Opinião

O que devemos urgentemente aprender com o novel Direito dos Desastres

Autor

  • Délton Winter de Carvalho

    é pós-doutor em Direito Ambiental e dos Desastres University of California Berkeley EUA (com bolsa CAPES); doutor e mestre em Direito Unisinos; professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da UNISINOS nível Mestrado e Doutorado.

29 de janeiro de 2019, 12h58

Desastre é sempre uma triste derrota de uma comunidade em todos os sentidos: humanos, não humanos, econômicos, sociais e ecológicos. Como sempre digo. Se quisermos ver, os desastres mostram muito. Irei elucidar alguns pontos construídos a partir de ensinamentos trazidos à luz pelo Direito dos Desastres[1].

O Direito dos Desastres está intimamente relacionado com a gestão do risco e com as etapas do ciclo dos desastres. Consoante o professor Daniel Farber, reconhecido mundialmente pelos seus estudos sobre Direito Ambiental e dos Desastres, o ciclo dos desastres compreende as seguintes fases: prevenção e mitigação, resposta de emergência, compensação e reconstrução[2].

Utilizando a racionalidade jurídica interdisciplinar (sobretudo com o Direito Ambiental, Urbanístico, Administrativo, Penal, Civil, dos Seguros e dos Contratos), o Direito dos Desastres visa gerir todas as fases de um evento catastróficos. Urge salientar que a autonomia deste ramo jurídico é consolidada por um ciclo de gestão de risco que une as fases da prevenção até a reconstrução. Sob o ponto de vista normativo, a autonomia e unidade deste ramo é caracterizada por um sistema normativo específico, centrado nas leis 12.340/2010 e 12.608/2012, bem como no Decreto 7.257/2010[3].

Portanto, em uma situação de desastre ou de potencialidade de sua ocorrência, o Direito tem a função de fornecer a estabilidade pela normatividade ante e pós ocorrência do evento, sem olvidar da dinâmica destrutiva que uma catástrofe possui. O Direito assume um papel na colonização dos desastres[4]. Segundo Austin Sarat, há cinco dimensões em que o Direito deve lidar em casos de desastres, são elas: (i) manter a operacionalidade do Direito; (ii) lutar contra a ausência do Direito; (iii) fornecer estabilização e reacomodação das vítimas; (iv) promover a identificação das vítimas e responsáveis; e (v) reduzir a vulnerabilidade futura[5].

Um desastre decorre de vulnerabilidades, sociais e físicas[6]. No caso de desastres[7] resultante de atividades econômicas (desastres antropogênicos), os fluxos de informações são fundamentais para a prevenção (gestão dos riscos pelo licenciamento, auditorias e planos) e resposta emergencial adequadas. Há uma diferença importante entre infortúnio e injustiça. Para infortúnio, há a complacência e resignação. Para injustiça, responsabilidades jurídicas. Obviamente, sempre a partir do devido processo legal e do Estado de Direito.

A ocorrência de um desastre deve iniciar um novo ciclo de aprendizagem e de adoção de medidas para evitar os próximos e eventuais desastres. Para tanto, deve haver uma avaliação sistêmica de quais foram os pontos de falhas (estruturais, regulatórias, terceiros, fatores físicos etc.) e quais as medidas preventivas devem ser incorporadas aos eventos futuros.

Um plano de contingência e de emergência é, também, uma condição essencial a ser adotada por qualquer município e empresas privadas que possam ser afetados ou exploram atividades de magnitude exponencial. Planos de contingência também devem ser elaborados por tribunais e órgãos governamentais para que estes tenham um norte para agir de forma organizada e efetiva para mitigar e responder a eventos catastróficos (e sua consequente avalanche de litigância)[8].

Qualquer ato de politização e pré-julgamento é nefasto às investigações técnicas, tão necessárias para o aprendizado e aos diagnósticos necessários para fomentar o ciclo de gestão de riscos catastróficos. Serenidade não se confunde com omissão!

Os órgãos ambientais no Brasil precisam ser mais apoiados financeira e tecnicamente, sem qualquer alinhamento político ou ideológico. Frisa-se: os órgãos ambientais devem ser poderosos, sob o aspecto técnico e científico, aliando sempre sustentabilidade, desenvolvimento econômico responsável e Estado de Direito (rule of law).

A decretação de estado de calamidade ou situação de emergência desengatilha e acelera o repasse de recursos e desburocratiza uma série de medidas e decisões. O que resta após um desastre é o restabelecimento dos serviços públicos essenciais, compensar vítimas e meio ambiente, buscar responsabilidades e, mais importante, aprender (e adotar medidas) para evitar novos eventos do mesmo gênero. Se assim for, o ciclo se fecha exitosamente, evitando novos eventos como o anterior. Do contrário, novos desastres seguirão a ocorrer.

Em nome das vítimas e do meio ambiente, devemos ser melhores na gestão dos desastres. Para tanto, uma das ferramentas é o estudo do Direito dos Desastres, filho do Estado de Direito e primo-irmão do Direito Ambiental.


[1] FARBER, Daniel; CHEN, Jim; VERCHICK, Robert. R.M.; SUN, Lisa Grow. Disaster Law and Policy. New York: Aspen Publishers, 2010; e CARVALHO, Délton Winter de; DAMACENA, Fernanda Dalla Libera. Direito dos Desastres. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.
[2] FARBER, Daniel. Disaster Law and Emerging issues in Brazil. Revista de estudos constitucionais, hermenêutica e teoria do direito (RECHTD), 4(1): 2-15 jan.-jun. 2012. Disponível em: <https://research.fit.edu/media/site-specific/researchfitedu/coast-climate-adaptation-library/latin-america-and-caribbean/brazil/Farber.–2012.–Disaster-Law–Emerging-Issues-in-Brazil..pdf>. Acesso em: 26 jan.2019.
[3] CARVALHO, Délton Winter de. Desastres Ambientais e sua Regulação Jurídica: deveres de prevenção, resposta e compensação ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
[4] Expressão utilizada por DOUGLAS, Lawrence; SARAT, Austin; UMPHREY, Martha Merril. A jurisprudence of catastrophe: na introduction. In: Law and catasthophe. Austin Sarat; Lawrence Douglas; Martha Merril Umphrey. Stanford: Stanford University Press, 2007.
[5] SARAT, Austin; LEZAUN, Javier (Ed.). Catastrophe: law, politics, and the humanitarian impulse. Amherst: University of Massachusetts, 2009.
[6] Urge destacar que Robert Verchick utiliza o conceito de risco comunitário, que é a junção da vulnerabilidade física e social de uma comunidade. “A vulnerabilidade física refere-se à exposição física de uma comunidade a um risco derivado de sua localização, por exemplo, uma inundação, um terremoto, ou um incêndio. A vulnerabilidade social refere-se à suscetibilidade dos grupos populacionais de uma comunidade aos impactos de um desastre.” FARBER, Daniel; CARVALHO, Délton Winter de. (Orgs.). Estudos aprofundados em direito dos desastres: Interfaces comparadas. 2. ed. Curitiba: Appris, 2018. p. 73.
[7] Não obstante as distinções entre desastres naturais (compreende os desastres geofísicos, meteorológicos, hidrológicos, climatológicos e biológicos) e desastres antropogênicos (desastres tecnológicos e sociopolíticos decorrentes de fatores humanos), a grande maioria dos desastres são híbridos (ou mistos), ou seja, decorrem da sinergia de fatores naturais e antropogênicos. Somando essa concepção mista das causas dos desastres e a magnitude dos resultados, utilizo o sentido de desastre ambiental. CARVALHO, Délton Winter de; DAMACENA, Fernanda Dalla Libera. Direito dos Desastres. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.
[8] Vide CARVALHO, Délton Winter de. Gestão Jurídica Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.

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