Malandragem médica

Leis em dois estados dos EUA criminalizam fraude na inseminação artificial

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2 de julho de 2019, 9h22

Virou moda nos EUA fazer testes de DNA – muito porque as pessoas querem conhecer suas origens, para contar para todo mundo: “Eu sou 32% irlandês, 20% alemão (…), 1% mouro”. Mas muita gente vem descobrindo o que não estava buscando: que seu pai não é o “doador nº X” do banco de esperma “tal” e, sim, o médico que fez a inseminação artificial em sua mãe… com seu próprio esperma.

Houve um caso em que a texana Eve Wiley chegou a localizar o “doador #106”, o que uma pessoa pode fazer nos EUA, depois de completar 18 anos. No Cryobank Donor, ela ficou sabendo que seu pai biológico, o doador “#106”, era Steven Scholl. Os dois tiveram um encontro emocionante. Pai, filha e novos irmãos viveram felizes até que um problema de saúde de um filho dela a levou a fazer um exame genético – e descobrir que o médico que fez a inseminação artificial em sua mãe, não Steven Scholl, era seu pai biológico.

A primeira reação das pessoas é processar o médico, escreveu para o Above the Law a advogada Ellen Trachman, cujo escritório se especializa na lei da tecnologia reprodutiva assistida – e, especialmente, em fraude da inseminação artificial – uma especialização, aliás, que ela recomenda aos advogados que estão buscando um nicho de mercado. Com as novas tecnologias, muita malandragem está estourando nessa área.

Porém, os autores das ações vinham trombando com uma barreira jurídica natural: a prescrição do que seria um crime. Além disso, faltava uma lei que definisse especificamente tal golpe médico e previsse penas e ação civil.

Dois estados dos EUA, Indiana, o primeiro, e Texas, o segundo, acabam de aprovar leis que corrigem essa falha.

Indiana foi o primeiro a reagir porque é o estado de residência do médico que ficou mais famoso por engravidar suas pacientes com o próprio esperma, em vez do esperma de um doador desconhecido, como ele dizia a elas. Agora com sua licença para praticar a medicina revogada, o médico Donald Cline seria o pai verdadeiro de mais de 50 crianças – muitas das quais foram as promotoras da aprovação da lei da fraude da fertilidade.

A nova lei estadual define o que se esperava: 1) essa malandragem médica é crime; 2) cria sustentação para ação civil, movida pela mãe, pelo marido ou pelo filho que nasceu da inseminação; 3) muda as regras de prescrição, especialmente para esse caso.

No que diz respeito à prescrição, a lei adiciona mais cinco anos, a contar de: 1) o dia em que a pessoa colhe prova suficiente para mover ação contra o médico, através de análise de DNA; 2) o dia em que a pessoa descobre a existência de um registro, que traz prova suficiente para mover a ação contra o médico; 3) o dia em que o médico confessa seu erro.

O autor da ação que for bem-sucedida, de acordo com a nova lei, terá direito a honorários advocatícios “razoáveis”. E poderá ainda recuperar os custos do “tratamento de fertilidade”, bem como indenizações “compensatórias e punitivas” ou “indenização líquida de US$ 10 mil”.

No Texas, a aprovação da “lei da fraude da fertilidade” se deveu, em grande medida, à luta de Eve Wiley, que descobriu que seu pai não era o doador “#106” e sim o médico. Agora, o Código Penal do Texas especifica que é crime, punível com prisão, o fornecimento de “material reprodutivo humano de um doador, sabendo que a paciente não consentiu expressamente com o uso do material daquele doador”.

Nos EUA, o custo de inseminação artificial pode chegar a US$ 4 mil, parte do qual vai para o banco de esperma (e para o “doador desconhecido”). Alguns médicos cobram de US$ 300 a US$ 800 “por ciclo” – ou por tentativa. Para comparação, o custo da fertilização in vitro é US$ 10 mil a US$ 15 mil – ou de US$ 1,500 a US$ 3 mil “por ciclo”. O tratamento da mulher (medicamentos e monitoramento) custa quase US$ 7 mil “por ciclo”.

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