Opinião

O novo processo de ex-tarifário e os impactos da Portaria ME 309/19

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29 de julho de 2019, 6h46

Em 26 de junho, foi publicada no Diário Oficial da União a Portaria 309 do Ministério da Economia, que alterou a sistemática de solicitação e concessão da redução temporária do Imposto de Importação aos bens de capital (BK) e bens de informática (BIT) sem produção nacional equivalente, na condição de ex-tarifário.

A matéria, até então regulamentada pela Resolução Camex 66/14, foi aprimorada no sentido da simplificação procedimental e da segurança jurídica, tendo como pano de fundo a necessidade de se conferir aos setores produtivos nacionais um novo impulso em direção ao investimento e à competitividade.

Cumpre-nos, assim, destacar as principais alterações promovidas pela Portaria ME 309/19 e os impactos que ela trará aos pedidos de ex-tarifário.

1. O conceito de ex-tarifário (I): bens usados
Em geral, a Portaria 309/19 não modificou a essência do conceito do regime de ex-tarifário, que, de acordo com o artigo 1º, consiste na “redução da alíquota do Imposto de Importação de Bens de Capital, de Informática e de Telecomunicações, bem como de suas partes, peças e componentes, sem produção nacional equivalente, assinalados na Tarifa Externa Comum – TEC como BK ou BIT”.

Diante dessa definição, o novo regulamento não proíbe expressamente a concessão do benefício aos bens usados, como antes previa o artigo 1º, parágrafo 3º, da Resolução Camex 66/14. Isso significa que, em tese, a aduana não poderá desqualificar o ex-tarifário se o produto for importado na condição de usado, desde que tenha atendido ao respectivo tratamento administrativo.

A esse respeito, destaca-se que a Portaria Secex 23/11 admite a importação de máquinas e equipamentos usados sem produção nacional, mediante anuência da Subsecretaria de Operações de Comércio Exterior (antigo Decex).

Contudo, essa condição poderá se verificar incompatível com as demais regras previstas na Portaria Secex 23/11, a saber do artigo 13, parágrafo 1º, inciso IV, que dispensa o licenciamento de produtos importados na condição de ex-tarifário, bem como do artigo 47, que dispensa a abertura de consulta pública para a verificação da inexistência de produção nacional com vistas ao licenciamento da importação de bens usados idênticos a bens novos contemplados com ex-tarifário.

2. O conceito de ex-tarifário (II): produção nacional equivalente
Tal como previsto na legislação revogada, a inexistência de produção nacional equivalente do bem objeto do pleito de ex-tarifário se mantém como um requisito indispensável à sua concessão.

Ocorre que a Resolução Camex 66/14 não precisava, de forma clara, o que poderia ser compreendido como bem sem produção nacional equivalente. Tanto que, na prática, cabia às entidades representativas dos setores produtivos, com base em seus próprios critérios, avaliar se determinado BK ou BIT teria produção nacional equivalente que inviabilizasse a concessão da redução tarifária.

Ao que parece, a Portaria ME 309/19 resolve esse impasse ao cunhar, de modo objetivo, um conceito para o que se compreende como produção nacional equivalente. De acordo com o artigo 13, a identidade entre o bem nacional e o estrangeiro pode ser aferida segundo quatro critérios:

  • o bem nacional deve possuir desempenho ou produtividade igual ou superior ao do bem importado — com margem de diferença de 5% em favor do nacional;
  • prazo de entrega do bem nacional deve ser igual ou inferior ao do mesmo tipo de bem importado — com margem de diferença de 5% em favor do nacional;
  • existência de fornecimentos anteriores efetuados nos últimos cinco anos pelo fabricante;
  • preço do bem nacional, calculado na fábrica EXW (Ex Works), sem a incidência de tributos, não deve ser superior ao do bem importado, calculado em moeda nacional, com base no preço CIF (Cost, Insurance and Freight) — com margem de diferença de 5% em favor do nacional, após a aplicação da alíquota do Imposto de Importação vigente para o produto.

Além disso, o parágrafo 1º do mesmo artigo 13 autoriza que, na apuração e análise comparativa de existência de produção nacional equivalente, sejam levados em consideração, quando aplicáveis, o grau de automação, tecnologia utilizada, garantia de performance do bem, consumo de matéria-prima, utilização de mão de obra, consumo de energia e custo unitário de fabricação.

3. A forma eletrônica dos pleitos
A Portaria ME 309/19 se ateve à formatação totalmente eletrônica do pleito, em substituição da tradicional forma física de entrega de documentos.

Sendo assim, os pedidos deverão ser apresentados mediante o preenchimento dos formulários disponibilizados no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) do Ministério da Economia.

O acesso ao sistema se dará com o prévio cadastro do interessado e de seu representante legal. Essa regra vale tanto para empresas quanto para entidades de classe, abrangendo tanto o pleiteante quanto eventuais impugnantes.

4. O requerimento de “ex”: parâmetros objetivos de descrição
As regras relativas ao requerimento para a concessão do ex-tarifário permanecem essencialmente as mesmas. Algumas novidades, entretanto, foram instituídas no sentido de complementar a redação do pedido de redução tarifária, a exemplo da necessidade de se indicar as diferenças tecnológicas existentes entre o bem estrangeiro e aqueles produzidos no Brasil.

Além disso, a Portaria ME 309/19, em seu artigo 3º, inciso II, estabelece quais os critérios que devem ser utilizados pelos pleiteantes quando da elaboração da sugestão de descrição do ex-tarifário. São eles:

  • o texto da descrição deve estar redigido no plural;
  • o texto da descrição deve ser único e contínuo, sem uso de ponto final;
  • o texto da descrição deve ser meramente descritivo, sem partes explicativas;
  • o texto da descrição não deve conter menção de marca, modelo ou patente; e
  • o texto da descrição deve ser claro, objetivo e conciso, com os principais parâmetros técnicos e funcionais do bem.

A adoção desss parâmetros tem como objetivo nortear os pedidos e orientá-los no sentido de uma formatação tecnicamente mais adequada, evitando, assim, entraves futuros quando da identificação do bem importado e seu correto enquadramento tarifário pela aduana.

5. As etapas do pleito
5.1 Análise preliminar
Após a apresentação do requerimento pelo interessado, a Portaria ME 309/19 prevê a realização de uma análise preliminar pela Secretaria de Desenvolvimento da Indústria, Comércio, Serviços e Inovação, com vistas à verificação dos requisitos formais indispensáveis à instrução do pleito.

A principal novidade nessa etapa refere-se à sistemática pela qual a verificação do enquadramento tarifário é realizada.

É que, sob o prisma da Resolução Camex 66/14, cada pleito era necessariamente encaminhado à Receita Federal, que, no prazo de 45 dias corridos, procedia ao exame e à manifestação sobre a classificação tarifária e sobre a adequação da descrição da mercadoria.

Agora, o artigo 7º da Portaria ME 309/19 atribui à própria Secretaria de Desenvolvimento, Indústria, Comércio, Serviços e Inovação a competência para ajustar a descrição do produto, bem como avaliar preliminarmente a correção da classificação fiscal adotada pelo pleiteante. Neste caso, a Receita Federal somente será acionada para se manifestar, no prazo de 30 dias úteis, nos casos em que forem identificados indícios de erro nessas informações.

Na mesma linha, o prazo para o requerente proceder à correção de irregularidades no pleito foi reduzido para 10 dias úteis.

5.2. Consulta pública
O prazo para consulta pública a que os pleitos se sujeitam também foi reduzido. Desta forma, os eventuais fabricantes nacionais, associações, órgãos e entidades deverão apresentar suas contestações em até 20 dias corridos.

5.3. Contestação
A contestação dos pleitos de ex-tarifário foi remodelada para refletir as novas concepções sobre o conceito de produção nacional equivalente. Assim, verifica-se que o artigo 9º da Portaria ME 309/19 estabeleceu novas exigências para a instrução do formulário de contestação, em complementação àquelas já previstas na revogada Resolução Camex 66/14.

A primeira se refere à comprovação de que a empresa/associação impugnante fornecera o produto equivalente nos últimos cinco anos, sugerindo que não deverá mais ser admitida a contestação baseada na mera capacidade de se produzir o bem. Agora, o impugnante deverá demonstrar que o produto equivalente ao do pleito foi, de fato, fabricado e comercializado no passado.

O impugnante também deverá informar o prazo para a entrega do mesmo tipo de bem que alega produzir localmente, que deverá ser inferior ao do estrangeiro, admitida a margem de 5% em favor do nacional.

Por fim, ainda cabe ao impugnante informar o preço de venda do bem e o preço na fábrica, sem a incidência de impostos (na condição EXW), o qual não deverá ser superior ao preço CIF do importado.

Apesar da definição desses requisitos, a nova regulamentação não esclareceu quais seriam os documentos suficientes para comprová-los, de modo que se recomenda a entrega de documentação apta a demonstrar a assunção de obrigações sob a perspectiva fiscal e negocial, a exemplo de notas fiscais, faturas comerciais, escrituração de estoque, contratos de compra e venda, dentre outros.

A Portaria ME 309/19 também alterou o prazo para o pleiteante se manifestar quanto à contestação, que agora passa ser de 10 dias úteis.

5.4. Apuração da existência de produção nacional
Via de regra, a apuração da existência de produção nacional equivalente se dá por meio da consulta pública formulada tão logo se ateste a regularidade instrumental do pleito. Neste aspecto não há novidades.

Por outro lado, verifica-se que a Portaria ME 309/19 não mais permite a apuração da existência de produção nacional com base em consulta ao banco de dados próprio do BNDES ou em laudo técnico elaborado por especialista ou por entidade tecnológica, na forma como era previsto no artigo 10, incisos III e V, da Resolução Camex 66/14.

5.5. Da análise técnica e recomendações
De acordo com a Portaria ME 309/19, a Secretaria de Desenvolvimento da Indústria, Comércio, Serviços e Inovação passa ser a responsável pela análise técnica e por emitir recomendações nos pleitos de ex-tarifário. Essas atividades compreendem a instrução e organização de processos, comunicação com as partes, formulação de consultas públicas, análise de contestações e manifestações e, em especial, a elaboração de pareceres e recomendações às autoridades superiores sobre o mérito e a conveniência da concessão da redução tarifária.

Assim, o resultado do pleito de ex-tarifário está sujeito, em última análise, ao juízo discricionário do governo federal, que, de acordo com a nova legislação, poderá considerar, além da inexistência de produção nacional, os seguintes parâmetros:

  • diretrizes políticas governamentais;
  • absorção de novas tecnologias;
  • investimento em melhoria de infraestrutura; e
  • isonomia com bens produzidos no Brasil, no atendimento às leis e regulamentos técnicos e de segurança.

5.6. As decisões
Pelo que dispõe a Portaria ME 309/19, passa ser da Secretaria Especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais (Secint) a competência para decidir sobre o mérito das reduções tarifárias pleiteadas, após concluída a análise técnica pela Secretaria de Desenvolvimento da Indústria, Comércio, Serviços e Inovação.

Isso representa uma mudança significativa no rito e na sistemática decisória dos pedidos, já que se reduz o número de procedimentos, órgãos e autoridades incumbidos na avaliação. A expectativa é que a racionalização burocrática implique também na redução do tempo em que o governo levará para concluir a análise dos pedidos.

5.7. Os recursos
Na forma da Portaria ME 309/19, a impugnação da decisão que indeferiu o pleito se dá na forma de recurso, que poderá ser interposto pelo interessado, seja ele o pleiteante ou terceiro prejudicado, no prazo de 10 dias úteis.

Contudo, o artigo 18 autoriza o manejo recursal recurso apenas sobre matéria de direito, o que sugere, a princípio, que não serão analisados os recursos que tratarem sobre aspectos fáticos do pleito.

Após a interposição do recurso, a Secint poderá reconsiderar sua decisão. Em não havendo reconsideração, então, caberá ao ministro da Economia decidir, em última instância, sobre a concessão do pedido de redução tarifária.

6. Os pedidos de renovação
À semelhança do que dispunha a Resolução Camex 66/14, a nova regulamentação permite ao interessado solicitar a renovação da redução do Imposto de Importação para o bem já contemplado com ex-tarifário sem a necessidade de se apresentar novo pleito.

Com relação a ex-tarifários vigentes, os pedidos de renovação deverão ser apresentados dentro do período de vigência do ex-tarifário, com antecedência máxima de 180 dias do seu vencimento (e não mais de 90 dias, como previa a Resolução Camex 66/14).

Com relação a ex-tarifários já expirados, os pedidos de renovação podem ser apresentados em até dois anos após o fim da vigência.

7. Proteção jurídica aos despachos de importação
Aliado às mais importantes alterações promovidas pela Portaria ME 309/19, o artigo 24 estabelece que, se no curso do despacho de importação a Receita Federal constatar erro na classificação fiscal empregada pelo importador, a redução do Imposto de Importação será mantida se o código da NCM indicado pelo Fisco se referir a um BK ou BIT.

O mesmo artigo 24 não dispensa, entretanto, a aplicação de penalidade pelo erro na classificação fiscal (artigo 711 do Regulamento Aduaneiro — multa de 1% sobre o valor aduaneiro).

Assim, a novidade traz repercussões relevantes na cobrança dos tributos, penalidades e encargos decorrentes da desclassificação do “ex”, primeiramente porque afasta os impactos da exigência integral do Imposto de Importação sobre o IPI, cobrado em cascata.

Em segundo lugar, a manutenção da redução tarifária impede, ao menos em tese, que o Fisco proceda à exigência da multa de ofício (artigo 725 do Regulamento Aduaneiro), de 75%, cobrada sobre a totalidade ou diferença do Imposto de Importação que deixou de ser recolhido pelas vias do ex-tarifário.

Independentemente de a aduana adotar esse entendimento, avaliamos que os importadores possuem, agora, mais um argumento para afastar a aplicação da multa de ofício nesses casos, tanto com relação aos autos de infração lavrados após a publicação da Portaria ME 309/19 quanto àqueles que já estão sendo discutidos administrativa ou judicialmente.

8. Conclusão
Sem se olvidar dos princípios que informam a redução tarifária de BKs e BITs não fabricados no Brasil, verifica-se que a Portaria ME 309/19 altera substancialmente a sistemática dos pleitos de “ex”, propondo aos setores produtivos nacionais ferramentas mais modernas para a modernização de suas atividades, confiando que a segurança jurídica seja compreendida como um caminho para a construção de um ambiente produtivo cada vez mais alinhado à realidade global e às demandas que dela se espera.

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