Garantias do Consumo

Senado dá um passo à frente na legislação antitabagista

Autor

  • Adalberto Pasqualotto

    é professor titular de Direito do Consumidor no programa de pós-graduação da PUC-RS e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon).

10 de julho de 2019, 8h00

Spacca
A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado aprovou no último dia 3 projeto de autoria do senador José Serra (PLS 769/2015) que avança, adotando novas medidas de considerável repercussão, na política antitabagista que vem sendo desenvolvida com êxito pelo país desde 1996, quando foi aprovada a Lei 9.294. Desde então a legislação vem sendo sucessivamente aperfeiçoada e agora culmina com ao menos quatro novas medidas que merecem destaque:

  • é ampliada a proibição da publicidade de tabaco. Atualmente é permitida a exposição do produto nos pontos de venda, o que é considerado uma forma de publicidade. O projeto aprovado no Senado proíbe a exposição do produto à venda, passando a obrigar o fumante ou comprador a solicitá-lo expressamente ao vendedor. Também fica proibida a venda de cigarros e assemelhados em máquinas automáticas;
  • o conceito de publicidade é elastecido, abrangendo “qualquer forma de comunicação, recomendação ou ação comercial com o objetivo, efeito ou provável efeito de promover, direta ou indiretamente, um produto fumígeno”;
  • as embalagens perderão a identificação, passando a ser adotado um padrão gráfico único, como acontece em outros países, que seguiram o exemplo da Austrália, onde a chamada embalagem limpa foi introduzida em 2010. Em 2018, a Austrália venceu uma disputa na Organização Mundial do Comércio contra as indústrias do tabaco. A OMC rejeitou o argumento de que a legislação australiana violava os direitos de propriedade das empresas sobre o uso das marcas;
  • finalmente, o PLS proíbe a comercialização de produtos fumígenos que contenham flavorizantes ou aromatizantes, quer sejam derivados de substâncias sintéticas ou naturais. Essa medida já havia sido adotada pela Anvisa, mas foi contestada no STF. Em janeiro do ano passado, o STF julgou constitucional a resolução da Anvisa. Todavia, o resultado de cinco votos a cinco permitiu que a indústria continuasse contestando a proibição nas instâncias judiciais ordinárias. Se o projeto for aprovado também na Câmara dos Deputados, a proibição será legal.

A aprovação ocorreu em caráter terminativo, o que dispensa a sua apreciação pelo Plenário, a menos que haja recurso de algum senador. Do Senado, o projeto seguirá para a Câmara dos Deputados.

A política nacional antitabagista deriva da adesão do Brasil à Convenção Quadro de Controle do Tabaco, o primeiro tratado internacional de saúde pública, que tem 181 países signatários. A CQCT preconiza todas as medidas adotadas internamente pelo Brasil, tais como a proibição total da publicidade de produtos derivados de tabaco, as embalagens padronizadas, a proibição de adicionar flavorizantes e aromatizantes (porque a estratégia da indústria do tabaco é atrair adolescentes) e o aumento de impostos. Essa política tem se mostrado de grande eficiência: a última pesquisa nessa área, divulgada pelo Instituto Nacional do Câncer, demonstrou que o número de fumantes decaiu 40% nos últimos 15 anos: em 2006, os fumantes eram 15,6% da população, e agora são 10,1%.

Lamentavelmente, na contramão dessa realidade e dos compromissos assumidos pelo Estado brasileiro ao aderir à CQCT, o Ministério da Justiça instituiu grupo de trabalho para estudar a redução de impostos sobre o cigarro como forma de combater o contrabando. Deveria o Ministério da Justiça cuidar do contrabando como crime e deixar ao Ministério da Saúde o que, historicamente, ele vem fazendo muito bem no setor de tabaco: cuidar da saúde pública. Não por mera coincidência, o grupo de trabalho foi criado dias após o ministro da Justiça receber dirigentes de entidade financiada pelos fabricantes de cigarros.

Alega-se que a eventual redução de impostos sobre o produto nacional poderia tornar menos atraente o produto contrabandeado. De fato, o contrabando existe e é expressivo, mas a proposta da redução de impostos é simplificadora, além de interessada em resultados imediatistas.

Precisa ser levado em conta o resultado social do tabaco e o que o seu consumo representa em custos de saúde para a população afetada e em despesas para o Sistema Único de Saúde. O balanço impressiona: enquanto a indústria recolhe anualmente R$ 13 bilhões em impostos, o SUS gasta por ano mais de R$ 39 bilhões com o tratamento de doenças de tabagistas. Em boa hora, a Advocacia-Geral da União ingressou no mês passado, na Justiça Federal de Porto Alegre, com ação contra as duas maiores fumageiras em atuação no Brasil, assim como contra as suas matrizes no exterior, cobrando ressarcimento das despesas de tratamento que a União despende por meio do SUS para tratar os fumantes.

Ao aprovar no Senado o PLS 769/2015, mais uma vez o legislador brasileiro vai fundo na questão do tabaco, apoiado por evidências que demonstram o acerto das políticas públicas que há muitos anos, governo após governo, vêm sendo desenvolvidas com êxito. Se ninguém atrapalhar, assim haverá de continuar.

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