Opinião

O caminhar da terceirização no Brasil: da Súmula 256/TST ao RE 958.252

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28 de janeiro de 2019, 6h01

“O trabalho não é uma mercadoria sujeita à lei da oferta e da procura, que se pode especular com salários, com a vida dos homens, como se faz com o trigo, o açúcar e o café.” (Leão XIII, Encíclica Rerum Novarum, 1891). É antigo, portanto, o entendimento de que o trabalho humano não pode ser visto como uma mercadoria a ser negociada e especulada. Se assim o fosse, seria contrário ao valor social do trabalho e à dignidade humana, fundamentos da República Federativa do Brasil (CF/88, artigo 1º).

Na França do século XIX, cenário de absoluta miséria e de desigualdade social — como bem retrata Victor Hugo no seu clássico romance Lés Miserables —, era comum que trabalhadores fossem contratados por meio de um terceiro, um intermediador, que lucrava com a locação de trabalho alheio, o que se chamava de marchandage. O lucro do intermediário nada mais seria que uma retirada forçada de parcela da contraprestação do trabalhador, transformando-o em uma espécie de traficante de mão de obra, o que é vedado tanto no Brasil quanto na França.

Ocorre que a terceirização não se confunde com intermediação de mão de obra. Terceirização (quando lícita) é a transferência de parcela da execução de atividades da empresa tomadora (ou contratante) para a empresa prestadora de serviços (ou contratada). Na terceirização, há a contratação de serviços específicos (e não contratação de mão de obra propriamente dita).

A terceirização, por ser uma relação triangular de trabalho, é exceção. A regra geral é uma relação bilateral de trabalho, em que o empregado presta serviços ao seu empregador, na sede do seu empregador, a quem está juridicamente subordinado. Na terceirização, há a modificação do parâmetro fático e jurídico da relação bilateral de trabalho. O empregado terceirizado passa a prestar serviços à empresa tomadora, que tem uma relação civil com a empresa prestadora de serviços que, por sua vez, é a verdadeira empregadora do terceirizado.

O objetivo da empresa tomadora dos serviços com a terceirização é reduzir custos e dar maior eficiência e produtividade à empresa, com a possibilidade de concentrar a maior parcela de seu capital (humano e tecnológico) na atividade principal e estratégica do seu objeto social (core business), de maneira a conseguir reduzir o preço final do produto e alcançar maior competitividade no mercado.

A primeira súmula que tratou do tema da terceirização no Brasil foi o Enunciado 256 do TST, do ano de 1986, com a seguinte redação:

“Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis nºs 6.019, de 03.01.1974, e 7.102, de 20.06.1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços”.

Percebe-se, destarte, que a súmula do TST só permitia a relação triangular de trabalho em duas situações específicas: trabalho temporário e vigilância, eis que existiam leis específicas sobre os temas.

Em dezembro de 1993, já sob a égide da CF/88 — que deu um protagonismo maior ao Poder Judiciário —, a Súmula 256 foi revista e ampliada, transformando-se na Súmula 331 do TST, com a seguinte redação:

“SUM-331 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE. I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial”.

Parcela da doutrina trabalhista criticou o novo enunciado, pois restou ampliado o leque de possibilidades de relação triangular de trabalho. Não seriam mais trabalho temporário e vigilância, apenas. Tudo que fosse atividade-meio — verbi gratia, conservação, limpeza, copeiragem, recepção e reprografia —, desde que não houvesse pessoalidade nem subordinação direta, poderia ser terceirizado.

Ademais, também houve críticas a respeito da responsabilidade subsidiária (inspirada no artigo 455 da CLT), pois o tipo de responsabilidade que mais protegeria o trabalhador terceirizado seria a responsabilização solidária do tomador de serviços (sem benefício de ordem).

De 1993 até 2017, a terceirização, salvo legislações esparsas, era disciplinada pela Súmula 331 do TST. Com as mudanças das leis 13.429/2017 e 13.467/2017, ambos os institutos — trabalho temporário e terceirização — passaram a ser disciplinados no mesmo instrumento legal, qual seja, a Lei 6.019 de 1974. Essa lei, com as alterações de 2017, expressamente permite a terceirização da atividade-fim:

“Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução”.

Mais recentemente, no dia 30/8/2018, o STF chancelou, por maioria (7 a 4), a terceirização da atividade-fim. A tese de repercussão geral aprovada no RE foi a seguinte:

“É licita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.

Já na ADPF, julgada em conjunto, restou fixada a seguinte tese:

“1. É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada. 2. Na terceirização, compete à contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias, na forma do art. 31 da Lei 8.212/1993”.

Por conseguinte, dúvidas não há mais: atualmente, a terceirização no Brasil (seja da atividade-meio, seja da atividade-fim) possui base legal específica e foi ratificada pela magna corte.

Esse é o cenário atual. Certamente, ele será alvo de contundentes críticas (na verdade, já está sendo, mormente por parte do Ministério Público do Trabalho), bem como de pesquisas e de estudos para avaliar suas consequências e seus impactos nas relações laborais. De qualquer sorte, uma constatação já é inegável: a terceirização é um instituto inexorável nas relações trabalhistas hodiernas — do Brasil e do mundo.

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