Mercado travado

"Sem crescimento econômico, escritórios tiveram queda drástica de novos contratos"

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25 de janeiro de 2019, 8h00

Os escritórios de advocacia do Piauí passam por escassez de clientes. O fator decisivo para isso, segundo o presidente da seccional piauiense da Ordem dos Advogados do Brasil, Celso Barros, foi a recessão financeira instalada no país a partir do segundo semestre de 2014.

OAB-PI
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“O recuo de investimentos no Piauí, as restrições de crédito, o desemprego, a diminuição do consumo das famílias, enfim, a ausência de crescimento acentuaram a inadimplência de clientes em nossos escritórios, a necessidade de repactuação de honorários e, o mais danoso, a queda drástica de novos contratos”, conta.

De acordo com Barros, os advogados do estado "na grande maioria das vezes não são encaminhados à sala de estado maior, ficando recolhidos em presídios". "Também há limitações e restrições do acesso dos advogados aos clientes presos nas unidades prisionais e nas dependências dos fóruns, o atendimento em balcão, e ainda, em algumas situações, restrições de atendimento por servidores, assessores e magistrados, além de abusos de autoridade cometidos", aponta sobre o desrespeito às prerrogativas.

O advogado, que já foi conselheiro Federal, foi escolhido para comandar a seccional com cerca de 3 mil votos. 

Leia a entrevista:

ConJur  — Quais os principais gargalos da advocacia no seu estado? Celso Barros — A recessão financeira que se instalou no país a partir do segundo semestre de 2014 afetou sobremaneira praticamente todos os setores da economia. Essa retração fortíssima também atingiu o mercado advocatício. O recuo de investimentos no Piauí, as restrições de crédito, o desemprego, a diminuição do consumo das famílias, enfim, a ausência de crescimento, acentuaram a inadimplência de clientes em nossos escritórios, a necessidade de repactuação de honorários e, o mais danoso, a queda drástica de novos contratos.

Outro problema aqui, como no resto do país, é que nosso Judiciário ainda carece de estrutura, qualificação de servidores e aumento de produtividade. É preciso reconhecer os esforços na entrega de uma prestação jurisdicional de qualidade (inclusive com o processo eletrônico (PJe) que por vezes fica fora de operação e dificulta o acesso), mas precisamos avançar ainda mais. A Justiça é do povo e para o povo deve ser dirigida, e, para tanto, o fácil acesso pelos advogados é fundamental. A adoção de uma efetiva administração gerencial, de resultados, com metas e indicadores de desempenho; implantação de boas práticas de gestão de processos; aperfeiçoamento do processo judicial eletrônico; priorização do primeiro grau; a mediação e a conciliação mais presentes. Tudo isso visando mais eficiência e melhor desempenho.

A nova gestão da OAB-PI quer ser parceira do setor produtivo piauiense; quer ajudá-lo a enfrentar os seus principais desafios. A melhora do cenário econômico local é sinônimo de mais contratos para os escritórios de advocacia. Queremos, ademais, fomentar novos mercados de trabalho para a nossa classe (terceiro setor, parceria público-privada, energias renováveis, compliance, dentre outros).

ConJur  — O Tribunal de Contas da União decidiu, em novembro, que a OAB deve prestar contas ao tribunal. Como o senhor avalia a medida?
Celso Barros —
A OAB não pode ser fiscalizada por nenhum órgão estatal sob pena de perder a sua independência. Tal restrição visa proteger a própria sociedade. Imaginemos a OAB tendo que sofrer fiscalização do TCU e o próprio TCU, em determinada situação, afrontar algum dispositivo de lei. Qual será a posição da OAB em face de seu fiscalizador? Como, nesse caso, a OAB irá ter independência para atuar contra o seu fiscalizador? Ora, a Ordem não é do Estado, mas sim da advocacia que serve a sociedade! A sociedade precisa de uma entidade independente e somente a OAB tem vigor e força para conter o ânimo por vezes arbitrário do Estado e de seus agentes. Lembremos da ditadura, do impeachment, das arbitrariedades cometidas pelos agentes públicos etc. Sempre houve a voz altiva da OAB e isso se deu por ser ela independente.

ConJur  — Quais as principais prerrogativas desrespeitadas hoje?
Celso Barros —
Há prisões de advogados e mandados de busca e apreensão em desacordo com a lei e sem a prévia comunicação à OAB. Os advogados, na grande maioria das vezes, não são encaminhados à sala de estado maior, ficando recolhidos em presídios, havendo sempre, em todos os casos, a intervenção da OAB. Também há limitações e restrições do acesso dos advogados aos clientes presos nas unidades prisionais e nas dependências dos fóruns, o atendimento em balcão, e ainda, em algumas situações, restrições de atendimento por servidores, assessores e magistrados, além de abusos de autoridade cometidos.

Deve haver uma conscientização de todos que formam a Justiça de que os advogados e as advogadas estão exercendo o seu direito/dever  de trabalho e isso exige respeito às prerrogativas que são inerentes ao exercício da profissão para levar cidadania às pessoas. Desrespeitar prerrogativa é desrespeitar o direito do advogado trabalhar e o seu dever de levar a cidadania.

ConJur  — O direito de defesa está enfraquecido?
Celso Barros —
É preciso redobrar vigilância sobre um movimento punitivista de alguns setores do Estado que, inclusive, tem o apoio expressivo da sociedade hoje. O advogado como protagonista da defesa do direito de defesa, deve – diariamente – combater quaisquer formas de ataques ao referido instituto que tem previsão constitucional. Não se pode admitir ativismo que respeite a ampla defesa. A todos, indistintamente, é assegurado o pleno acesso à justiça com as garantias do devido processo legal, da presunção de inocência, do contraditório, da licitude da prova, dentre outros comezinhos princípios. A sociedade entorpecida não sabe do alto preço que paga quando o direito de defesa é enfraquecido.

ConJur  — A OAB deve se colocar politicamente a favor do direito de defesa?
Celso Barros —
A OAB deve se posicionar legalmente e não politicamente, pois o direito é o limite da ação política. Isso não é ser a favor da corrupção, mas a favor da Lei e do Direito. Oposição ao regular exercício do direito de defesa encontrará na OAB pronta reação (é bandeira histórica da Ordem assegurar ao cidadão o direito a uma defesa técnica em processos administrativos e judiciais). Precisamos garantir aos advogados que exerçam seu trabalho livremente, são eles os agentes da escorreita defesa lastreada na Constituição, daí a essencialidade do respeito às prerrogativas dos advogados.

A sociedade, nos últimos anos, tem acompanhado o enfraquecimento do direito de defesa, bem como a criminalização da advocacia. O Conselho Federal da OAB tem realizado uma série de ações com resultados concretos para a defesa das prerrogativas da advocacia criminal e, em especial, à tutela do direito de defesa.

Participei como Conselheiro Federal da última reunião da  gestão de Cláudio Lamachia, realizada em 11 de dezembro, no plenário do Conselho Federal, e foi aprovado um novo provimento que regulamenta o exercício da prerrogativa profissional do advogado de realizar diligências investigativas da defesa, buscando implementar a paridade de armas na fase do inquérito policial entre defesa e a acusação. Esse provimento protege o advogado de indevidas acusações ao desempenhar uma função indispensável ao direito de defesa na investigação, em busca da redução do déficit de constitucionalização desse arcaico procedimento inquisitório. São medidas como essa que visam a proteger a advocacia e o direito de defesa.

ConJur  — A OAB é democrática internamente?
Celso Barros —
Como entidade de classe temos nossas virtudes, acertos e, também, defeitos, erros. As principais deliberações da OAB são colegiadas e emanadas dos conselhos seccionais e do Conselho Federal e isso demonstra que há democracia interna. Claro que continuamos buscando aperfeiçoar, aprimorar nossas práticas. Cito, por exemplo, que agora temos regras mais rígidas quanto a gastos (responsabilidade fiscal); controle interno e mais transparência e austeridade (determinações do Provimento 185 de novembro último). Queremos na OAB-PI implantar um método organizacional baseado em uma gestão horizontalizada, participativa e colaborativa.

ConJur  — O que o senhor espera do superministério da Justiça?
Celso Barros —
O respeito ao Estado Democrático de Direito deve estar acima de qualquer política de governo e, certamente, o novo governo aplicando a Constituição Federal encontrará nela os caminhos de governabilidade, tendo a OAB como guardiã da Lei e a voz da sociedade.

ConJur  — Qual o piso ideal para um iniciante?  
Celso Barros —
 De modo geral, a questão do piso salarial para os advogados deve ser bem estudada e avaliada, e descontextualizada da política (eleição) da classe, a fim de que se extraia efetivamente valor condizente com a realidade sem hipocrisia e sem busca de dividendos eleitorais. O piso deve dignificar a advocacia, porém não pode inviabilizar o acesso ao mercado de trabalho e fomentar o desemprego. Daí porque procuraremos fazer amplos estudos e audiências públicas discutindo em todo o estado do Piauí o piso ideal para a advocacia iniciante.

ConJur — Recentemente, o presidente eleito Jair Bolsonaro se manifestou contra o Exame de Ordem aplicado aos recém-formados. Na ocasião, ele disse que o exame cria “boys de luxo de escritórios de advocacia”. Em sua opinião, o modelo do exame precisa ser revisto? A quem cabe fiscalizar o curso de Direito?
Celso Barros —
O Exame de Ordem é extremamente necessário e deve ser mantida a universalização posta em todo o país. Contudo, penso que a Escola Nacional da Advocacia (ESA) deve ter mais influência na formação e estruturação das provas. Quanto à questão da fiscalização dos cursos de Direito, a OAB tem buscado sempre coibir a abertura de novos cursos e essa luta histórica tem sido perdida, infelizmente. No Piauí temos 30 cursos de Direito e outros surgindo sem critérios minimamente conhecidos. Agora há faculdades demitindo em massa professores de Teresina por passarem a  concentrar as aulas em sistemas virtuais e não presenciais. Isso em curto prazo ocasionará sensível piora do nível dos bacharéis. Certamente, será um desafio manter diálogo com o MEC e exigir fiscalização dos Cursos já existentes sem as mínimas condições de ensino. A OAB, além do Exame de Ordem, deve ter papel fiscalizatório junto ao MEC e ser vinculante seu parecer acerca da viabilidade ou não de curso de direito. Certamente, o nível das faculdades muito melhoraria.

ConJur  — O senhor é a favor de segundo turno nas eleições da OAB? O Conselho Seccional deve ser eleito separadamente da chapa do presidente?
Celso Barros — Não sou a favor, pois os estados com mais advogados, como São Paulo, por exemplo, elegeriam sempre o presidente nacional e isso dificultaria sobremaneira algum advogado de fora do eixo Rio, São Paulo e Minas Gerais de ascender à presidência. Porém, um sistema eletivo em que cada seccional tenha eleição e escolha um dentre os candidatos postos e forme uma unidade, parece-me mais justo. Porém, o sistema eleitoral da OAB deve ser alterado urgentemente, pois remonta a 1994 quando tínhamos outra realidade na instituição. Penso, dentre outras questões,  que devamos ter proporcionalidade na formação dos conselhos seccionais e que os Conselhos Federais sejam eleitos em separado e os mais votados assumem as 3 primeiras vagas.

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Esta entrevista integra uma série de conversas com os presidentes das seccionais da OAB eleitos para o triênio 2019-2021.

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