Fiel da balança

Advogados defendem decisão de Toffoli de limitar compartilhamento de dados

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17 de julho de 2019, 18h16

O compartilhamento de dados bancários de investigados entre órgãos precisa de autorização judicial. Só assim é possível usá-los para fins penais. Portanto, a decisão do ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, de restringir o compartilhamento de informações entre o Coaf e investigadores foi correta.

Nelson Jr. / SCO STF
Nelson Jr. / SCO STFDecisão de Toffoli gerou incômodo entre procuradores, mas foi bem recebida por advogados

É como advogados ouvidos pela ConJur avaliam o episódio, noticiado como uma decisão para favorecer o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), investigado no Rio de Janeiro. Para os especialistas, no entanto, a liminar do ministro defende os direitos dos cidadãos, não só os do senador.

"Há que se ter coerência na análise das decisões do STF. Toffoli acertou. O fato de essa decisão beneficiar um senador e isso desagradar muita gente não deve ser motivo para críticas à decisão. Garantias são para todos", afirma o constitucionalista Lenio Streck.

Toffoli considerou que há recurso extraordinário pendente de análise do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto, mas que já teve a repercussão geral reconhecida. "Espero que as pessoas que atiram pedras no STF e querem fechá-lo com ‘um cabo e dois soldados’ agora se deem conta da importância das garantias constitucionais. Simples assim. Sou coerente", completa Lenio.

A decisão do ministro, segundo o criminalista Leandro Sarcedo, traz o Poder Judiciário novamente ao centro de um debate que estava ficando esquecido: o limite legal do compartilhamento de dados entre autoridades.

"É preciso encontrar uma via intermediária entre os interesses da persecução penal e os direitos dos cidadãos, o que vinha sendo esquecido ultimamente. A esperança é no sentido de que o Supremo decida a questão atento à sua larga tradição de defesa das garantias constitucionais", afirma.

No mesmo sentido, a advogada criminalista Maitê Cazeto Lopes pontua que decisão "desperta a urgência em aprofundar a discussão desse tema, notadamente quanto ao conteúdo compartilhado pelos órgãos de controle".

Freio constitucional
A suspensão das ações penais que tenham origem em informações enviadas pelo Conselho de Administração de Atividades Financeiras (Coaf) ao MPF é correta após o reconhecimento da repercussão geral, afirma o advogado Maurício Stegmann Dieter. Ele representa o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), que figura como terceiro interessado no recurso.

Segundo Leandro Raca, advogado criminalista, até que a Corte julgue o mérito do recurso, a suspensão das investigações "garante que quebras de sigilo bancário e fiscal ocorram na forma da lei, além de evitar a declaração de nulidades no futuro".

O também criminalista Conrado Gontijo aponta que trata-se de questão sujeita à reserva de jurisdição. "O Coaf e órgãos de investigação vêm violando esses direitos de maneira diuturna, realizando efetivas quebras de sigilo bancário com o posterior compartilhamento das informações obtidas para diversos outros órgãos", diz o advogado, que considera "essencial" a suspensão dos processos.

"Vivemos um momento policialesco e inconstitucional, e é preciso mesmo um freio de arrumação desse tipo. É bem verdade que uma decisão monocrática tomada no recesso judiciário tem um grau de legitimidade bem menor do que uma mesma decisão eventualmente referendada pelo colegiada diante da extensão sensível de seus efeitos", analisa o advogado Ricardo Cury

Wilson Dias/Agência Brasil
Wilson Dias/Agência BrasilDecisão foi dada em resposta a um pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), alvo de investigação do com base em relatório do Coaf

Entre o céu e a terra
Bem recebida pelos advogados, a decisão de Toffoli gerou incômodo entre promotores e procuradores que dizem que impactará diretamente no combate à corrupção.

Ao analisar o cenário dividido, o advogado Luiz Fernando Pacheco, especialista em Direito Penal Econômico e Europeu, afirma que o Ministério Público esqueceu-se de sua função. "O Ministério Público – órgão preponderantemente acusador, esquecida sua função, que deveria ser precipuamente a de fiscal da lei – na sua sanha acusatória desenfreada requisita e recebe informações acobertadas por sigilo. A intimidade é um imperativo civilizatório, um contraponto histórico às devassas medievais", critica.

Outro ponto, suscitado pelo advogado Arthur Sodré Prado, especialista em Direito Penal Econômico, é distinção que deve haver entre os papéis do MP e o Coaf para evitar qualquer arbítrio.

"O Coaf é um órgão de monitoramento, e por isso recebe informações sobre todas as pessoas, já que não tem um alvo específico. Ele detecta anormalidades. O Ministério Público processa criminalmente pessoas determinadas, sobre fatos específicos, e por isso, não recebe os dados de todas as pessoas e precisa explicar para um juiz qual é a necessidade de expor a privacidade dos seus alvos", explica o advogado.

Ele entende que a decisão de Toffoli reafirma a necessidade de um juiz controlar as ações do Ministério Público. "Se nas empresas, as regras de compliance são justamente no sentido de não conferir muito poder sem supervisão aos funcionários, por qual motivo na esfera pública desejaríamos algo diferente?", questiona.

Para o criminalista Luiz Flavio Borges D'Urso, a decisão do ministro é correta, pois nosso ordenamento jurídico exige autorização judicial para tanto. "A grita verificada entre os integrantes do Ministério Público e da Polícia, não se justifica, até porque, basta se obter a autorização judicial e tanto a investigação como o processo, continuarão em seu curso normal. O que for realizado dentro da lei não tem risco de ser anulado pelo judiciário", pontua.

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