Leis vagas

Tribunal de Recursos dos EUA garante o direito de ser beberrão inveterado

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20 de julho de 2019, 9h07

Foram necessários os votos de um tribunal pleno, de um tribunal regional de recursos em Virgínia, nos EUA, para derrubar uma lei que criminaliza e estipula pena de um ano de prisão para cidadãos rotulados pelo estado como "bêbados habituais". A lei habitual drunkard law foi anteriormente preservada por um colegiado de três juízes do mesmo tribunal e pelo juiz federal de primeiro grau.

Pablo Hidalgo
Por 8 votos a 7, o tribunal decidiu que a lei, que proíbe "bêbados habituais" de possuir, consumir, comprar ou tentar comprar bebidas alcoólicas, é inconstitucionalmente vaga. Ela não define o que é "bêbado", nem "habitual" – isto é, quanta bebida alcoólica precisa ser consumida, com que frequência e quanto tempo a pessoa deve permanecer embriagada, para ser rotulada como bêbado habitual.

Isso resulta em "execução arbitrária" da lei, porque coloca nas mãos da polícia e promotores o poder de decidir quem é bêbado habitual e quem não é. E de rotular, prender e processar segundo seus próprios critérios.

A lei só visa, praticamente, os beberrões que moram nas ruas. Ou seja, as pessoas sem teto, chamadas nos EUA de homeless. Não visa as pessoas que se embriagam em casa, nos bares ou em qualquer estabelecimento fechado – a não ser que a embriaguez resulte em violência doméstica.

Para a maioria dos juízes, os "sem teto" não podem ser acusadas de crime pelo que é, na verdade, uma doença. Tal decisão se baseou em um precedente da Suprema Corte, que revogou, em 1962, uma lei que criminalizava o vício em narcóticos. Os ministros alegaram que o vício é uma doença, não um crime. Portanto, era uma punição cruel e incomum, o que é proibido pela Constituição, criminalizar uma doença.

"O que a Oitava Emenda da Constituição não pode tolerar é a criminalização dirigida a um comportamento – que em outras circunstâncias é legal – que é uma manifestação involuntária de uma doença", escreveram os juízes.

De fato, as estatísticas mostram que os "criminosos habituais" são moradores de rua, segundo o professor de Direito da Universidade de Richmond, Carl Tobias. Ele disse ao jornal Richmond Times Dispatch que o estado de Virginia tem cerca de 500 mil alcoólatras, dos quais 1.220 são moradores de rua, parte deles "bêbados habituais", de acordo com o levantamento de um ano.

Nesse mesmo levantamento, foi apurado que ocorreram 4.743 condenações com base na "lei do bêbado habitual". Isso significa que moradores de rua foram presos e condenados várias vezes. A ação coletiva, movida pelo Legal Aid Justice Center em favor de um grupo de moradores de rua, afirma que alguns deles foram presos e processados de 11 a 30 vezes.

A reação dos dissidentes ao voto da maioria foi um tanto agressiva. Eles escreveram: "Se o comportamento humano é visto como algo que os seres humanos não têm controle e que, portanto, não podem ser responsabilizados, as implicações disso são ilimitadas. Isso livraria de processo criminosos sexuais, agressores e acusados de violência doméstica porque, alegadamente, eles não podem controlar seus impulsos".

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