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Juiz do Rio tranca inquérito que acusa OAB de ser organização criminosa

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19 de julho de 2019, 12h24

A criminalização de condutas que visam ao exercício da advocacia pode gerar forte ofensa ao Estado Democrático de Direito, pois o advogado é um "soldado" do acesso à Justiça. Com esse entendimento, o juiz Paulo Roberto Sampaio Jangutta, da 41ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, concedeu, nesta quinta-feira (18/7), Habeas Corpus para trancar inquérito contra o presidente da OAB-RJ, Luciano Bandeira, e os advogados Marcelo Augusto Lima de Oliveira, Victor Almeida Martins, e Raphael Capelleti Vitagliano, respectivamente, presidente, tesoureiro e subprocurador-geral de Prerrogativas da seccional.

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Presidente da OAB-RJ, Luciano Bandeira virou alvo de inquérito por criticar prisão de advogadas em delegacia
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O juiz já havia concedido liminar para suspender o inquérito. Na sentença, ele apontou que a Constituição, em seu artigo 134, estabelece que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. Esses limites estão fixados pelo Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994).

Ao formularem representação contra delegados junto ao Ministério Público, destacou Jangutta, os dirigentes da OAB-RJ agiram no estrito cumprimento de seu dever legal de promover a defesa de duas advogadas. E, nisso, eles não abusaram de suas prerrogativas. Ainda que possam ter usado linguajar mais exacerbado, isso se deve ao calor dos fatos e faz parte da defesa da classe.

Para o magistrado, não é possível enquadrar as condutas dos dirigentes da OAB-RJ nos crimes que lhe foram imputados pelos delegados — uso de documento falso, denunciação caluniosa, associação criminosa, coação no curso do processo, injúria, calúnia e difamação.

De acordo com Jangutta, o advogado é essencial para o acesso à Justiça. “Fragilizar a atuação desse profissional é dar ensejo a perigoso precedente contrário à democracia”, disse, ao ordenar o arquivamento do inquérito.

O criminalista Fernando Augusto Fernandes, procurador de Prerrogativas nomeado para o caso pelo presidente do Conselho Federal da OAB, Felipe Santa Cruz, elogiou a decisão.

“A decisão do juiz Paulo Jaguntta engrandece o Judiciário ao realizar justiça e reconhecer o importante papel da OAB. A advocacia é pilar fundamental do Judiciário e da democracia, e fortalecer a imunidade e independência da OAB e dos advogados torna possível ao Judiciário exercer o seu papel constitucional.”

Advogadas presas
Em 9 de maio, as advogadas Carolina Araújo Braga Miraglia de Andrade e Mariana Farias Sauwen de Almeida acompanharam a cliente Izaura Garcia de Carvalho Mendes em ida à Delegacia de Combate à Pirataria do Rio. Na ocasião, Izaura, portando um falso registro da Biblioteca Nacional, acusou o padre Marcelo Rossi de plágio. O delegado Maurício Demétrio Afonso Alves então decretou a prisão em flagrante das três mulheres por uso de documento falso, formação de quadrilha, denunciação caluniosa e estelionato.

A OAB-RJ afirmou que a decretação de prisão das advogadas no exercício da atividade foi ilegal e apresentou representação contra o delegado por abuso de autoridade no Ministério Público.

A pedido de Maurício Alves, o delegado Pablo Dacosta Sartori, da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática do Rio, abriu inquérito contra os dirigentes da OAB-RJ para investigar a prática de uso de documento falso, denunciação caluniosa e associação criminosa e os convocou para prestar esclarecimentos.

Em seu relato, Alves afirma que representantes da Ordem estariam protocolando uma petição relatando supostos crimes e transgressões disciplinares cometidos por ele. No entanto, o delegado diz que os advogados praticaram “omissões criminosas” na acusação de abuso de autoridade e alega inocência. No inquérito, por duas vezes, os dirigentes são chamados de “os criminosos da OAB”.

O Conselho Federal impetrou Habeas Corpus para trancar a investigação. De acordo com a OAB, advogado não pode ser investigado por sua atuação profissional ou na Ordem. A petição é assinada pelos procuradores nacionais de Defesa das Prerrogativas Fernando Augusto FernandesAna Karolina Sousa de Carvalho NunesAdriane Cristine Cabral Magalhães e Bruno Dias Cândido.

“O advogado é inviolável pelos seus atos, bem como pelos fatos, argumentos e fundamentos apresentados em petição no exercício de suas funções. Tal garantia, visa viabilizar ao advogado o pleno exercício das suas funções, sem que o temor à ofensa por qualquer autoridade envolvida em causa em que litigue possa utilizar, como no caso em comento, a atuação do advogado para puni-lo”, sustentou a entidade, ressaltando que a investigação não aponta como os dirigentes da OAB-RJ teriam cometido os supostos crimes.

O Conselho Federal destacou que o inquérito viola as garantias de que o advogado tem imunidade profissional e só pode ser preso em flagrante por crime inafiançável — nenhum dos imputados aos integrantes da OAB-RJ no inquérito se enquadra nessa categoria. E o advogado pode se recusar a depor em processo movido contra ele por fato relacionado a seu cliente, citou a entidade.

Além disso, a Ordem declarou que “o registro de um inquérito contendo as palavras ‘os criminosos da OAB’ é um acinte ao Estado Democrático de Direito”.

Clique aqui para ler a decisão.
Processo 0144056-60.2019.8.19.0001

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