Delação questionada

Promotor da polêmica operação publicano é acusado de assédio sexual

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9 de julho de 2019, 19h42

O promotor Leonir Batisti, coordenador-geral do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado do Ministério Público do Paraná (Gaeco), foi acusado de assédio sexual por uma assessora do Conselho Superior do Ministério Público do estado.

No boletim de ocorrência, a mulher afirmou que foi assediada no trabalho e que Batisti "a beliscou na lateral do seu corpo", segundo a jornalista Mônica Bergamo, colunista do jornal Folha de S.Paulo.

Procurado pela ConJur, o MP-PR disse que o caso está sendo apurado sob sigilo. Leonir Batisti não quis se pronunciar.

O Gaeco do MP-PR é responsável pelo polêmico acordo de delação premiada do ex-auditor fiscal do estado Luiz Antônio de Souza, na operação publicano. Devido às ilegalidades da delação de Luiz Antonio de Souza, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal está prestes a reabrir a possibilidade de delatados questionarem acordos de colaboração premiada.

Condução alcoolizada
Batisti não é o único membro do MP-PR que atuou na operação publicano com problemas com a Justiça. A promotora de Justiça do Paraná Leila Schimiti foi flagrada bêbada dirigindo um carro em Londrina, em 2015. Em decorrência de seu estado de embriaguez, ela provocou um acidente envolvendo três outros veículos. Não há relatos de feridos.

A embriaguez foi registrada num vídeo que não deixa dúvidas quanto ao estado da promotora. Ao ser vista nesse estado, ela tentou fugir, mas foi impedida por pessoas que estavam ao redor e acabou presa pela Polícia Militar, em flagrante. Após ser detida e levada à delegacia, ela se recusou a fazer o teste do bafômetro. Na ocasião, os promotores do Gaeco Claudio Esteves e Renato Lima Castro foram à delegacia auxiliar sua colega e impediram que fossem tiradas fotos de Leila, além de proibir a presença da imprensa no local.

Schimiti, que estava rigorosamente bêbada, foi liberada sem pagar fiança, sob vaias de centenas de pessoas que se aglomeraram em frente ao órgão policial. Em nota, a promotora classificou o ocorrido como lamentável e se desculpou com os envolvidos na batida e a sociedade. Ela também afirmou que irá se submeter às consequências legais.

O processo contra ela foi suspenso condicionalmente em 2016 após ela firmar acordo com o MP, que foi homologado pela Justiça. Em troca, ela foi obrigada a pagar R$ 1 mil ao Instituto Paz no Trânsito e a comparecer ao TJ-PR uma vez a cada dois meses. Além disso, a promotora foi proibida de deixar Londrina por mais de 20 dias sem autorização judicial.

Acordo polêmico
Em sua delação premiada, Luiz Antônio de Souza admitiu a existência de um esquema de corrupção na Receita do Paraná e acusou o ex-governador Beto Richa (PSDB) de se beneficiar das negociatas por meio de doações não declaradas na campanha de 2014, na qual se reelegeu.

Enquanto estava preso, porém, Souza extorquiu o empresário Aparecido Domingos dos Santos. O fiscal pediu R$ 1 milhão para não mencioná-lo nos depoimentos de sua delação premiada. Segundo o MP-PR, Santos é um dos chefes de uma organização criminosa que juntou empresas do setor de abate e venda de suínos para sonegar impostos.

Por isso, o MP requereu a rescisão do acordo de colaboração premiada de Souza. Em 8 de junho de 2016, o juiz Juliano Nanuncio aceitou o pedido e anulou os benefícios concedidos ao auditor fiscal.

Revoltado com a rescisão de seu compromisso de cooperação, Luiz Antonio de Souza partiu para o ataque. Em interrogatório de fevereiro de 2017, o fiscal acusou os promotores do caso de adulterar seus depoimentos. Segundo ele, os integrantes do MP aliviaram a barra de alguns delatados e fortaleceram as denúncias contra outros.

O advogado de Souza questionou em audiência por que não havia vídeos e áudios dos depoimentos de seu cliente prestados na fase extrajudicial. A justificativa do Ministério Público foi que não havia bateria na câmera para gravar os testemunhos.

Em nota na época, o MP-PR declarou que as acusações têm o "claro objetivo de obstar" seu trabalho na operação publicano. "Os desnecessários, descabidos, desleais e ilegais ataques pessoais, que vem sendo dirigidos aos promotores de Justiça, travestidos de pseudoexercício de defesa têm o único propósito de desqualificar a atuação e tentar desestabilizar os membros do Ministério Público", destacou o órgão, ressaltando que "não houve escolha, favorecimento ou direcionamento das investigações para atingir ou o excluir pessoas do objeto da operação".

Delação restabelecida
Quando outro auditor fiscal apontou a divergência nos depoimentos de Souza, ele já havia assinado um aditivo ao acordo de colaboração com o MP. No documento, ele ratifica as informações prestadas anteriormente e se retrata por "falsear a verdade" quanto às acusações de irregularidades do Ministério Público. Em interrogatório, ele disse que só adotou uma postura agressiva contra os promotores por orientação do advogado.

Com o aditivo — homologado pelo juiz Juliano Nanuncio, da 3ª Vara Criminal de Londrina —, o compromisso de delação foi ampliado. Por um lado, o auditor fiscal comprometeu-se a falar mais e a entregar mais bens. Por outro, o MP-PR concordou em pedir perdão judicial para ele em seis ações penais existentes e nas novas que forem propostas.

Após a assinatura, Leonir Batisti disse que o restabelecimento da delação de Souza era benéfico. "A restauração desse acordo é altamente positiva para todos. É interessante para o MP, no processo, tanto é assim que ela foi homologada com crivo judicial. A colaboração reforça ou dá mais validade naquilo que já tinha sido apresentado", declarou, ressaltando os limites do instrumento. "A colaboração premiada é um método, não é um certo método ideal. O ideal é que não houvesse crimes. As pessoas vão criticar, mas o benefício para as investigações valeu."

Críticas de Gilmar
Por causa das irregularidades do caso de Luiz Antonio de Souza, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal deve mudar de entendimento e passar a permitir que delatados questionem acordos de colaboração premiada.

Em maio, o ministro Gilmar Mendes votou por declarar a nulidade dos acordos de Souza e de sua irmã, Rosângela de Souza Semprebom. Por derivação, ele reconheceu a ilegalidade das acusações do delator. Mas, em nome da segurança jurídica e da previsibilidade do sistema penal negocial, o ministro votou por manter os benefícios oferecidos pelo MP aos colaboradores. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Luiz Edson Fachin.

No voto, Gilmar afirmou que as práticas do MP no caso são "claramente temerárias e questionáveis" e colocaram em risco a persecução penal. "Devemos, então, perceber como a atuação abusiva dos órgãos de investigação e acusação pode destruir qualquer viabilidade de perseguir e punir crimes eventualmente praticados", apontou.

O ministro criticou que o aditivo ao acordo de colaboração — que tinha sido rescindido — exigiu que os delatores se retratassem das acusações aos promotores de justiça e ratificassem as declarações anteriormente prestadas na fase de investigação.

A celebração de um novo termo de delação após a rescisão do primeiro fragiliza a confiabilidade das declarações dos colaboradores, opinou Gilmar Mendes. E estas, destacou, já têm valor probatório reduzido — precisam ser corroboradas por outras provas, como estabelece a Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013).

Devido às ilegalidades da celebração dos acordos de delação premiada de Luiz Antonio de Souza e Rosângela de Souza Semprebom — que violaram a legalidade e regularidade do mecanismo negocial —, Gilmar disse que as declarações prestadas pelos dois são imprestáveis. Nesse cenário, a Justiça deve proteger os direitos dos delatados, analisou.

O STF tinha definido anteriormente que delatado não pode questionar acordo de colaboração premiada, ao julgar a validade da delação do doleiro Alberto Youssef — espinha dorsal da “lava jato”. Gilmar Mendes pontuou que a decisão foi acertada na época. Porém, “ocasionou uma quase total intangibilidade e incontrolabilidade dos acordos de delação”, já que os únicos que podem contestá-los — delator e MP — quase sempre agirão para manter sua validade.

Ainda que sua estrutura seja semelhante à de um contrato bilateral, o acordo de colaboração premiada atinge direitos dos delatados, segundo o ministro. Embora a homologação do termo não ateste a veracidade das acusações, ponderou, o uso midiático delas “acarreta gravíssimos prejuízos à imagem” dos citados. “Além disso, há julgados desta corte [STF] que, de modo questionável, autorizam a decretação de prisões preventivas ou o recebimento de denúncias com base em declarações obtidas em colaborações premiadas”, criticou o ministro.

Dessa forma, argumentou Gilmar Mendes, em casos de acordos ilegais e ilegítimos, os delatados devem poder questionar o compromisso no Judiciário. E este Poder deve agir para garantir os respeitos a direitos fundamentais e ao princípio da segurança jurídica.

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