Opinião

Reforma da tributação sobre a folha de salários ainda é lacuna

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29 de julho de 2019, 6h12

Enquanto se discute “IVA x imposto único” na reforma tributária, pouco ou quase nada se tem falado acerca da importantíssima tributação sobre a folha de salários. E, quando se fala, tem sido para sustentar a sua substituição (além de outros tributos) por um imposto único, com tributação sobre meios de pagamentos, uma espécie de nova CPMF. Nem o silêncio nem a ruptura abrupta para o caminho de uma tributação sobre movimentação financeira são, definitivamente, os caminhos mais acertados para os contribuintes e para o Brasil.

Se por um lado a tão esperada reforma tributária trazida pela PEC 45, emenda de autoria do deputado Baleia Rossi, toca em pontos importantes do nosso sistema tributário, relativos ao consumo e a renda, buscando, de forma louvável, um impacto positivo nas relações econômicas, por outro, ela deixa transparecer uma incompreensível lacuna quando não aborda o tema fundamental da tributação sobre a folha de salários.

Não se pode falar de reforma tributária sem a análise da tributação da folha de salários, importante fonte de arrecadação e aspecto estratégico para o crescimento do país, sobretudo pela sua relação íntima com as relações de trabalho e custos para as empresas.

A lacuna, neste aspecto, que não é somente do referido texto da PEC, mas de quase todos os projetos que se tem apresentado até agora, deve ser rapidamente suprimida, e o tema, debatido de forma clara e ampla. O silêncio, neste caso, vai em sentido oposto ao discurso de campanha do governo eleito e, sobretudo, da necessidade dos trabalhadores e das empresas de reformas que reduzam o custo sobre folha de pagamento e, assim, catapultem a empregabilidade no país a patamares mais elevados, tirando-a do combalido cenário político e econômico em que se encontra, com mais de 13 milhões de desempregados.

A árdua vitória obtida pelos contribuintes, com o apoio de entidades como a Associação Brasileira Advocacia Tributária (Abat), na votação da PEC 6/19, que trata da reforma da Previdência, no sentido de evitar que a discussão da tributação da folha representasse apenas um mero alargamento, oneroso e assistemático, de base de cálculo, que culminou na retirada da inserção sub-reptícia da expressão “qualquer natureza” do texto do artigo 195 da Constituição, nos estertores que antecederam ao fechamento do parecer do relator Samuel Moreira, evitou situações que levariam ao indesejado aumento de base tributável e de litígios, ao mesmo tempo em que evidenciou que o foro adequado para tratar de questões que envolvem tributos — e contribuições previdenciárias sobre a folha, a par de fonte de custeio da seguridade, também são tributos, ou seja, são regidas por normas jurídicas e princípios constitucionais encartados em nosso Sistema Tributário Nacional – é o foro da reforma tributária.

Quando, então, esse importante projeto para a nação que é a reforma tributária passa, agora, a tramitar, a velas pandas, na Câmara, inclusive já com aprovação na Comissão de Constituição e Justiça, e nele não se vê nenhuma regra ou proposta que aborde caminhos e alternativas lineares para uma tributação racional, simplificada e menos onerosa da folha de salários das empresas, não podemos nos calar impassíveis diante de tal situação.

Pensamos que, sobretudo no Estado Democrático de Direito, que prima pela busca do bem-estar social aliada à segurança jurídica, qualquer projeto de reformar o Sistema Tributário Nacional não pode deixar à margem um ponto tão impactante e essencial como o da folha de salários, quer pelos reflexos que representa nas relações de empregabilidade, trabalho e estabilidade social, quer pela significativa participação na parcela total da arrecadação tributária do Estado. Os números mostram a relevância desta questão: 30% da arrecadação tributária anual, equivalente a aproximadamente R$ 400 bilhões, provêm das contribuições previdenciárias sobre a folha de salários, cabendo ao IRPJ R$ 111 bilhões, e aos demais tributos, a cifra de R$ 792 bilhões.

Assim, deixar persistir essa lacuna no projeto de reforma tributária é correr o risco de inquiná-lo de ilegitimidade e ineficácia parcial nas soluções procuradas para a economia e para o próprio sistema tributário, deixando, ainda, passar o momento para fazer, de forma transparente e sistematizada, a construção de um novo modelo de tributação sobre a folha de salários e rendimentos oriundos das relações econômicas de trabalho, em linha com o plano inicial do novo governo de desburocratizar as relações de trabalho e reduzir os custos sobre a folha, que emperram a empregabilidade e assolam a economia do país.

É de se indagar, então, qual o caminho para evitar que essas mazelas se instalem no ambiente da reforma tributária. Certamente, a resposta não está na instituição de uma espécie de “nova CPMF” nem na manutenção do estado de coisas atuais. As poucas propostas apresentadas sobre a matéria até agora oscilam entre os extremos da ruptura para a tributação de todos os meios de pagamento e a manutenção do status quo do esgotado sistema atual (projeto do ex-deputado Hauly, encampado recentemente pelo senador David Alcolumbre).

A tributação por meio de um imposto único, sobre meios de pagamentos, como vem sendo proposta, além de promover a ruptura abrupta do sistema de diversidade de base de financiamentos da Seguridade Social, vigente há 30 anos em nossa experiência normativa Constitucional e de prática legal e empresarial, trará ainda mais problemas, atinentes à sua forma de tributação regressiva e em cascata; falta de absoluta referibilidade com as relações de trabalho inerentes ao custeio da Previdência Social; promoção de tributação desvinculada de denotação de capacidade contributiva, mesurada pela riqueza ou base econômica tributável, o que não estará presente neste caso; equiparação de todos os setores da economia, sem levar em conta a necessidade de tratamentos favorecidos pelas empresas de pequeno porte, empresas do sistema Simples e empresas prestadoras de serviços, que estão, juntas, entre os maiores responsáveis pela empregabilidade e impulso da economia no país.

Pela seriedade dessas reflexões, entendemos que a resposta está no aperfeiçoamento do sistema de custeio da Seguridade Social, e não em sua ruptura.

O caminho, portanto, está no enfrentamento seguro e maduro do tema, que passa, de início, pelo aprimoramento — e não ruptura — do sistema de seguridade atual, mantendo a tributação sobre a base “folha de salários”, contudo, elevando-a a níveis ótimos de segurança, racionalidade, simplificação, redução de carga tributária e diminuição de litígios.

E para fazer isso acreditamos que a solução esteja, aqui também, no sempre valoroso “caminho do meio”, que no caso significa, assertivamente, a manutenção da tributação da folha como base tributável inerente às relações de trabalho, adicionando, contudo, quatro pontos cardeais que fazem toda a diferença e podem, se habilmente manejados, conduzir a uma justa e eficaz reforma da tributação para o financiamento da Seguridade Social. São eles:

(i) sistema de redução e regressão seletiva de alíquotas das contribuições previdenciárias cobradas do empregador (empresas comerciais e industriais), através da criação de eficaz tabela de incidências previdenciárias (TICP);

(ii) instituição do aumento de base tributável, por meio da redução das diversas hipóteses excepcionadas pela lei (parágrafo 9º do artigo 28 da Lei 8.212/91, o que levará, também, à significativa redução de litígios na matéria, na sua maioria instalados acerca do sentido e alcance do conceito de remuneração. Enquanto os países desenvolvidos discutem a tributação de novos modelos de relações de trabalho, cada vez mais informais, o Brasil continua discutindo, há mais de 25 anos, a abrangência do conceito de remuneração. A reforma tem a chance única de colocar fim a esta contraproducente celeuma;

(iii) tributação favorecida, com alíquota única reduzida (piso), para EPPs, Empresas Simples e empresas prestadoras de serviço;

(iv) aumento do rol de contribuintes, para passar a tributar e inserir como agente contribuinte para o sistema, a pessoa física que promove relações de trabalhos e expressa capacidade contributiva e que atualmente, todavia, está fora do sistema de contribuição, na medida em que não é empregador nem empregado ou, mesmo, autônomo.

Deste modo, além de a contribuição social tratada no inciso I, “a”, do artigo 195 passar a ser cobrada com base em alíquotas regressivas, predeterminadas pelo próprio texto constitucional, ela também deverá atender ao critério de conjugação, baseado em fator de multiplicação pelo número de salários mínimos pagos por empregados de dois pesos: número de empregados e massa salarial.

Com isso, será possível aprimorar o sistema atual, sem romper com as realidades de seguridade criadas nestes 30 anos de Constituição, sem excluir a diversidade de base de financiamento da Seguridade Social (folha, receita bruta e lucro) e, o mais importante, prestigiando que se tribute menos quem emprega mais e, conjugadamente, paga melhor. Em outras palavras, paga menos (tributo) quem emprega mais (em número e oportunidades de emprego) e paga melhor (massa salarial, valor total da folha de pagamentos em relação ao valor salarial per capita, ou média salarial).

Alternativas como essas, somada a um plano de tributação especial com alíquota única reduzida para empresas de pequeno porte (EPP), empresas Simples, empregadores pessoa física e, sobretudo, empresas prestadoras de serviços — todas sobre a folha de salários considerada com base alargada e uniforme —, são potentes instrumentos para retomar o caminho de uma tributação mais racional, simples e eficiente sobre a folha de salários.

O governo, por sua vez, com o objetivo de fazer uma alardeada “plástica tributária” no sistema impositivo das contribuições previdenciárias, deverá insistir em um imposto único sobre meios de pagamento.

Esse conceito de reforma da tributação sobre a folha de salários que apresentamos, todavia, é muito mais amplo, não é reducionista e permite que, em fases e de modo encadeado, se experiencie uma solução muito mais prudente, através do controle e aprimoramento das nossas experiências passadas, e também mais rica, no sentido de aptidão para atingir o objetivo melhor para a sociedade e o erário, qual seja, desonerar a folha nas relações individuais “Fisco x contribuinte” e manter ou aumentar (a depender da validação dos números pelo governo) a arrecadação na relação “Estado x universo de contribuintes”, sobretudo em decorrência do aumento de base tributável e da inclusão de novos contribuintes que, atualmente, estão à margem do sistema.

Com tudo isso em jogo, ao contrário do que se tem dito, não basta aprovar um projeto que garanta a economia que o governo está buscando, é preciso também que se inclua na discussão a tributação sobre a folha de salários e, assim, além de se suprimir a lacuna na discussão do tema no ambiente da reforma tributária, encontrar alternativas seguras e viáveis para as relações de trabalho e o efetivo crescimento do país.

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