Opinião

Repercussão geral de um tema não pode paralisar processo trabalhista inteiro

Autores

  • Cesar Zucatti Pritsch

    é juris doctor pela Universidade Internacional da Flórida (EUA) juiz do trabalho membro da Comissão de Jurisprudência e vice-coordenador pedagógico da Escola Judicial do TRT da 4ª Região.

  • Fernanda Antunes Marques Junqueira

    é doutora em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade de São Paulo mestre em Direito Material e Processual do Trabalho pela Universidade Federal de Minas Gerais e juíza do Trabalho pelo TRT da 14ª Região.

  • Ney Maranhão

    é doutor em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo (USP) professor adjunto da Universidade Federal do Pará (UFPA) juiz do Trabalho pelo TRT da 8ª Região (PA/AP) e membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho.

9 de julho de 2019, 6h17

Em 28 de junho, por ocasião da análise do Recurso Extraordinário 1.121.633, relativo ao tema 1.046 de repercussão geral, foi determinada a suspensão nacional de todos os processos pendentes que versem sobre a validade de norma coletiva que limita ou restringe direito trabalhista não assegurado constitucionalmente e que não seja absolutamente indisponível. O caso concreto versa sobre o pagamento de horas extras in itinere a despeito da existência de cláusula de acordo coletivo que previa o fornecimento de transporte pelo empregador, autorizando, de antemão, a supressão do pagamento pelo tempo de trajeto, quando excedente à jornada normal de trabalho. A problemática de fundo radica no importante debate do negociado sobre o legislado.

Sem embargo de discussões outras, essa ordem de suspensão tem suscitado grande debate quanto à extensão de seus efeitos, notadamente nos processos trabalhistas em que haja cumulação de pedidos sem relação com o tema atinente à repercussão geral.

Isso porque, diferentemente do CPC/1973, que, em seu artigo 543-B, determinava a suspensão do trâmite recursal, anotando-se, de passagem, que o STJ ainda assim mantinha o processamento e julgamento dos recursos especiais, o CPC/2015, em seu artigo 1.035, parágrafo 5º, dispôs expressamente que: “reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional”.

Como o CPC atual fala em suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão reconhecida como de repercussão geral, tem surgido dúvida quanto ao procedimento a seguir nessas hipóteses de cumulatividade objetiva de pedidos, fenômeno bastante comum no processo do trabalho: suspender-se-á a tramitação do processo trabalhista na íntegra ou o efeito paralisante afetará apenas a específica parte do processo relacionada ao tema de reconhecida repercussão geral?

Sabe-se que a função da repercussão geral consiste em permitir a seleção de recursos que merecem ser conhecidos pelo Supremo Tribunal Federal, viabilizando, nessa perspectiva, o desempenho da missão de outorga de unidade do Direito mediante a compreensão do texto constitucional[1]. Carrega, na essência, o interesse na concreção da unidade do Direito, traduzindo-se na possibilidade que se adjudica à corte suprema de clarifier ou orienter le droit, de modo prospectivo e retrospectivo, em função de determinada questão jurídica levada a seu conhecimento[2].

Por isso e em reverência ao princípio da segurança jurídica, a decisão que reconhece a repercussão geral é acompanhada pela determinação de suspensão de todos os processos, justamente para se evitar julgamentos múltiplos e dissonantes sobre a mesma matéria, o que, por certo, tornaria letra morta o auspicioso intento de promoção de estabilidade, coerência e integridade sistêmicas, nos termos consagrados pelo artigo 926 do CPC.

Todavia, como referimos acima, persiste a dúvida se a ordem de suspensão ficaria adstrita aos pedidos relacionados ao tema da repercussão geral ou se contemplaria todo o processo, paralisando-o em sua integralidade.

Se, por um lado, a suspensão tem o condão de garantir a sanidade do sistema, observando-se o tratamento isonômico dos casos que versam sobre a mesma matéria, de outro, pode promover uma injusta demora na entrega do provimento jurisdicional, notadamente se atingir pedidos não relacionados com o tema da repercussão geral.

Na generalidade dos casos, a demanda exterioriza-se mediante uma estrutura mínima consubstanciada em um único pedido, hipótese que a doutrina qualifica como pedido unitário, fixo ou simples.

Contudo, em homenagem ao princípio da economia processual, há a possibilidade de serem cumuladas, no mesmo processo, várias demandas, como decorrência da multiplicidade de pedidos, desconexos entre si (cumulação simples).

Aliás, a esse respeito, vale destacar que nos processos submetidos ao crivo da Justiça do Trabalho percebe-se forte inclinação ao uso da cumulação simples, o que não se manifesta com demasiada frequência no processo civil. A esta hipótese se tributa uma das razões pelas quais o processo do trabalho recebe influxos principiológicos particulares, ligados à celeridade, informalidade e simplicidade.

Ademais, considerando-se o caráter privilegiado do crédito que corriqueiramente é discutido no processo do trabalho, porque de natureza alimentar, sempre se demandou uma dinâmica processual diferenciada, evitando-se frenagens indevidas e estagnações indesejadas, de sorte que qualquer procedimento oriundo do Direito comum, quando integrado ao processo do trabalho, deve necessariamente harmonizar-se com a sua tessitura axiológica, especialmente ante a especial deferência dada pela Constituição à valorização e proteção do trabalho, bem como à efetividade da tutela jurisdicional.

Neste contexto, importante rememorar que as suspensões determinadas pelo STF podem durar anos, a exemplo dos temas 06 (RE-RG 566.471, de relatoria do ministro Marco Aurélio) e 16 (RE-RG 643.247, também de sua relatoria), algo incompatível com a especial proteção e urgência com que têm sido tratados os créditos alimentares trabalhistas em nosso sistema, não se sustentando o sobrestamento dos feitos quanto a pedidos que não guardam conexão direta e sequer indireta com matéria de repercussão geral discutida.

Por um lado, o CPC fala em “suspensão do processamento de todos os processos pendentes” e, de fato, como diz a máxima hermenêutica, a lei não contém palavras inúteis. Ocorre que o processo, concebido como procedimento em contraditório, comporta uma multiplicidade de demandas desde a sua origem (inicial). A rigor, tecnicamente, cada pedido comportaria um processo autônomo, sendo que essa realidade meândrica e complexa do processo contemporâneo decerto não pode ser lançada ao oblívio pelo intérprete, sobretudo quando convocado a realizar sua labuta hermenêutica adstrito a importantes parâmetros de razoabilidade, proporcionalidade e eficiência (CPC, artigo 8º).

De todo modo, importante destacar a parte final do próprio texto normativo em foco (artigo 1.035, parágrafo 5º), de onde consta, literalmente, que o efeito paralisante atingirá os processos que versem sobre a questão afetada pela repercussão geral. Em suas lições, Barbosa Moreira leciona que questão nada mais é que o ponto controvertido cuja resolução se insere entre as razões de decidir. Pode revelar, todavia, o próprio pedido (thema decidendum) ou cada uma de suas partes fracionadas. Nesse sentido, formulado mais de um pedido, haverá tantas questões postas à decisão judicial quantos forem os pedidos cumulados[3].

A partir desse raciocínio, portanto, pode-se afirmar que somente é atingida pela suspensão a questão afetada pelo reconhecimento da repercussão geral e aquelas conexas e a ela dependentes. As questões estranhas ao seu objeto, decerto, não estão sujeitas ao efeito paralisante, cujo processamento poderá manter seu curso normal, em reverência aos cânones da duração razoável do processo e da efetividade da jurisdição, com assento constitucional.

De fato, se o autor tem dois pedidos e apenas um deles é afetado pela decisão pronunciada pelo STF, qual a justificativa plausível para mantê-lo por inteiro paralisado? Seria o simples fato de o autor ter se valido da cumulação de pedidos diversos nos mesmos autos, optando por uma técnica mais concentrada e consentânea com os clamores de celeridade e otimização das funções jurisdicionais?

Até o presente, a discussão não tem sido tão acirrada, já que a maior parte das ordens de suspensão nacional de temas de repercussão geral posteriores à vigência do CPC/2015 tiveram ligação com questões mais pontuais, geralmente debatidas em processos especificamente dedicados a elas (por exemplo, IRDR) ou questões prejudiciais, das quais dependiam todos os demais pedidos (por exemplo, a existência ou não de relação de emprego quanto a transportadores contratados como autônomos). Nesta última situação, ainda que houvesse cumulação de pedidos, geralmente todos estariam atrelados àquele objeto da suspensão, sendo natural e lógica a suspensão conjunta de todos.

No presente caso, entretanto, haverá centenas ou milhares de processos em que, além das pretensões ligadas à alegação de nulidade ou invalidade de cláusula de norma coletiva (redutora de direito não amparado constitucionalmente), tendem a existir diversos outros pedidos, como horas extras, FGTS e até mesmo verbas rescisórias incontroversas não pagas na época apropriada, a exemplo de salários retidos, verbas consideradas alimentares e, como tais, de fruição urgente. Enquanto que no processo civil a cumulação de pedidos apresenta-se como exceção, no processo do trabalho constitui regra, ensejando, portanto, especial cuidado à interpretação deferida ao termo “processo” contido no parágrafo 5º do artigo 1.035 do CPC. Não que naquele não se justifique a paralisação atenciosa que aqui se proclama — tese que não comungamos. O que aqui desejamos enfatizar, no ponto, é que tal medida, no âmbito da processualística laboral, por certo se imponha mais justificada e sensivelmente.

Inexiste comando legal específico tampouco jurisprudência vinculante que obrigue o hermeneuta a dar interpretação rasa e árida ao parágrafo 5º do artigo 1.035 do CPC, conferindo-lhe sentido que inviabiliza a continuidade de pretensões trabalhistas (já que absolutamente desconexas com o tema suspenso), condenando-as à procrastinação. Afinal, em termos mais diretos, “cada pedido é um processo”, o qual por conveniência e para atender a fatores de economia e celeridade processuais, foram reunidos ab initio, desde seu ajuizamento, mas para os quais não havia impedimento para o ajuizamento autônomo, desde que ausente relação de dependência. É que o processo comporta fatiamento, sendo um ente complexo.

Essa linha de raciocínio bem se afina, inclusive, com a importante doutrina dos capítulos sentenciais[4], claramente refletida em alguns dispositivos do novo CPC (por exemplo, artigo 1.013, parágrafos 1º e 5º, artigo 509, parágrafo 1º), bem assim com seus outros vetores, que permitem, inclusive, o julgamento parcial de mérito (artigo 356), de tudo a corroborar, portanto, a razoável perspectiva de que o efeito geral paralisante emanado da decisão que reconhece repercussão geral a determinado tema não tem eficácia absoluta e ilimitada. Não sem razão, nada impede que, por exemplo, se lance mão do instituto do julgamento parcial de mérito, atendidos os seus pressupostos, ou que o autor desista da ação quanto a pedidos contemplados pela suspensão, com a possibilidade de ajuizá-los novamente, em separado, ou até que se criem autos suplementares.

Enfim, a técnica concreta aplicada pode até variar, mas a medida geral implementadora de harmonização prática dos princípios da segurança, eficiência e celeridade processuais, à luz de uma visão complexa e dinâmica do processo, impõe-se como expediente mais consentâneo com a axiologia constitucional (CF, artigo 5º, incisos XXXV e LXXVIII) e infraconstitucional, geral (CPC, artigos 1º e 8º) e específica (CLT, artigo 765).

Ademais, em uma breve exegese hermenêutica, devemos lembrar que o processo tem como regra o impulso contínuo e incessante, sendo sua suspensão medida excepcional, o que, em boa hermenêutica, portanto, tem suas hipóteses de cabimento interpretadas estritamente. Em tal contexto, a frenagem objetivada pela suspensão nacional das lides repetitivas de repercussão geral não visa à procrastinação da solução das demandas do hipossuficiente, mas, sim, um benefício coletivo mediato e maior, prestigiando a segurança jurídica via excepcional desaceleração do trâmite. Sacrifica-se um pouco a celeridade das lides em busca de uma otimização e racionalização do sistema. Não haveria sentido, entretanto, em suspender também pedidos que nada contribuiriam para a consecução de tal objetivo, já que desconexos ou irrelevantes para o tema de repercussão geral objeto da ordem de suspensão, dando-se, em tais casos, o prosseguimento do fluxo processual, segundo a regra geral de trâmite regular.

Trata-se de uma interpretação sistemática e teleológica: suspende-se para evitar o trâmite multitudinário de questões repetitivas, o que, no processo civil, pode se dar com a suspensão total do processo, que, em regra, abrange apenas uma questão ou questões cumuladas que sejam dependentes umas das outras.

Trazendo-se a questão para a esfera do processo do trabalho, entretanto, é de se ter em mente que suspender todos os pedidos, em vez de se traduzir em otimização e economia de tempo e energia do Judiciário, traria tumulto processual e eternização de litígios colaterais desvinculados do tema sujeito à uniformização, eventualmente até beneficiando aqueles que quisessem se utilizar de tal situação como medida procrastinatória.

Concluímos, assim, nesta breve reflexão, que não há impedimento para julgarmos de imediato os “capítulos” não afetados pela suspensão do tema da repercussão geral. A bem da verdade, temos que a não suspensão do processo quanto a pedidos desconexos com o tema afetado soa até como questão de lógica e bom senso.


[1] MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário. 3ª Edição, São Paulo: RT, 2012.
[2] TUNC, André. La cour suprême idéale. Revue Internationale de Droit Compare, Paris, 1978, p. 445.
[3] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Item do pedido sobre o qual não houve decisão. Possibilidade de reiteração noutro processo. Temas de Direito Processual Civil. 2ª série. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 243.
[4] Por todos, confira-se: DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos de sentença. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2014.

Autores

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    é juiz do Trabalho do TRT-4, ex-procurador federal e juris doctor pela Universidade Internacional da Flórida (EUA).

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    é juíza do Trabalho do TRT-14, doutoranda em Direito e Processo do Trabalho Contemporâneo pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Direito Material e Processual do Trabalho pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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    é juiz do Trabalho do TRT-8, professor adjunto da Universidade Federal do Pará (UFPA) e doutor em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo (USP), com estágio na Universidade de Massachusetts (EUA).

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