Copa América Odebrecht

País que já teve Fujimori e Montesinos, Peru ainda não se choca com "lava jato"

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19 de julho de 2019, 7h50

Quando ficou estabelecido que a final da Copa América seria entre Brasil e Peru, o contido ministro da Justiça brasileiro se permitiu um momento de extroversão. Sergio Moro disse ser o "clássico da lava jato", e que esses são os dois países da América Latina que mais agiram contra a corrupção. "Ganharam os dois. Pena que no futebol só um pode ganhar". 

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Divulgação Neyra Flores, juiz da Suprema Corte do Peru, pondera que caso Fujimori/Montesinos e sigilos das delações arrefecem a "lava jato' no país. 

Apesar da vibração, as diferenças são grandes. Por lá os casos de corrupção envolvendo a Odebrecht começaram a ser investigados em 2016 e a primeira sentença saiu há um mês. Mas a maior diferença é que no Peru os casos que envolvem delação premiada (praticamente todos da "lava jato") são sigilosos mesmo depois da sentença. No Brasil, todos os detalhes são tão públicos quanto a vida íntima de Neymar. 

José Antonio Neyra Flores, juiz da Corte Suprema do Peru, está no Brasil. O magistrado falou à ConJur sobre como a operação "lava jato" se desenrola por lá e como o país tem lidado com a situação. Ele veio ao Brasil por meio de convite do advogado Wilson Furtado

Fica claro durante a entrevista que, para entender a "lava jato" peruana, é preciso saber do caso Fujimori/Montesinos. 

Alberto Fujimori se elegeu em 1990 presidente do Peru. Não havendo previsão de reeleição, deu um "golpe interno" para concorrer novamente em 1995. Em 2000, anunciou que iria concorrer novamente. Para garantir a vitória, incumbiu seu chefe do serviço secreto, Vladimiro Montesinos, de subornar jornalistas, donos de veículos de comunicação, ou qualquer pessoa influente. 

O caso veio à tona e convulsionou a sociedade peruana. Foram 1,3 mil pessoas indiciadas. O escândalo levou o Peru a criar um novo Código Processual Penal e uma nova lei de delação premiada. 

"Vocês têm que lembrar que nós já tivemos outros grandes casos de corrupção. Em especial o caso Fujimori/Montesinos. Foram 1,3 mil indiciados. Então o espanto com a 'lava jato' não foi tanto. E os casos, mesmo as sentenças, são sigilosos. Só os envolvidos, o juiz e o Ministério Público sabem os detalhes. Mas os jornais têm falado bastante e vamos ver como irá se desenrolar", disse Neyra Flores. 

Escândalos e mudanças 
O juiz explicou que as mudanças da legislação peruana acompanham os grandes casos de corrupção. Também se disse chocado com o fato do Brasil ser o único país da América do Sul e Central a não ter feito um novo CPP. 

"No Peru tínhamos terrorismo, com o Sendero Luminoso. Por isso fizemos uma lei de delação na qual o acusado tinha que denunciar outros cinco para se beneficiar. O problema é que muitos não tinham outros cinco, tinham dois. Aí inventavam os outros. Depois, tivemos que criar uma Comissão da Verdade para detectar as mentiras e tivemos que libertar muita gente presa de forma indevida por causa de delação inventada."

Quando surgiu o caso Montesinos, a lei de delação foi mudada para permitir que fosse utilizada por pessoas de médio e baixo escalão e que delatassem alguém de mesmo nível. Com a "lava jato", em 2016, a lei mudou novamente e passou a permitir que líderes a utilizassem — desde que delatem alguém de mesmo nível.

Filial peruana 
Quatro ex-presidentes do Peru estão sendo investigados por relações com a construtora Odebrecht: Alejandro Toledo , Alan Garcia, Ollanta Humala e Pedro Pablo Kuczynski. A empresa afirma ter pago 29 milhões de dólares em propina no país entre 2005 e 2014 para obtenção de contratos. Alan Garcia se matou após receber ordem de prisão da polícia peruana.

A Odebrecht já admitiu ter pago propinas em pelo menos 12 países. Além do Brasil, o Peru é o país que está com as investigações mais avançadas. Já são mais de 20 operações, que se intensificaram no ano passado.

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