Opinião

O mercado da arbitragem e o compliance na realidade brasileira

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7 de julho de 2019, 6h36

O mercado da arbitragem e a aderência desse instituto à estrutura jurídica e judiciária brasileira são realidades consolidadas e em firme evolução, como demonstram os frequentes levantamentos feitos por entidades sérias — como são os casos de Cesa, CBAr e Conima — e pelos próprios centros de arbitragem de maior prestígio no Brasil. Em paralelo, o tema compliance, que para alguns analistas era apenas uma “febre” diagnosticada no país logo após a edição da Lei 12.846/2013, também vem se desenvolvendo exponencialmente na prática brasileira, inclusive em decorrência da grande abrangência, visibilidade e contundência das autoridades nas investigações de casos de corrupção, sobretudo na "lava jato".

Enquanto multiplicam-se cláusulas compromissórias nos estatutos sociais e contratos diversos da vida empresarial brasileira, vê-se também uma grande movimentação para a criação de instâncias internas nas empresas, totalmente dedicadas ao compliance, que se debruçam na elaboração de políticas, códigos de conduta e outros documentos internos importantes relacionados ao tema, inclusive nos modelos das chamadas “cláusulas anticorrupção”, incorporadas e muito frequentes nos contratos mais atuais.

À evidência, portanto, compliance e arbitragem são temas conhecidos e bem encampados pelo empresariado brasileiro. Tanto que os próprios centros de arbitragem (ao menos os mais afamados) também vêm se aprofundando sobre o assunto.

De fato, é muito importante que os centros de arbitragem se esforcem para atender satisfatoriamente as normas vigentes no Brasil e, também, as de abrangência internacional (como são os casos do FCPA e do UKBA). Afinal, qualquer centro de arbitragem que pretenda investir em sua internacionalização precisa se preocupar com isso.

Apesar de a maioria das instituições nacionais de arbitragem não ter fins lucrativos (constituídas normalmente como associações ou mesmo ramificações de entidades preexistentes), o simples fato de terem potencial contato com o poder público (como toda empresa) e serem passíveis de responsabilização objetiva — por força da ampla definição de “sujeito passivo” trazida pelo parágrafo único do artigo 1º da Lei 12.846/13 — já seria motivo suficiente para que pensassem nos riscos de suas atividades e adotassem medidas adequadas para mitigá-los.

Ocorre que, como também é corriqueiro àqueles que transitam mais nessa seara, uma instituição de arbitragem pode ter contatos muito profundos e próximos com agentes públicos em virtude dos serviços que presta, o que deveria elevar o nível de preocupação com o assunto.

Para problematizar a questão que ora se propõe, vamos pensar na seguinte hipótese: um município decide abrir uma concorrência pública para a contratação de determinado serviço, indicando no edital um conhecido centro de arbitragem para a solução de eventual litígio entre o particular contratado e a administração pública, nos termos do que autoriza o artigo 1º, parágrafo 1º, da Lei 9.307/96. Posteriormente, verifica-se que o secretário de Assuntos Jurídicos do município, pouco tempo antes de assumir sua novel função pública, tinha sido por anos a fio sócio, num escritório de advocacia, do presidente do centro de arbitragem indicado no edital. Tal situação traz algum risco potencial ao centro de arbitragem? Eventual investigação sobre tais contratos e a razão para a escolha do referido centro pode levá-lo a prestar informações à autoridade que investiga o assunto? Há algo que a instituição possa fazer para elidi-lo?

O risco potencial, dada a abrangência do conceito de sujeito passivo e a gravidade das sanções previstas na Lei 12.846/13, não só é óbvio, como deve ser muito bem assimilado e enfrentado pelo centro de arbitragem referenciado no problema acima, com clareza suficiente para que as informações relevantes sejam repassadas à autoridade pública, principalmente no caso de sobrevir investigação sobre o fato. E o bom tratamento dessas informações só é feito através de políticas internas adequadamente estruturadas e coordenadas por pessoas com sólida formação e experiência nesse tipo de problema.

Assim, é providencial o movimento encampado pelos gestores dos centros de arbitragem nacionais no sentido de estruturar instâncias e políticas internas dedicadas ao compliance, inclusive através de assessorias que os auxiliem neste movimento e buscando certificações de relevo internacional sobre o tema (como é o caso da ISO 37001, por exemplo).

Como todos sabemos hoje em dia, a criação de um rigoroso programa de integridade não é apenas uma tendência de mercado ou uma medida recomendável à luz das melhores práticas de governança de qualquer instituição. Trata-se, efetivamente, de uma poderosa ferramenta de gestão, que permite a qualquer instituição não apenas melhor e mais rapidamente atacar desvios de conduta dentro de sua organização, mas aprimorar, constantemente, as suas práticas de gestão, conhecendo, de forma mais rápida e ampla, os pontos de atenção que carecem de melhorias, não apenas no diuturno esforço de combate a práticas ilícitas, mas com vistas a uma gestão mais transparente e eficiente.

Finalmente, centros de arbitragem que estejam melhor estruturados com relação ao seu programa de integridade servirão de benchmark para o mercado brasileiro como um todo e terão, fatalmente, relevante vantagem competitiva sobre os outros. Isso sempre é assunto de primeira importância para qualquer tipo de contratação/interação com o poder público e, também, com grupos multinacionais que já incorporaram o compliance em seus DNAs corporativos, preferindo fazer negócios com fornecedores e parceiros que partilham dessa premissa.

Autores

  • é advogado do Peixoto & Cury Advogados, doutorando em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Arbitragem Internacional. É membro do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio Brasil-Líbano.

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