Opinião

Considerações sobre a relação entre Carf e Judiciário

Autor

  • Plinio J. Marafon

    é advogado e contador mestre em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo especialista em Direito Tributário pela PUC-SP e sócio do escritório Marafon Soares Nagai e Marsilli Advogados.

1 de julho de 2019, 15h57

A temática Carf x Judiciário, destinada àqueles processos que são vencidos pela PFN no Carf, mas cujos contribuintes pretendem discutir a tese no Judiciário, reclama uma visão pragmática do ponto de vista do advogado-empresário, que deve ter a sensibilidade de combinar a virtuosidade das teses jurídicas com o interesse financeiro-patrimonial do contribuinte, sob o enfoque do risco envolvido e das chances de sucesso.

Partiremos do princípio de que questões perdidas no Carf e, posteriormente, também no Judiciário, são absolutamente neutras para essa análise porquanto, nesse caso, o Tribunal Administrativo se tornou um “tribunal-de-passagem”, possibilitando o ganho de tempo na discussão sem custos ou necessidade de travar bens patrimoniais, para a obtenção da sempre e tão valiosa CND.

Então, resta avaliar as questões onde as decisões do Carf foram fiscalistas, inclusive oriundas do odioso e imoral voto de qualidade, mas, por outro lado, os contribuintes têm obtido sucesso no Judiciário, parcial ou totalmente.

Apresentamos essa comparação primeiramente com conflitos que não levam em conta temas atinentes à constitucionalidade, porque o Tribunal Administrativo não os pode enfrentar, e ao final apontaremos teses constitucionais à espera de definição pelo Judiciário e que interferirão diretamente no Carf.

Vejamos, a seguir, algumas teses estatisticamente expressivas, evitando-se litígios de questões pontuais e atípicas:

  • IR e CSLL sobre ágio interno até a Lei nº 12.973/14: a PFN ganhou por qualidade, enquanto inúmeros tributaristas de renome produziram pareceres pela impossibilidade dessa Lei retroagir seus efeitos. O Judiciário começa a decidir favoravelmente às empresas.
  • IR e CSLL sobre amortização de DPL´s: há julgado judicial que aceitou a dedução de amortização de rendimento de debêntures sobre participação nos lucros entre partes relacionadas, em oposição ao posicionamento do CARF. Chances muito expressivas de sucesso pelos fortes argumentos jurídicos apresentados;
  • IR e CSLL/multa por estimativa cumulada com multa de ofício: tema recorrente muito debatido na esfera administrativa e, após julgados pró e contra as empresas, finalmente, o CARF uniformizou entendimento a favor do Fisco. O Judiciário, a nível de TRF, acusa vários acórdãos favoráveis à impossibilidade de cumulação. Tese auspiciosa até o momento;
  • Embora o STF tenha sacramentado a não incidência de PIS e COFINS sobre ICMS, a SRFB enveredou por um raciocínio tortuoso para restringir esse direito a quem debitou a mais essas contribuições, seguida por enquanto pelo CARF;
  • O STJ julgou favoravelmente uma tese cara aos contribuintes em geral, que é a não incidência de IR e CSLL sobre as permutas, contra a jurisprudência do CARF, na esteira de alguns precedentes de TRF´s. Por enquanto o conflito se limitou às trocas de imóveis no lucro presumido, mas o conteúdo do voto do relator dá margem a estender essa interpretação a todas as operações dessa natureza, independentemente do tipo de ativo objeto do negócio ou da forma de tributação pelo IR beneficiando inclusive transações de participações societárias, dentre outras;
  • O CARF acompanha a SRFB e não vê conflito entre os tratados e a lei interna quando se trata de tributar o lucro do exterior. Contudo, alguns juízes entendem que o IRF não pode incidir sobre os serviços prestados por domiciliados em países com tratados de bitributação assinados com o Brasil, em virtude do art. 7º dos acordos (motivo da denúncia alemã ao tratado). E o STJ já decidiu que os lucros oriundos de países signatários de tratados de bitributação com o Brasil não podem ser automaticamente tributados, contrariando o entendimento do CARF;
  • A SRFB e o CARF teimam em recusar a dedução retroativa dos JSCP perante o IR e CSLL, mas os TRFs começam a decidir em sentido contrário, seguindo um julgado do STJ e vários pareceres jurídicos publicados no mesmo sentido;
  • O TRF-4ª R/RS já se antecipou e começou a cancelar cobranças de IRPF sobre incorporação de ações, logo em seguida ao posicionamento contrário do CARF;
  • O IPI sobre o VTM para atacadistas tem sido ultimamente decidido contra os contribuintes, mas o STJ e o TRF-1 têm acórdãos em sentido favorável aos industriais;
  • O IPI sobre produtos importados revendidos tem sido mantido no CARF, mas há vários julgados judiciais em favor da não-incidência;
  • O CARF tem julgados cobrando IPI sobre produtos furtados, em oposição ao Judiciário, que recusa essa incidência, e
  • O CARF recusou a dedução de P&D de empresas terceirizadas, mas o TRF-3 já decidiu em favor das empresas.

Ainda é cabível apontar teses que estão pendentes de definição no Judiciário, a merecer o acompanhamento dos contribuintes: IPI sobre revenda de produtos importados, IR/CSLL sobre a trava de 30% sobre o aproveitamento de prejuízos fiscais na incorporação e incidência de IR sobre omissão de depósitos bancários pela simples presunção de falta de justificação da sua origem.

Há que ponderar a relativa simplicidade da processualística administrativa, em comparação com a complexidade do processo judicial, permitindo maior amplitude de discussão, mas, em compensação, resultando em maior morosidade.

Basta lembrar que discussões que envolvem inconstitucionalidade e ilegalidade têm seu terreno apropriado no Judiciário, onde também há mais ferramentas processuais (agravos, embargos, liminares, tutelas antecipadas) e menos discricionariedade na produção de provas (é quase impossível conseguir uma perícia num processo administrativo!).

Quanto à necessidade de garantias para o Judiciário houve uma mitigação do custo com a aceitação, por exemplo, de seguro-fiança e de penhora sobre estoques, bem menos onerosos.

As opiniões sobre os riscos remoto, possível e provável, tendo em vista a constituição ou não de provisões para contingências, de há muito já vêm considerando a continuidade da discussão pelo contribuinte no Judiciário, após a eventual perda da tese no Carf.

Há um projeto de Lei no Congresso que visa, dentre outras medidas, inverter o efeito do voto de qualidade, passando este a favorecer o contribuinte, na medida em que representa uma incerteza do credor (Carf/MF) na “validade” do seu próprio crédito.

Em compensação, permitir-se-ia que a PFN fosse ao Judiciário tentar anular as decisões do Carf favoráveis aos contribuintes.

Nas justificativas dessa mudança legal exsurgem inconformismos dos políticos com os recentes julgados do CSRF por voto de qualidade quase sempre contra os contribuintes, nos processos de valores expressivos.

A solução tem merecido elogios e críticas do meio tributário, principalmente pela abertura dada à PFN.

Esse ponto não nos deve impressionar: vai ser complicado a PFN pretender convencer um juiz de que seus pares do Carf decidiram mal a favor do contribuinte, inclusive com votos fazendários.

O próprio Judiciário já tem precedentes contra esse direito de a Fazenda Pública rever em juízo julgados administrativos contrários, havendo um sério risco de a lei vir a ser letra morta.

Mas importa destacar outro enfoque que essa solução comporta: antes da Operação Zelotes não havia esse corporativismo fiscalista no Carf.

A jurisprudência desse tribunal evidencia inúmeros julgados favoráveis aos contribuintes no passado, até em teses de direito, por unanimidade.

A partir do momento em que o voto de qualidade beneficiar os contribuintes, os representantes fazendários vão voltar a votar contra a Fazenda, porque não fará mais sentido o “espírito de corpo” anterior.

Autores

  • é advogado e contador, mestre em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo, especialista em Direito Tributário pela PUC-SP. Sócio do Marafon, Fragoso & Soares Advogados.

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