Direto do Carf

Carf analisa a tributação pelo IRPF das quantias recebidas em escrow account

Autor

  • Alexandre Evaristo Pinto

    é conselheiro do Carf doutorando em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo doutor em Direito Econômico Financeiro e Tributário pela USP mestre em Direito Comercial pela USP professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis Financeiras e Atuariais (Fipecafi).

24 de julho de 2019, 8h00

Spacca
Nesta semana, trataremos da tributação pelo Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) sobre os ganhos de capital decorrentes de quantias recebidas em contas de escrow account.

O escrow account decorre de uma prática negocial com origem em países de common law, pela qual um comprador, enquanto devedor de um preço, deposita o montante devido perante um terceiro, isto é, um depositário escrow (por exemplo, instituição financeira), determinando contratualmente as hipóteses em que a quantia depositada (ou parte dela) deverá ser entregue ao vendedor ou restituída ao comprador[1].

O uso de escrow account, por meio de contratos de depósito em conta garantia (também denominados depósitos bancários fiduciários caucionados), é frequente nos contratos de compra e venda de participações societárias, sobretudo em situações em que há uma grande quantidade de vendedores ou quando o risco de crédito é alto[2].

Ademais, tais contratos são bastante utilizados em situações nas quais o comprador tenta se precaver da materialização de eventuais contingências da sociedade adquirida, estabelecendo contratualmente que o montante a elas relativo não será entregue ao vendedor, mas restituída ao comprador para que este adimple tais obrigações.

Como consequência da utilização do escrow account, resta saber como se dá a tributação do IRPF para o vendedor no que toca à parcela do preço depositada em garantia.

Os ganhos de capital integram o rendimento da pessoa física, sendo passíveis de tributação pelo IRPF nos termos do artigo 3º, parágrafo 2º, da Lei 7.713/88[3].

No que tange ao momento sobre o qual o Imposto de Renda é devido, cumpre ressaltar que o artigo 43 do Código Tributário Nacional estabelece que seu fato gerador é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza[4].

Todavia, no caso do IRPF, o artigo 2º da Lei 7.713/88 determina ainda que ele será devido à medida em que os rendimentos e ganhos de capital forem percebidos, o que indicaria que a tributação da pessoa física segue o regime de caixa[5].

Nessa linha, o artigo 21 da Lei 7.713/88 prevê que, nas alienações a prazo, o ganho de capital será tributado à medida do recebimento das parcelas[6], disposição que é seguida no artigo 31 da Instrução Normativa SRF 84/01[7].

Diferente é a situação em que os valores são recebidos pelo vendedor a título de reajuste, hipótese na qual o artigo 19, parágrafo 1º, da Instrução Normativa SRF 84/01 dispõe que eles não compõem o valor da alienação e devem ser tributados como juros, à medida de seu recebimento, na fonte ou mediante o recolhimento mensal obrigatório[8].

Como exemplo de valores a título de reajuste, a norma se refere a juros e a reajuste de parcelas. Vale notar que a tributação de tal reajuste acaba sendo de acordo com a tabela progressiva do IRPF, cuja alíquota máxima é de 27,5%.

Assim, de acordo inclusive com entendimento manifestado pela Receita Federal nas Perguntas e Resposta do IRPF, a tributação dependerá da predeterminação ou não do preço no momento da alienação da participação societária[9].

Desse modo, segundo o referido entendimento, a identificação ou não do preço da operação no momento da alienação será determinante para definir a forma de tributação pelo IRPF. A título de exemplo, a tributação do reajuste do preço se dá mediante recolhimento mensal obrigatório no caso em que a determinação do valor das prestações e do preço depende do faturamento futuro da empresa adquirida, ou seja, quando é feito o uso da cláusula de earn out, pela qual o preço será aumentado na medida do melhor desempenho da “empresa” vendida.

Por sua vez, quando a cláusula variável do preço de venda de uma “empresa” dispuser que o vendedor fará jus à parcela do preço previamente depositada em uma escrow account a partir do cumprimento de determinadas condições, a tributação de tal montante será feita na sistemática do ganho de capital.

O momento de tributação do ganho de capital de parcela do preço de venda depositada em escrow account já foi objeto inclusive da Solução de Consulta 58/2013 do Cosit, na qual se estabeleceu que o IRPF somente incide quando ocorrer a efetiva disponibilidade econômica ou jurídica destes para o alienante, após realizadas as condições a que estiver subordinado o negócio jurídico[10].

O tema da tributação pelo IRPF dos montantes depositados em escrow account já foi analisado em alguns acórdãos do Carf.

No Acórdão 2202-002.859[11], foi negado, por unanimidade de votos, provimento ao recurso de ofício para confirmar o entendimento da DRJ no sentido de que o tratamento tributário a ser dispensado ao escrow account é aquele do ganho de capital das alienações a prazo, de forma que somente incidirá o IRPF quando ocorrer a efetiva disponibilidade econômica ou jurídica destes para o alienante, após realizadas as condições a que estiver subordinado o negócio jurídico.

Na mesma linha, no Acórdão 2301-005.377[12], entendeu-se, por unanimidade de votos, que os valores decorrentes da alienação de bens e direitos depositados em escrow account serão tributados quando ocorrer a efetiva aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica pelo alienante, após realizadas as condições a que estiver subordinado o negócio jurídico. Todavia, no caso concreto, identificou-se que as autoridades fiscais já haviam segregado os montantes recebidos a título de preço predeterminado e de juros, de forma que os montantes de juros foram tributados como reajustes do preço segundo o regime do recolhimento mensal obrigatório nos termos do artigo 31 da Instrução Normativa SRF 84/01.

No Acórdão 2402-006.601[13], entendeu-se, por voto de qualidade, que os montantes recebidos após o cumprimento do escrow account são tributados na sistemática do ganho de capital, bem como que houve comprovação, no caso concreto, de aquisição de disponibilidade econômica das parcelas entregues ao alienante e remanescentes do contrato de escrow account, de modo que não há que se falar em vício material do lançamento.

No Acórdão 2301-005.754[14], entendeu-se, por unanimidade de votos, que os valores depositados em escrow account, destinados a cobrir garantias estabelecidas em contrato de compra e venda, não integram o ganho de capital da pessoa física, enquanto não cumpridas as condições contratuais com o consequente recebimento de tais valores pelo alienante.

Nos acórdãos 2402-006.869[15] e 2402-006.870[16], entendeu-se, por maioria de votos, que a parcela do valor da operação de alienação de participação societária auferida a título de escrow account será tributada na sistemática do ganho de capital, mas tão somente na medida em que houver a aquisição da disponibilidade da renda pelo alienante.

Diante do exposto, verifica-se que os precedentes do Carf têm sido no sentido de que as quantias depositadas em escrow account serão tributadas segundo o regime do ganho de capital, no entanto, tal tributação somente se torna possível com a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica pelo vendedor, o que se dá, no caso da pessoa física, quando do recebimento pelo alienante dos montantes depositados após o cumprimento de todas as condições pactuadas contratualmente.

*Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.


[1] ANTUNES, João Tiago Morais. Do Contrato de Depósito Escrow. Coimbra: Almedina, 2007. pp. 192-193.
[2] BUSCHINELLI, Gabriel Saad Kik. Compra e Venda de Participações Societárias de Controle. São Paulo: Quartier Latin: 2018.pp. 235-236.
[3] Lei 7.713/88: “Art. 3º O imposto incidirá sobre o rendimento bruto, sem qualquer dedução, ressalvado o disposto nos arts. 9º a 14 desta Lei. (…)
§ 2º Integrará o rendimento bruto, como ganho de capital, o resultado da soma dos ganhos auferidos no mês, decorrentes de alienação de bens ou direitos de qualquer natureza, considerando-se como ganho a diferença positiva entre o valor de transmissão do bem ou direito e o respectivo custo de aquisição corrigido monetariamente, observado o disposto nos arts. 15 a 22 desta Lei.
§ 3º Na apuração do ganho de capital serão consideradas as operações que importem alienação, a qualquer título, de bens ou direitos ou cessão ou promessa de cessão de direitos à sua aquisição, tais como as realizadas por compra e venda, permuta, adjudicação, desapropriação, dação em pagamento, doação, procuração em causa própria, promessa de compra e venda, cessão de direitos ou promessa de cessão de direitos e contratos afins”.
[4] Código Tributário Nacional: “Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior”.

[5] Lei 7.713/88: “Art. 2º O imposto de renda das pessoas físicas será devido, mensalmente, à medida em que os rendimentos e ganhos de capital forem percebidos”.
[6] Lei 7.713/88: “Art. 21. Nas alienações a prazo, o ganho de capital será tributado na proporção das parcelas recebidas em cada mês, considerando-se a respectiva atualização monetária, se houver”.
[7] Instrução Normativa SRF 84/01: “Art. 31. Nas alienações a prazo, o ganho de capital é apurado como se a venda fosse efetuada à vista e o imposto é pago periodicamente, na proporção da parcela do preço recebida, até o último dia útil do mês subseqüente ao do recebimento.
Parágrafo único. O imposto devido, relativo a cada parcela recebida, é apurado aplicando-se:
I – o percentual resultante da relação entre o ganho de capital total e valor total da alienação sobre o valor da parcela recebida;
II – a alíquota de quinze por cento sobre o valor apurado na forma do inciso I”.
[8] Instrução Normativa SRF 84/01: “Art. 19 . Considera-se valor de alienação: (…)
§ 3º Os valores recebidos a título de reajuste, no caso de pagamento parcelado, qualquer que seja sua designação, a exemplo de juros e reajuste de parcelas, não compõem o valor de alienação, devendo ser tributados à medida de seu recebimento, na fonte ou mediante o recolhimento mensal obrigatório (Carnê-Leão), quando a alienação for para pessoa jurídica ou para pessoa física, respectivamente, e na Declaração de Ajuste Anual”.
[9] Perguntas e Respostas – IRPF 2019: “567 – Como devem ser tributados os resultados obtidos em alienações de participações societárias quando o preço não pode ser predeterminado?
Quando não houver valor determinado, por impossibilidade absoluta de quantificá-lo de imediato (ex.: a determinação do valor das prestações e do preço depende do faturamento futuro da empresa adquirida, no curso do período do pagamento das parcelas contratadas), o ganho de capital deve ser tributado na medida em que o preço for determinado e as parcelas forem pagas.
Não obstante ser indeterminado o preço de alienação, toma-se como data de alienação a da concretização da operação ou a data em que foi cumprida a cláusula preestabelecida nos atos contratados sob condição suspensiva.
Contudo, alerte-se que o tratamento descrito deve ser comprovado pelas partes contratantes sempre que a autoridade lançadora assim o determinar.
(PMF nº 454, de 1977; PMF nº 227, de 1980)”.
[10] Solução de Consulta 58/2013 do Cosit: “ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA FÍSICA – IRPF
Ganho de capital. “Escrow account”. Tributação.
Somente haverá a incidência do Imposto de Renda sobre o ganho de capital, decorrente da alienação de bens e direitos, no tocante a rendimentos depositados em “escrow account” (conta-garantia), quando ocorrer a efetiva disponibilidade econômica ou jurídica destes para o alienante, após realizadas as condições a que estiver subordinado o negócio jurídico.
Dispositivos Legais: Lei nº 5.172, de 1966 (CTN), arts. 43 e 114 a 117; Lei nº 10.406, de 2002 (Código Civil), arts. 121, 125 e 126; Decreto nº 3.000, de 1999 (RIR/1999), arts. 117, § 2º; 123, § 6º, e 140, § 1º; Instrução Normativa SRF nº 84, de 2001, arts. 19, § 3º, e 31”.
[11] Julgado em 5/11/2014. Conselheiro relator Marco Aurélio de Oliveira Barbosa.
[12] Julgado em 3/7/2018. Conselheiro relator Alexandre Evaristo Pinto e conselheiro redator designado João Mauricio Vital.
[13] Julgado em 13/9/2018. Conselheiro relator Luís Henrique Dias Lima.
[14] Julgado em 8/11/2018. Conselheiro relator Antonio Sávio Nastureles.
[15] Julgado em 16/1/2019. Conselheiro relator Mauricio Nogueira Righetti e conselheiro redator designado João Victor Ribeiro Aldinucci.
[16] Julgado em 16/1/2019. Conselheiro relator Mauricio Nogueira Righetti e conselheiro redator designado João Victor Ribeiro Aldinucci.

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  • Brave

    é conselheiro titular da 2ª Seção do Carf, doutorando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Comercial pela USP e bacharel em Direito pelo Mackenzie e em Contabilidade pela USP. Professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e coordenador do MBA IFRS da Fipecafi.

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