Opinião

Os entraves fiscais por trás da nova Lei de Falências

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24 de janeiro de 2019, 5h15

O acesso a novos recursos financeiros pode ser um elemento decisivo na recuperação de uma empresa em dificuldades. É por esse motivo que a falta de mecanismos para suprir a ausência de caixa, que assola muitas empresas em recuperação judicial, é apontada como uma das graves deficiências da Lei 11.101, de 2005.

Essa foi uma das razões por que o grupo de trabalho criado em 2016 pelo Ministério da Fazenda, para reforma da lei, gerou tanto entusiasmo. O grupo — formado por advogados, juízes, economistas, acadêmicos e representantes do governo — entregou uma proposta que buscava atualizar a lei vigente, corrigir suas falhas, e absorver as melhores práticas internacionais. O esforço, porém, foi profundamente alterado pelo Executivo, antes de ser encaminhado ao Congresso na forma do Projeto de Lei 10.220, de 2018.

Um dos pilares do projeto é facilitar a concessão de empréstimos a empresas em recuperação judicial — algo similar ao que nos Estados Unidos é conhecido como DIP financing. Com o tão desejado “dinheiro novo”, a empresa pode manter as suas atividades em funcionamento, gerar riquezas, reduzir a inevitável perda de valor e aumentar a perspectiva de recebimento de seus credores. Mas os financiadores só toparão colocar o dinheiro novo se tiverem a segurança de que ele será devolvido com prioridade sobre todos os outros créditos, mesmo que o negócio não prospere e a empresa vá à falência. Para endereçar a questão, o projeto prevê, no âmbito da recuperação judicial, um procedimento próprio — e já criticado por ser excessivamente burocrático — para a concessão de tais empréstimos prioritários, que envolve a apresentação de uma proposta, a sua deliberação pela assembleia geral de credores e a possibilidade de concessão de ativos em garantia.

Não é preciso dizer que toda a segurança que o projeto busca conferir ao financiador é menor se determinados credores puderem ignorar a prioridade conferida ao dinheiro novo, “furar a fila” e buscar a imediata satisfação de seus créditos contra a empresa em recuperação judicial. É exatamente essa a situação da Fazenda, que, graças à carga tributária exorbitante, à complexidade enlouquecedora da legislação e à inércia na cobrança, é a maior credora de muitas empresas endividadas.

No projeto, como na lei atual, as dívidas fiscais estão fora da recuperação judicial. Isso significa que as execuções fiscais — ao contrário daquelas movidas por credores comuns — não são suspensas, de modo que a Fazenda está livre para abiscoitar o patrimônio da empresa endividada. O projeto deixa claro que os atos de constrição de bens do devedor são decididos nas execuções movidas pelo Fisco, tirando do juiz da recuperação judicial o poder de proteger ativos essenciais à recuperação da empresa. Com isso, o dinheiro novo poderá ser atingido por execuções fiscais e ir parar nos cofres da Fazenda, o que reduz dramaticamente a probabilidade de um dia ser devolvido ao financiador.

Apesar de o Fisco não se sujeitar à recuperação judicial, o projeto contempla diversas medidas em seu favor. A necessidade de apresentação de certidão negativa de dívidas fiscais como requisito para que a recuperação judicial seja concedida — medida prevista na lei de 2005 e reiteradamente afastada pela jurisprudência ao longo dos anos — permaneceu intacta. Mas há novidades: agora, caberá ao administrador judicial zelar pela regularidade do passivo fiscal, e o não pagamento de tributos pode levar à decretação de falência da empresa. E na falência os tributos passíveis de retenção na fonte passam a ter prioridade sobre praticamente todos os créditos, inclusive sobre o dinheiro novo.

É importante que as dívidas fiscais sejam pagas. Mas também é importante que se garanta ao financiador que o dinheiro que ele concede à empresa endividada não será usado para o pagamento de outras dívidas. Não importa a carga moral da dívida: ainda que os valores sejam necessários para restituir tributos sonegados, alimentar famílias de ex-empregados ou reparar danos ambientais, não é o financiador que tem que pagá-los. O financiador tem que ter certeza de que os recursos serão empregados na atividade, de modo a viabilizar a devolução dos valores emprestados, devidamente remunerados com juros. Só depois de devolvido o dinheiro os demais credores poderão se regozijar dos benefícios por ele trazidos. Caso contrário, dificilmente haverá dinheiro novo.

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