Opinião

Contrato intermitente ainda é um universo de dúvidas e poucas respostas

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28 de julho de 2019, 6h39

A reforma trabalhista, que entrou em vigor em novembro de 2017, trouxe à legalidade uma modalidade de contratação há muito tempo praticada na informalidade: o contrato intermitente.

Em resumo, o regime de contratação intermitente cria a possibilidade da prestação de serviço de maneira esporádica, mediante convocação, sendo que o trabalhador, embora formalmente empregado, receberá seu salário somente pelo tempo efetivamente trabalhado, não recebendo pelo período inativo. A convocação para o trabalho pode ser determinada em horas, dias ou meses, ou seja, o empregado pode ser contratado para trabalhar por oito horas, 20 dias ou dois meses, dependendo da necessidade do empregador.

Uma das características desse contrato é a não exclusividade, pois o empregado pode ter mais de um empregador e, inclusive, prestar serviços autônomos durante o período de inatividade.

O empregado contratado de forma intermitente será convocado para o trabalho por qualquer “meio de comunicação eficaz”, com, pelo menos, três dias de antecedência da prestação de serviços, sendo que na convocação há a necessidade de esclarecer qual o serviço e a jornada que estão sendo contratados. Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de um dia útil para responder. Caso aceite a convocação e não compareça para trabalhar, pagará ao empregador multa de 50% da remuneração que seria devida, permitida a compensação.

Ao final do período de prestação de serviço, o empregado receberá, além de sua remuneração, férias proporcionais acrescidas de 1/3, 13º salário proporcional e repouso semanal remunerado. Ainda, o empregador deve recolher contribuição previdenciária proporcional ao salário pago e o depósito de FGTS. Com relação às férias, prevê a reforma trabalhista que, “a cada doze meses, o empregado adquire direito a usufruir, nos doze meses subsequentes, um mês de férias, período no qual não poderá ser convocado para prestar serviços pelo mesmo empregador”.

Conceituado o contrato intermitente, necessário analisar as dúvidas que a reforma não respondeu sobre o contrato de trabalho intermitente.

Contrato
Partindo do pressuposto de que o empregador só chamará o empregado contratado de forma intermitente quando houver necessidade, cria-se a possibilidade de uma pessoa ter emprego, porém, não ter trabalho. Isso porque o empregador poderá ficar horas, dias ou meses sem demandar trabalho, fazendo com que o empregado, consequentemente, fique sem receber salário. Esse cenário pode, ainda, camuflar estatísticas sobre desemprego, vez que, como explicado, uma pessoa que assinou contrato intermitente, mas não foi chamada para trabalhar e não recebeu salário, será considerada formalmente empregada. Ainda, a hipótese de não ter um salário mínimo garantido é contrário à própria Constituição Federal, que, em seu 7º artigo, garante o direito à remuneração mínima.

Salário mensal
Dispõe o artigo 459 da CLT que o pagamento do salário, independente da modalidade do trabalho, não pode ser estipulado em período superior a um mês. Porém, a reforma trabalhista, ao criar o contrato intermitente, consignou que a remuneração do empregado contratado nessa modalidade será devida somente ao final da prestação do serviço. Assim, se, por exemplo, se tratar de um serviço de duração superior a um mês, o pagamento ocorrerá de maneira diversa do que prevê o artigo 459 da CLT. Ou seja, a CLT cria confusão ao dispor de artigos contraditórios entre si!

Estabilidade acidentária
Situação no mínimo curiosa é a possibilidade de o empregado ser contratado de forma intermitente para trabalhar por um período de uma hora e, nesse período, se acidentar. Nessa hipótese, restará caracterizado o acidente de trabalho e, consequentemente, a estabilidade pelo período de 12 meses após a cessação do auxílio doença acidentário. Agora, a pergunta: como ficará o período de estabilidade? O empregador será obrigado a contratar o empregado com prazo indeterminado? O empregado terá uma preferência para ser convocado na modalidade intermitente?

INSS
Questão relevante sobre contrato intermitente é a situação do empregado junto ao INSS. É sabido que as contribuições previdenciárias são calculadas e recolhidas conforme a remuneração mensal. Assim, caso o empregado contratado de forma intermitente não seja convocado para trabalhar durante um mês (ou seja pouco chamado a ponto de não receber o salário mínimo), seu recolhimento previdenciário não atingirá o valor mínimo da contribuição e, consequentemente, o mês trabalhado não contará como tempo de contribuição previdenciária para a aquisição de benefícios previdenciários, como a aposentadoria.

Benefícios convencionais 
Certo é que o empregado contratado de forma intermitente não pode ser discriminado em razão da modalidade de seu contrato, devendo receber o mesmo salário-hora dos “demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não”. Partindo desse pressuposto, necessário questionar se os benefícios convencionais aplicáveis aos empregados “típicos” também se aplicam ao contratado de forma intermitente, como, por exemplo, vale-mercado ou plano de saúde. Se a resposta a essa pergunta for sim, necessário partir para o próximo questionamento. Se o empregado possuir mais de um contrato intermitente em diferentes categorias, todas as convenções coletivas e seus benefícios serão também aplicáveis?

Multa
Conforme exposto acima, caso o empregado aceite a convocação para o trabalho e não compareça, sem avisar, deverá pagar ao empregador multa de 50% da remuneração que seria devida, podendo compensar. A pergunta: em uma situação hipotética de um empregador contratar um empregado intermitente para um serviço com duração prevista de seis meses, pagando um salário de R$ 4 mil por mês (o que totaliza R$ 24 mil), caso esse empregado não apareça para trabalhar e não justifique, ele deverá ao empregador 50% do salário total, ou seja R$ 12 mil?

Concorrência
A reforma trabalhista nada fala sobre exclusividade do contratado de forma intermitente. Assim, é permitido prestar serviços a outros contratantes e concorrentes do empregador. Contudo, a situação narrada seria uma exceção à falta grave prevista na alínea "c" do artigo 482 da CLT, o qual dispõe que “constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado”.

Mais dúvidas que respostas
A título de curiosidade, após a publicação da reforma trabalhista, foi editada a Medida Provisória 808, que sugeria a alteração de diversos pontos da própria reforma e respondia a diversas das dúvidas a respeito do contrato intermitente. Contudo, como a MP nunca foi votada, perdeu a eficácia.

Atualmente, há a Portaria 349/2019 do Ministério do Trabalho (que, na prática, não mais existe, vale dizer), que regula o contrato intermitente e responde a algumas coisas, como, por exemplo, que o salário não poderá ser estipulado em período superior a um mês, caso a convocação exceda 30 dias. A portaria está respaldada no inciso II, do parágrafo único, do artigo 87 da Constituição Federal, que delega competência aos ministros para “expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos”. Assim, o ministério não pode criar regras, mas tão somente instruir como serão aplicadas, o que, tendo em vista a complexidade do assunto e as incontáveis dúvidas existentes, não é suficiente para a interpretação e aplicação do contrato intermitente.

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