais objetivos.

O redesenho da competência legislativa tributária não seria atentatória ao pacto federativo. As cláusulas pétreas protegem o núcleo essencial das matérias arroladas no artigo 60, parágrafo 4º da Constituição, não podendo ser interpretadas como uma forma de congelamento das regras estruturantes do pacto federativo, a impedir qualquer adaptação às novas realidades sociais, econômicas ou políticas.

Assim, o que o federalismo não permite é a subordinação financeira dos estados-membros ao poder central. Ora, ninguém questiona que a Alemanha é um Estado federal composto da União e por 16 estados. No entanto, o poder de instituir tributos é concentrado na União, com divisão de competências administrativas, bem como de divisão de receitas, visando, dentre outros objetivos, o equilíbrio federativo.

Temos agora a oportunidade histórica de fortalecer o nosso modelo federativo, aposentando um modelo que produz distorções gravíssimas há tempos.

Todos nós devemos contribuir para o debate e o aperfeiçoamento do projeto de reforma tributária que, ao adotar o IVA (IBS) como a opção mais viável, simplifica e racionaliza a tributação do consumo, representando um avanço significativo do sistema tributário nacional.a

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