Opinião

Regulamentação da investigação defensiva pela OAB é muito bem-vinda

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31 de janeiro de 2019, 16h58

Constituída como uma das mais importantes vertentes do Estado Democrático de Direito, a ampla defesa se desenvolve com maior visibilidade no âmbito do processo penal.

Garantida não só pela Constituição Federal em seu artigo 5º, LV, mas por diversas normas infraconstitucionais, a ampla defesa é aplicada na defesa do acusado sob dois aspectos. O primeiro, mais tradicional, consiste na defesa passiva, pela qual, valendo-se do ônus da acusação de comprovar suas alegações, limita-se à negativa do fato e/ou sua autoria.

Já em uma linha mais moderna e proativa está a conceituada defesa ativa, pela qual o acusado não só nega a materialidade e/ou autoria como também se esforça para auxiliar o juízo na obtenção da verdade, produzindo provas ou indicando fontes.

Conforme já pudemos afirmar em outro artigo nesta revista, vivemos claramente uma era punitivista no Poder Judiciário brasileiro. Como consequência, é tendente ao Poder Judiciário mitigar a ausência de provas por parte da acusação, proferindo condenação com base em elementos frágeis.

Essa tendência motiva o uso cada vez mais frequente da defesa ativa como forma de combater o in dubio pro societate que discretamente se estabelece em nosso sistema processual penal.

Como instrumento desse novo modelo de exercício da ampla defesa surge a investigação defensiva, espécie de inquérito presidido pela defesa do acusado que objetiva colher elementos de prova para a elucidação do fato, apresentando-os de forma indiciária na ação penal, contribuindo para alcançar a controversa verdade real.

Pode-se dizer que o primeiro dispositivo legal que possibilitou a investigação defensiva foi a Lei 13.432/2017, que regulamentou a profissão de detetive particular no Brasil. Pelo texto da norma, o detetive particular pode colaborar com a investigação policial em curso, desde que expressamente autorizado pelo contratante.

Tão relevante é o tema que o projeto de novo Código de Processo Penal (PLS 156/2009) propõe regulamentá-lo expressamente, prevendo em seu artigo 13:

“É facultado ao investigado, por meio de seu advogado, de defensor público ou de outros mandatários com poderes expressos, tomar a iniciativa de identificar fontes de prova em favor de sua defesa, podendo inclusive entrevistar pessoas”.

Atento a essa tendência, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil aprovou e fez publicar no final do último ano o Provimento 188/2018, que “regulamenta o exercício da prerrogativa profissional do advogado de realização de diligências investigatórias para instrução em procedimentos administrativos e judiciais”.

Segundo a norma, a investigação defensiva ocorre em qualquer fase da persecução penal, recurso ou execução, bem como servirá para fundamentar, entre outras hipóteses, pedido de instauração ou trancamento de inquérito, resposta a acusação, defesa em ação penal, razões de recurso, revisão criminal, Habeas Corpus ou até mesmo proposta de acordo de colaboração premiada ou leniência.

É discutível, ainda, a legitimidade do Conselho Federal da OAB para, através de resolução, determinar a possibilidade de “promover diretamente todas as diligências investigatórias necessárias ao esclarecimento do fato, em especial a colheita de depoimentos, pesquisa e obtenção de dados e informações disponíveis em órgãos públicos ou privados, determinar a elaboração de laudos e exames periciais, e realizar reconstituições, ressalvadas as hipóteses de reserva de jurisdição”.

Isso porque, ao contrário do que pode acontecer no futuro em caso de aprovação do texto do novo Código de Processo Penal, parece faltar base legal (em sentido estrito) para que a entidade de classe trate sobre essa matéria. O dispositivo legal invocado pelo órgão — artigo 54, V da Lei nº 8.906/1994 — é insuficiente para tanto, porquanto apenas prevê a competência do Conselho Federal para “editar os Provimentos que julgar necessários”, vinculando a classe que a ele se submete, mas em hipótese alguma a sociedade em geral (testemunhas, órgãos públicos e privados etc.).

Não será de se estranhar, ainda, que o indigitado projeto sofra alguma resistência sob o viés constitucional. Isso porque, como é do conhecimento daqueles que militam na seara penal, existem vozes esparsas que apregoam ser exclusiva da polícia judiciária a atividade investigativa. Aqueles que enveredam por tal direção tomam como amparo o comando constitucional inserto no artigo 144, parágrafo 4º, CF, emprestando ao dispositivo interpretação bastante restrita, inadmitindo ao próprio parquet a tarefa investigativa.

Em que pesem as vozes dissonantes que sobrevirão, reconhece-se, enfim, que o instituto da investigação defensiva é de suma importância para o exercício de direito de defesa e que sua regulamentação pelo Conselho Federal da OAB é muito bem-vinda. Ainda assim, é necessário que o assunto ganhe atenção de outras esferas regulamentares, notadamente do Congresso Nacional na aprovação do novo Código de Processo Penal.

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