Processo Eletrônico

"Seria um ganho enorme para todos se o e-Proc e o PJe pudessem trabalhar juntos"

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28 de julho de 2019, 7h00

Spacca
No início de julho, relatório do ministro Raimundo Carreiro, do Tribunal de Contas da União, constatou que a implantação de um sistema único de processo judicial eletrônico ainda não era uma realidade. O texto é um diagnóstico dos cinco anos desde que o Conselho Nacional de Justiça decidiu que o PJe deve ser o sistema padrão de todos os tribunais.

A 4ª Região da Justiça Federal não sofre com esses problemas. O TRF-4 e a primeira instância usam um sistema chamado e-Proc. Totalmente desenvolvido internamente, o sistema é o grande responsável por todos os processos judiciais da 4ª Região serem totalmente digitais desde 1º de abril deste ano.

O sistema é o preferido de 78% de seus usuários na Justiça Federal, e 91,5% dos juízes e 76% gostam dele. O PJe apresenta números mais modestos. O índice de satisfação fica em 38%, mas só 45% dos magistrados e 48% dos advogados gostam dele.

Mas "o objetivo do e-Proc não é competir com o PJe", diz o juiz federal Sérgio Tejada Garcia, de Rio Grande, no Rio Grande do Sul. Ele lembra que o sistema já se mostrou interoperável com todos os demais softwares de processo eletrônico e gostaria mesmo era de ver o e-Proc interagir com o PJe.

Em 2002, ele foi o coordenador do desenvolvimento e implantação do e-Proc. Hoje, o sistema já usado por diversas instituições, entre elas o Ministério Público Federal, a Advocacia-Geral da União e o Conselho da Justiça Federal, além de alguns órgãos do governo federal.

Por iniciativa do então presidente do TRF-4, o desembargador Teori Zavascki, Tejada e o servidor José Carlos Abelaira Filho passaram a se dedicar a um sistema que automatizasse todos os processos judiciais. A ideia era colocar o Judiciário na era da informática, para tentar aplacar a morosidade e economizar custos.

Segundo Tejada, esse objetivo foi cumprido. Em alguns casos, a economia de dinheiro chega a 50%, e a de tempo, a 80%.

Em entrevista exclusiva à ConJur, o magistrado conta como foram os primórdios da criação do e-Proc. Da ideia a princípio estranha, de fazer um sistema que rodasse no navegador de internet, e não instalado no computador do usuário, às dificuldades de desenvolver um sistema de processo eletrônico com conexão à internet discada.

Leia a entrevista:

Conjur — Quando tiveram início as primeiras discussões sobre processo eletrônico na Justiça brasileira? Quem eram os atores e o que se debatia?
Sérgio Tejada
 No início da década de 1990, quando aconteceram as primeiras conversas sobre a desburocratização do processo e sobre alternativas ao papel no Judiciário. Temos como exemplo o uso da urna eletrônica, a utilização do fax para prática de atos processuais (Lei 9.800/99) e a Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95). Esta última, aliás, quando de sua publicação, já previa a gravação de atos jurisdicionais em meio magnético “ou equivalente”, que poderia ser destruída após o trânsito em julgado do processo.

Conjur — O que motivou essas conversas?
Sérgio Tejada — 
Atravessávamos o que então foi chamado de “crise da Justiça”, em face do volume e da morosidade processual. Na Justiça Federal, estudávamos formas de superar essas dificuldades e estimávamos que um procedimento mais simples, a exemplo da experiência exitosa dos Juizados Especiais estaduais, e a utilização da tecnologia da informação, seriam muito úteis para aumentar a efetividade e a agilidade do processo judicial.

ConJur — Esse "casamento" entre TI e simplificação de gestão aconteceu primeiro entre os juízes federais, nos antigos juizados de pequenas causas, não foi?
Sérgio Tejada Correto. Já havia alguns projetos isolados, mas a caminhada para um processo totalmente eletrônico teve início no seio das discussões travadas entre juízes federais. Tanto é que a Ajufe apresentou um projeto de lei sobre a “informatização do processo judicial” em 2001. Era o PL 5.828/2001 que veio a se transformar na Lei 11.419/2006. Essas discussões também chegaram ao Conselho da Justiça Federal e ao STJ. Os primeiros projetos foram antecipados como decorrência natural da instalação dos JEFs, a partir de janeiro de 2002.

ConJur — Por quê, naturalmente?
Sérgio Tejada —
 O artigo 24 da Lei 10.259/2001 estabeleceu que “o Centro de Estudos Judiciários do CJF e as escolas de magistratura dos TRFs criarão programas de informática necessários para subsidiar a instrução das causas submetidas aos Juizados e promoverão cursos de aperfeiçoamento destinados aos seus magistrados e servidores’’. Nesse momento, surgiram duas correntes de processo eletrônico: a dos JEFs de São Paulo, também chamada de Fórum Social; e a do e-Proc, da Justiça Federal da 4ª Região. A primeira era liderada pelo desembargador Santos Neves. Era um sistema baseado na antiga estrutura denominada “cliente-servidor”, que começou a funcionar em abril de 2002. O nosso sistema, diferentemente, foi estruturado desde o início na web, via browser, implantado e funcionando desde julho de 2003. Em resumo, o processo eletrônico surgiu como um mecanismo de simplificação e de combate à morosidade processual.

ConJur — Onde o senhor estava na época em que começou desenvolver o e-Proc? 
Sérgio Tejada
Começamos o desenvolvimento do e-Proc em meados de 2002, período em que eu ocupava o cargo de diretor do foro da Subseção Judiciária de Rio Grande, na Metade Sul do RS. Na verdade, tudo começou em face do desafio lançado pelo então presidente do TRF-4, desembargador federal Teori Albino Zavascki, durante a cerimônia de inauguração das novas instalações do JEF de Rio Grande, no sentido de que deveríamos criar um sistema de processo eletrônico. O desafio foi prontamente aceito pelo então coordenador dos JEFs, desembargador federal Vilson Darós. A primeira fase de desenvolvimento do e-Proc se deu na cidade de Rio Grande, sob a liderança técnica do servidor José Carlos Abelaira Filho, que tirou férias da Justiça Federal para poder dedicar-se ao projeto juntamente comigo. Nesse momento, tivemos o apoio integral da OAB local e também da estrutura de um provedor de internet da cidade, que viabilizou as primeiras conexões na web, pois à época o acesso à rede mundial de computadores era feito por linha telefônica, a chamada conexão discada (dial-up). E a nossa experiência com a internet era muito incipiente. 

ConJur — Em 2002, então, foi feito o primeiro ‘‘projeto piloto’’?
Sérgio Tejada
 Sim, e foi lançado no JEF de Rio Grande, com o objetivo de testar a receptividade do projeto. Como o resultado foi positivo, o desembargador Darós, ainda na qualidade de coordenador dos JEFs, constituiu uma comissão formal para dar andamento ao projeto, sob minha presidência. Com isso, o e-Proc ganhou novo fôlego, pois no início de 2003 o projeto foi transferido para o TRF-4, que designou servidores da área de TI da Justiça Federal para apoiar o seu desenvolvimento. Já há alguns anos o e-Proc conta com apoio total da alta administração da corte e de todos os desembargadores federais. Registro que os servidores alocados têm altíssima qualificação técnica, o que proporciona um aperfeiçoamento constante do sistema. Isso se revela na satisfação cada vez mais acentuada dos usuários internos e externos.

ConJur — Não deve ter sido simples começar um sistema de processo eletrônico internamente e do zero.
Sérgio Tejada
 — Tivemos muitas dificuldades, pela carência de recursos materiais e humanos. Todo o tempo de dedicação ao sistema foi sem prejuízo de minhas funções de juiz. Foi indispensável o apoio do desembargador Vilson Darós, seja como coordenador dos JEFs, seja na função de corregedor, seja na de presidente do tribunal, a partir de 2009. A partir da gestão Darós o e-Proc entrou numa nova fase, pois passou a receber o aporte de recursos financeiros e humanos necessários. O e-Proc foi formalmente incorporado à Diretoria de Informática do tribunal. Nesses anos, o e-Proc avançou para a segunda versão, totalmente reconstruída em nova plataforma, mais moderna. É a que vem sendo utilizada atualmente e que foi cedida gratuitamente para outros órgãos do Judiciário. 

ConJur — Houve muita resistência?
Sérgio Tejada
Por incrível que pareça, as maiores dificuldades e desconfianças partiram do público interno do Judiciário. Na verdade, por uma pequena parcela de juízes e de servidores, mas que conseguiram fazer algum "barulho". Os advogados sempre foram grandes incentivadores do projeto, com raríssimas exceções. Os usuários externos compreenderam bem as vantagens de poder examinar autos ou de peticionar nos processos em qualquer hora do dia ou da noite, até mesmo nos feriados, pela internet. E ainda a enorme redução de custos e ganho de tempo, pela desnecessidade de deslocamentos aos fóruns, com a consequente economia de papéis, tintas, impressoras etc. E também a facilidade em receber uma intimação mediante a simples consulta à tela do computador. Na época não existiam smartphones. Hoje, o advogado consulta processos e recebe intimações no aplicativo do e-Proc. 

ConJur – Que "barulho" foi esse?
Sérgio Tejada
 Na primeira versão, o sindicato dos servidores da Justiça Federal no RS publicou uma pesquisa em que o e-Proc aparecia como vilão da saúde dos trabalhadores. Alguns anos depois, a associação de juízes [Ajufergs] apresentou conclusão semelhante, numa pesquisa feita entre os juízes federais. Mas tudo isso já foi superado.

ConJur — Oficialmente, que data marca o início da implantação do e-Proc na 4ª Região da Justiça Federal?
Sérgio Tejada —
 Eu diria que o e-Proc tem duas datas de aniversário: julho de 2003 (primeira versão), pelo início nos JEFs; e outubro de 2009 (segunda versão), quando começou a expansão para toda a Justiça Federal a partir da Subseção Judiciária de Rio Grande. 

ConJur — E no TRF-4?
Sérgio Tejada
 O e-Proc começou oficialmente no TRF da 4ª Região em abril de 2010, na gestão do desembargador Vilson Darós. 

ConJur — Quem tem a propriedade intelectual deste programa?
Sérgio Tejada
O TRF-4.  

ConJur — Hoje assistimos a uma verdadeira disputa entre empresas para assumir contratos de TI em tribunais. Alguma empresa já tentou comprar os direitos de exploração do e-Proc?
Sérgio Tejada  Não tenho notícias de que tenha havido esse interesse.

ConJur — O e-Proc costuma ser bastante elogiado. As pesquisas de satisfação dizem isso também?
Sérgio Tejada
última pesquisa do CJF, sobre os sistemas de processo eletrônico, diz que o e-Proc tem larga vantagem de liderança em relação aos demais. Atingiu 87,4% de satisfação entre os usuários da Justiça Federal da 4ª Região e 78,3% entre os usuários de sistemas da Justiça Federal em nível nacional [o PJe, sistema que o CNJ determinou a adoção nacional, aparece em último lugar, escolhido por 38% dos usuários entrevistados].  

ConJur — Há dados que mostrem os resultados da implantação do e-Proc?
Sérgio Tejada
O principal objetivo da criação do e-Proc foi o combate à morosidade processual. Nesse quesito, o sistema conseguiu atingir seu objetivo, pois obteve uma redução no tempo médio de duração processual não inferior a 50%. Em alguns casos, esta redução chegou a 80% do tempo. Também houve redução muito grande de mão de obra empregada em toda a Justiça Federal da 4ª Região. Para exemplificar, posso citar as secretarias de turmas do TRF-4 que, somadas, contavam com 108 servidores antes do e-Proc, e hoje têm apenas 43. A secretaria de registros processuais experimentou uma redução de 45 para 18 servidores. Essa mão de obra de alta qualidade foi redirecionada para gabinetes, influenciando diretamente na agilidade processual. 

ConJur — E o volume de papel?
Sérgio Tejada
Com os 6,5 milhões de processos distribuídos no e-Proc apenas na versão V2, estima-se uma economia de 1,7 mil toneladas de papel e 80km de estantes. Isso revela, além da economia com esses insumos, a possibilidade de redução de prédios, consumo de energia, manutenção, segurança etc. O e-Proc tem sido uma ferramenta muito importante para atuar na atual crise orçamentária da União, que está impondo redução de gastos e, inclusive, impedindo a reposição de servidores que estão se aposentando. Sem o e-Proc, certamente, a Justiça Federal teria muito mais dificuldades de cumprir o teto de gastos imposto pela Emenda Constitucional 95, sem comprometer a qualidade dos serviços.  

ConJur — Os advogados e juízes, pelo menos os do Sul, parecem concordar que o e-Proc é o melhor sistema. Mas ele conseguirá ocupar o lugar do PJe?
Sérgio Tejada O objetivo do e-Proc não é competir com o PJe. Há tribunais que estão satisfeitos com esse sistema. Na verdade, o e-Proc gostaria de ser um aliado do CNJ nessa árdua tarefa de informatizar totalmente a Justiça brasileira. Certamente, se houver uma sinalização nesse sentido do CNJ, a congregação de esforços reduziria significativamente os gastos totais envolvidos e aceleraria muito a instalação do processo eletrônico em 100% dos tribunais. Afinal, o e-Proc já demonstrou perfeita interoperabilidade com o PJe, e esses sistemas podem ser facilmente integrados. Seria um ganho enorme para os usuários externos, em especial os advogados.

ConJur — Quais os próximos passos?
Sérgio Tejada
O e-Proc está em permanente evolução. Recentemente, a arquitetura foi aperfeiçoada para o que chamamos de versão nacional, para facilitar a cessão do sistema para outros tribunais. Consequentemente, o desenvolvimento de novas ferramentas e soluções ficou mais fácil. A inteligência artificial já está sendo utilizada no e-Proc. Em breve, vamos dar publicidade ao que está sendo feito nessa área. Também iremos anunciar para breve um novo layout do sistema, mais moderno e amigável, que se adaptará ao equipamento do usuário, tornando mais fácil sua utilização. Outra novidade é o cadastro único para todos os advogados que atuam em quaisquer dos tribunais que têm o e-Proc. 

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