Opinião

No Brasil, regulação é quase sempre burocrática e decorrente de clamor social

Autores

  • Guilherme Carvalho

    é doutor em Direito Administrativo mestre em Direito e políticas públicas ex-procurador do estado do Amapá bacharel em administração sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

  • Sérgio Ferraz

    é advogado parecerista procurador aposentado do estado do Rio de Janeiro professor titular aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da PUC-Rio e doutor em Direito pela UFRJ.

16 de julho de 2019, 6h44

Em 2015, um vídeo em que um ambientalista retirava um canudinho da narina de uma tartaruga rapidamente viralizou na internet. A partir de então, difundiu-se a ideia de que há correlação entre a morte de tartarugas marinhas e o excessivo uso do canudo de plástico. Dados apontam números absurdos quanto à utilização desta “ferramenta” para degustação das mais variadas bebidas, chamando a atenção que somente os norte-americanos usem — e descartem — 500 milhões de canudos plásticos por dia.

O Brasil não poderia andar na contramão do “modismo” mundial[1]. Por isso, o tema começou a ser pensado por aqui também. Solução? A mais simples: abominar os canudos de plástico. Problema ambiental — ao menos nesse tocante — resolvido.

E como tem sido solucionado? Claro que por meio de lei — o brasileiro adora a edição de uma lei; se há lei, certamente o assunto já está equacionado. Seguindo esse raciocínio, o município do Rio de Janeiro sancionou o Projeto de Lei 1.695/2015, que proíbe a distribuição de canudos plásticos em estabelecimentos como bares, restaurantes, lanchonetes e quiosques. No mesmo sentido, há também a Lei 8.006/2018 do estado do Rio de Janeiro, que proíbe os supermercados e estabelecimentos comerciais de distribuírem sacolas plásticas descartáveis. Há outros exemplos, como a Lei Distrital 6.266/2019, que dispõe sobre a obrigatoriedade de os estabelecimentos comerciais utilizarem canudos e copos fabricados com produtos biodegradáveis, com o detalhe de que, no caso do Distrito Federal, a lei entrou em vigor na data de sua publicação, sem qualquer espaço para adaptação.

Nestes últimos dias, outro caso — em certa medida caricato — saltou aos olhos: o Brasil proibiu a venda do cubano Cohiba, considerado o melhor charuto do mundo. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) justificou a medida por causa do excesso de ácido sórbico encontrado nos referidos charutos.

Os exemplos acima citados apenas demonstram como funciona a regulação no Brasil. No caso do Distrito Federal, surpreende o fato de a lei haver entrado em vigência na data de sua publicação, não sobrando espaço, ao empresariado, para uma mínima adaptação. Mais que isso, a lei não considerou os gastos feitos pelos privados quando da aquisição de vários destes produtos, tampouco menciona, nestas hipóteses, alguma indenização por parte poder público. Simplesmente parte do pressuposto de que tudo foi sempre errado e que, a partir de então (publicação da lei — o antídoto irreprochável), já não mais há espaço para o compromisso com o erro.

Mais interessantes e chistosas são algumas alternativas bem nacionais, no jeitinho e maciota brasileiros. No caso do município do Rio de Janeiro, em que a lei local proibiu apenas o uso do canudinho, os estabelecimentos aceleraram na utilização do copo de plástico. É a tal da troca do “seis pela meia dúzia”. É, leitor, no quesito da criatividade, o brasileiro é campeão!

Diante de todo esse contexto, fica o alerta — e este o objetivo deste escrito — do modo como funciona a regulação no Brasil. Ela é quase sempre burocrática, tópica, decorrente de clamor social — ou de viralizações hiperbólicas em redes sociais —, sem planejamento. Pior, quando criada, entra solapando o que já é incerto, na tentativa de demonstrar um rigorismo de controle estatal típico de países os mais civilizados possíveis.

Na verdade, o que temos visto, no dia a dia, é a falta de regras claras, objetivas, que garantam segurança jurídica ao agente privado, destacadamente quanto ao esquisito, esquizofrênico e mastodôntico ancore burocrático, criando um ambiente de negócios hostil, complexo e, muitas vezes, impraticável. Talvez esta tenha sido uma das maiores preocupações da chamada MP da "liberdade econômica" (MP 881/2019), que, em seu artigo 4º, positiva como dever da administração pública evitar o abuso do poder regulatório.

Há muito o que se regular no Brasil, claro; não pretendemos a criação de uma terra de “deus-dará”, em que tudo seja possível, entregue à própria sorte, ao acaso e à aventura. Todavia, é mandatório o estabelecimento preciso e rigoroso do objeto posto sob o crivo das regulações. Sem isso, a chama da balbúrdia acende, ascendendo regras dúbias e obtusas, que mais confundem do que esclarecem — disso precisamos nos despedir!

Dos canudinhos, sacolas plásticas e charutos cubanos já estamos livres — o Estado já sacramentou. Aos goles dos melhores uísques escoceses (ainda não proibidos), na vigília dos próximos capítulos regulatórios à brasileira!


[1] Aqui não cabem críticas ou qualquer mais extensivo posicionamento sobre esse tema. Em alguma medida, quanto ao quesito ambiental, os autores já adiantam que concordam com as providências tomadas, com ressalvas, por claro, em relação à forma como são providenciadas.

Autores

  • é sócio do Guilherme Carvalho & Advogados Associados, doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e Políticas Públicas e ex-procurador.

  • é advogado, parecerista, procurador aposentado do estado do Rio de Janeiro, professor titular aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da PUC-Rio e doutor em Direito pela UFRJ.

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