Medida ineficaz

"É preciso rever a cultura do encarceramento a qualquer custo"

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28 de janeiro de 2019, 8h00

Tendo o Brasil a 3ª maior população carcerária do mundo, com mais de 726 mil presos, é preciso rever a cultura do encarceramento a qualquer custo. A afirmação é do presidente da seccional de Rondônia da Ordem dos Advogados do Brasil, Elton Assis.

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“Tenho forte preocupação com o aumento do encarceramento no país, uma vez que tal medida, por si só, tem se mostrado ineficaz. Não se tem alcançado a ressocialização do apenado, ao contrário, quem hoje é submetido ao cumprimento de pena no regime prisional sai pior do que quando entrou”, afirma o presidente recém-eleito.

Segundo o advogado, os constantes casos de corrupção geraram na população a sensação de impunidade e a visão turva de que o exercício do direito de defesa é um obstáculo para que a justiça seja cumprida. Para ele, porém, não é o exercício do direito de defesa que causa a impunidade no país, “mas sim a falta de estrutura do sistema de Justiça e a morosidade na entrega da prestação jurisdicional”.

Sobre os problemas enfrentados pela advocacia em seu estado, Assis aponta o alto custo das despesas processuais, as dificuldades de acesso às informações e a falta de magistrados na primeira instância. Há ainda, diz ele, a preocupação com a possibilidade de redução das Varas do Trabalho e, até mesmo, a vinculação da estrutura atual do Tribunal Regional da 14ª Região (Rondônia/Acre) a outro regional.

Para minimizar o desrespeito das prerrogativas, a seccional vai implementar um plano estratégico com ações para otimizar as rotinas administrativas e operacionais da Comissão de Defesa de Prerrogativas. A ideia, diz o advogado, é “dar maior eficiência à estrutura, o que passará por práticas que não permitam a descontinuidade das ações adotadas, tratamento isonômico das demandas, além da interiorização da atuação da comissão, o que deverá ocorrer por meio da instalação de Procuradoria Jurídica no interior e núcleos regionais de defesa de prerrogativas”.

Leia a entrevista:

ConJur  — Quais os principais gargalos da advocacia no seu estado?
Elton Assis —
A realidade de Rondônia, a exemplo de outros estados, trata da falta de magistrados na primeira instância, situação que se agrava nas comarcas no interior e atinge diretamente a sociedade, em razão da demora demasiada na efetiva prestação jurisdicional.

No Tribunal de Justiça, a implantação de cartórios unificados tem resultado em claro prejuízo ao exercício profissional, uma vez que o funcionamento como mero “balcão de informações” impede a necessária e fundamental atuação do advogado em diligenciar e contribuir com a celeridade dos atos processuais.

A questão tecnológica deve ser priorizada para melhorar essa prestação jurisdicional, com um sistema que garanta a gestão de dados e a segurança das informações. No entanto, não se pode admitir que isso reflita em dificuldades ao acesso à justiça ou prejuízo ao cidadão que busca a guarida do Judiciário por meio do advogado. Outro problema que tem atingindo de forma indireta a advocacia e diretamente o jurisdicionado é o alto valor das custas e despesas processuais, situação que inviabiliza o acesso à justiça no âmbito do Poder Judiciário estadual. Já em relação a justiça especializada, há forte preocupação da advocacia rondoniense quanto ao futuro da Justiça do Trabalho quando se ventila a redução e extinção de Varas do Trabalho e, até mesmo, a vinculação da estrutura atual do Tribunal Regional da 14ª Região (Rondônia/Acre) a outro regional, tudo isso sem que seja analisado o impacto social negativo que isso pode representar.

ConJur  — O Tribunal de Contas da União decidiu, em novembro, que a OAB deve prestar contas ao tribunal. Como o senhor avalia a medida?
Elton Assis —
A decisão do TCU, além de impraticável, é inconstitucional e afronta decisão do Supremo Tribunal Federal. Não há espaço no ordenamento jurídico brasileiro para que a Corte – que tem seu papel vinculado ao Poder Legislativo como auxiliar nas análises de quem administra recursos públicos – interfira na Ordem dos Advogados do Brasil. Não se olvide que a OAB foi alçada pela Constituição Federal e pelo Estatuto da OAB como voz da cidadania e, em razão disso, deve ser assegurada a plena autonomia e independência para o desempenho de sua função indispensável na defesa da sociedade, sem interferência de qualquer órgão do estado.

Por outro lado, o sistema OAB conta com rigoroso controle de despesas e receitas, procedimento de julgamento de contas por órgão colegiado, inclusive com previsões de sanções aos gestores que desrespeitem as regulamentações e normas do Conselho Federal da OAB, bem como da Lei 8.906/94. A questão foi recentemente aprimorada com novas exigências de controle no provimento 185/2018 do Conselho Federal.

ConJur  — Quais as principais prerrogativas desrespeitadas hoje?
Elton Assis —
Cotidianamente os advogados continuam sendo desrespeitados por todo tipo de agente público, desde o servidor que nega acesso ao processo até o magistrado que se recusa a atender o advogado. Somado a isso, nos deparamos ainda com situações em que o advogado tem dificuldades quanto ao acesso a inquérito policial, contato com seu cliente em delegacias e estabelecimentos carcerários, constantes obstáculos no levantamento de honorários advocatícios, além de advogados públicos serem responsabilizados por emissão de pareceres. O cenário se agrava mais no interior, principalmente, em comarcas menores.

A OAB deve atuar firmemente na defesa das prerrogativas profissionais, conscientizando todos de sua importância, já que aquelas não são dirigidas somente ao advogado, mas principalmente ao jurisdicionado, de modo a possibilitar o pleno exercício do direito de defesa, assim como responsabilizar agentes públicos que as desrespeitarem.  

Entendo também a necessidade de fazer palestras para conscientizar agentes públicos e da própria advocacia sobre a importância do respeito às prerrogativas profissionais. É oportuno lembrar e, se necessário, reafirmar à exaustão que o advogado em seu empenho particular exerce atividade de múnus público indispensável para o desenvolvimento da plena cidadania e do Estado Democrático de Direito e, por esta razão, deve ter proteção condigna para seu o exercício do seu mister, igualmente às autoridades públicas. O respeito às prerrogativas profissionais passa, necessariamente, pela aprovação do Projeto de Lei que criminaliza a violação de prerrogativas.

ConJur  — O direito de defesa está enfraquecido?
Elton Assis —
Entendo que sim. O momento em que vive o nosso país necessita de reafirmação constante da importância do direito de defesa. Os constantes escândalos de corrupção e a sensação de impunidade fazem com que a sociedade enxergue no exercício do direito de defesa um obstáculo a se fazer justiça no país, o que acaba atingindo a figura do advogado, na medida em que ele representa a materialização do direito de defesa. É óbvio que aquele que cometeu um delito deve ser responsabilizado. Todavia, isso só pode ser feito dentro de um processo em que seja assegurado o pleno exercício do direito de defesa, com a devida observância dos princípios e garantias fundamentais estabelecidas na nossa carta magna, tais como o devido processo legal, a ampla defesa, o contraditório e o respeito à presunção da inocência. E mais: não é o exercício do direito de defesa que causa a impunidade no país, mas sim a falta de estrutura do sistema de Justiça e a morosidade na entrega da prestação jurisdicional.

ConJur  — A OAB deve se colocar politicamente a favor do direito de defesa?
Elton Assis —
Entendo que a OAB já vem se posicionando nesse sentido. O Conselho Federal em inúmeras oportunidades se manifestou quanto à necessidade do pleno exercício do direito de defesa, seja lá atrás, quanto ao “pacote das dez medidas contra a corrupção” de autoria do Ministério Público, bem ainda quando postulou perante o Supremo Tribunal Federal o respeito ao princípio da presunção da inocência, questionando a constitucionalidade da prisão após decisão de segunda instância. A Ordem tem cumprido com sua função, salientando à sociedade a importância do pleno exercício do direito de defesa, sem olvidar a necessidade de acabar com a impunidade no país, o que somente ocorrerá com o absoluto respeito às garantias constitucionais, especialmente às inerentes ao direito de defesa.

ConJur  — A OAB é democrática internamente?
Elton Assis —
O ponto nevrálgico da democracia é o sufrágio universal. Nesse sentido, penso que as eleições realizadas no âmbito da nossa instituição a cada três anos permitem a participação da advocacia na escolha e composição dos órgãos responsáveis pelas deliberações da OAB.O fato de qualquer advogado ou advogada, que esteja regularmente inscrito, poder participar do processo eleitoral interno da instituição demonstra que a OAB tem buscado o caminho democrático. É claro que todo e qualquer sistema se aperfeiçoa ao longo do tempo, e por esse motivo, penso que evoluímos muito, porém, ainda há muito por trilhar. A participação da mulher advogada e dos jovens, por exemplo, e tantas outras medidas afirmativas que visem maior participação no âmbito institucional, são questões que devem ser aprimoradas ainda mais, o que garante a busca pela plena democracia na OAB.

ConJur  — O que o senhor espera do superministério da Justiça?
Elton Assis —
Espero de todos os escolhidos para capitanear os ministérios do governo que adotem as medidas que o país precisa para extirpar a corrupção, bem como políticas públicas concretas que diminuam os enormes problemas que assolam a sociedade, sejam eles de natureza econômica ou social.

No Ministério da Justiça, espero uma postura proativa para superar os desafios que existem na solução dos graves problemas da segurança pública, em todos os aspectos, seja para diminuir a violência, ou ainda solucionar a questão carcerária. Tenho forte preocupação com o aumento do encarceramento no país, uma vez que tal medida, por si só, tem se mostrado ineficaz. Não se tem alcançado a ressocialização do apenado, ao contrário, quem hoje é submetido ao cumprimento de pena no regime prisional sai pior do que quando entrou. Precisamos rever essa cultura do encarceramento a qualquer custo.

ConJur  — Qual o piso ideal para um iniciante?  
Elton Assis —
O piso salarial do advogado empregado tem se mostrado uma necessidade, vez que muitos profissionais, principalmente no início de carreira, têm sido remunerados em valores aviltantes, que atingem a dignidade da nossa profissão. Entendo que o piso ideal deve levar em consideração as características e realidade de cada região do país, de forma a contemplar uma existência digna e salutar perante a sociedade, e, assim, valorizar a profissão indispensável à administração da Justiça. Vejo com reservas fixar um valor unificado do piso do advogado.

ConJur  — Recentemente, o presidente Bolsonaro manifestou contra o Exame de Ordem aplicado aos recém-formados. Na ocasião, ele disse que o exame cria “boys de luxo de escritórios de advocacia”. Em sua opinião, o modelo do exame precisa ser revisto? A quem cabe fiscalizar o curso de Direito?

Elton Assis — O presidente Jair Bolsonaro foi, no mínimo, infeliz em sua manifestação e demonstrou desconhecimento sobre a relevância do Exame de Ordem. A defesa do exame de Ordem deve ser uma bandeira nacional, eis que sem uma advocacia minimamente preparada não se tem a efetiva Justiça. O exame é um meio para aferir a capacidade do profissional, avaliar os conhecimentos jurídicos básicos que são necessários à sua atuação, além de representar um instrumento de identificação e controle da qualidade dos cursos de Direito em nosso país.

No tocante ao modelo atual do exame, entendo que estão sendo alcançados os objetivos, principalmente após a sua unificação. O modo que a Coordenação Nacional do Exame de Ordem do Conselho Federal tem atuado em relação aos ajustes necessários para que o Exame alcança as suas finalidades. Me preocupa a proliferação de cursos de Direito no país, onde o foco deixou de ser a qualidade do ensino jurídico e passou a ser um negócio. O Ministério da Educação – a quem cabe a fiscalização dos cursos de Direito – tem sido muito leniente na permissão da abertura de novos cursos de Direito, ou mesmo no encerramento daqueles que não apresentam as condições mínimas de entrega de um ensino de qualidade.

No âmbito da OAB, a fiscalização dos cursos atualmente é feita pelas seccionais por meio das Comissões de Ensino Jurídico, bem como pelo Conselho Federal da OAB, por meio da Comissão Nacional de Educação Jurídica. Todavia, o MEC retirou da OAB o poder de veto na criação de novos cursos de Direito no país, o que colabora para o aumento dos cursos e queda na qualidade do ensino jurídico.

ConJur  — O senhor é a favor de segundo turno nas eleições da OAB? O Conselho Seccional deve ser eleito separadamente da chapa do presidente?
Elton Assis —
O instituto do “segundo turno” é um meio existente para que a vontade soberana dos eleitores, bem como a legitimidade daqueles que são eleitos, seja reproduzida no processo eleitoral. É fato — e isso ocorre no modelo das eleições gerais — que o segundo turno é uma espécie aplicada quando se está diante de um colégio eleitoral maior e somente para alguns dos cargos eletivos, especificamente para os chefes dos Poderes Executivo.

Para as eleições institucionais, penso que o segundo turno não é necessário, ao menos nos atuais cenários das seccionais e suas subseções. Acredito que um eventual segundo turno das eleições da OAB representaria um prolongamento na escolha dos dirigentes de Ordem que não se justificaria. Não há dúvidas sobre a legitimidade daqueles que são eleitos, não é preciso segundo turno para afirmar a soberania das escolhas da advocacia nesse sentido.

Quanto à eleição separada para os conselho seccionais, igualmente não se justifica. Nesse particular, acredito que essa separação seja incoerente ao modelo adotado pelo sistema OAB, já que no âmbito institucional não temos a mesma tripartição de Poderes do sistema de governo brasileiro, daí não há que se falar em autonomia e independência entre seccionais e diretorias, ao contrário, antes de mais nada a diretoria é “Diretoria do Conselho Seccional” e como tal deve atuar em sintonia, respeitando a soberania do órgão colegiado.

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Esta entrevista integra uma série de conversas com os presidentes das seccionais da OAB eleitos para o triênio 2019-2021.

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