Dificuldade estrutural

"Morosidade do Poder Judiciário é principal gargalo da advocacia"

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24 de janeiro de 2019, 8h00

A morosidade do Judiciário pernambucano é o principal gargalo para a advocacia, aponta Bruno Baptista, recém-eleito presidente da seccional local da Ordem dos Advogados do Brasil.

CAA-PE
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“Existem comarcas sem magistrados e membros do Ministério Público. Há insuficiência de servidores com ameaça de fechamento de comarca e diminuição do expediente forense”, conta.

Outro problema citado por ele é o não cumprimento das prerrogativas da advocacia, provocando a “perseguição” da classe, que é vista por alguns magistrados e autoridades como um “empecilho para a realização do seu trabalho”.

Favorável ao Exame de Ordem, o advogado pondera que há muitos cursos de Direito funcionando sem estrutura mínima, o que resulta num mercado inflado. "Em Pernambuco, por exemplo, são 49 cursos de Direito, com 11.159 vagas. Isso é muito mais do que o mercado pode absorver, além de conhecermos cursos que não possuem sequer a estrutura mínima para funcionar".

Com chapa única na disputa, Bruno Baptista foi eleito com cerca de 11 mil votos. Na OAB-PE foi tesoureiro e presidente da Caixa dos Advogados.

Leia a entrevista:

ConJur  — Quais os principais gargalos da advocacia no seu estado?
Bruno Baptista —
O principal gargalo é a morosidade do Poder Judiciário, especialmente no interior do estado. Existem comarcas sem magistrados e membros do Ministério Público. Há insuficiência de servidores com ameaça ainda de fechamento de comarca e diminuição do expediente forense. Além das restrições orçamentárias, trata-se de um problema muito sério de gestão e o Poder Judiciário tem que estar aparelhado para enfrentar isso.

Por outro lado, temos um número cada vez maior de advogados no mercado, o que acarreta, por vezes, uma concorrência predatória, especialmente por meio da cobrança de honorários em valores aviltantes. A OAB tem o dever de estar atenta para esses temas, atuando tanto de forma pedagógica, na base do diálogo, como tomando medidas mais duras no combate tanto da morosidade do Judiciário como na prevenção e repressão das infrações ético-profissionais.

ConJur  — O Tribunal de Contas da União decidiu, em novembro, que a OAB deve prestar contas ao tribunal. Como o senhor avalia a medida?
Bruno Baptista —
A decisão do Tribunal de Contas da União está equivocada e o Supremo Tribunal Federal, confirmando sua jurisprudência sobre o tema, deve confirmar a autonomia da OAB. A Ordem dos Advogados do Brasil não recebe verbas públicas, mas tão somente recursos advindos da própria advocacia. Além disso, por sua natureza sui generis, a OAB tem que manter a sua independência inclusive para criticar, sempre que necessário, o próprio TCU. Por outro lado, como contrapartida, acredito que a OAB deve evoluir no tocante à transparência na prestação de contas na advocacia e na implantação de sistemas de controle, compliance e de governança corporativa, que é o caminho que estamos adotando aqui em Pernambuco. Hoje temos regras rígidas de governança corporativa e somos auditados por uma das maiores empresas do mundo no segmento, o que nos dá uma grande tranquilidade e segurança.

ConJur  — Quais as principais prerrogativas desrespeitadas hoje?
Bruno Baptista —
Difícil apontar uma só ou algumas. A maior parte dos magistrados, membros do Ministério Público, servidores e autoridades policiais vêem no advogado um aliado na consecução dos seus objetivos que é, em última análise, fazer justiça. Todavia, há uma pequena parcela que nos enxerga como um empecilho para a realização do seu trabalho. Acho que é essa minoria que deve ser conscientizada sobre a essencialidade da advocacia – que tem previsão constitucional – e a sua importância. Por outro lado, sou completamente favorável à aprovação no Congresso Nacional do Projeto de Lei 8.347/2017, que criminaliza a prática de violação a direitos e prerrogativas da advocacia. Acredito que com isso haverá um maior respeito a essas garantias que funcionam como um escudo do cidadão.

ConJur  — O direito de defesa está enfraquecido?
Bruno Baptista —
É muito importante não confundir justiça com justiçamento. Estamos assistindo, muitas vezes, o atropelo do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa para o atendimento do clamor popular. Acredito que ninguém em sã consciência no país queira impunidade, especialmente para os crimes de colarinho branco, mas não é possível se jogar no lixo séculos de luta por direitos e garantias como a da presunção de inocência.

ConJur  — A OAB deve se colocar politicamente a favor do direito de defesa?
Bruno Baptista —
Acredito que a OAB deve se posicionar como defensora intransigente da Constituição da República, mesmo que isso, por vezes, a faça seguir caminhos contramajoritários. E a Constituição garante o direito ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório.

ConJur  — A OAB é democrática internamente?
Bruno Baptista —
Não tenho dúvidas que sim. Como todo regime democrático, podemos evoluir bastante em alguns aspectos, mas a OAB, como casa da cidadania e da democracia, não pode nunca deixar de dar o exemplo.

ConJur  — O que o senhor espera do superministério da Justiça?
Bruno Baptista —
Sinceramente torço para que dê certo. Há uma grande diferença do ofício da magistratura de primeiro grau, essencialmente solitária e onde a ordem é simplesmente acatada, independentemente da conjuntura, e o exercício de um cargo político como é o Ministério da Justiça, onde o diálogo e a temperança são essenciais para o sucesso. O certo é que o país vive uma situação muito difícil especialmente no tocante à violência e corrupção o que tem gerado, inclusive, uma verdadeira diáspora de talentos para o exterior. Algo deve ser feito neste sentido, mas sempre com profundo respeito à ordem jurídica do estado democrático e aos direitos fundamentais.

ConJur  — Qual o piso ideal para um iniciante?  
Bruno Baptista —
Em Pernambuco temos a Lei Estadual 16.116, de 11 de agosto de 2017, que estabelece um piso salarial de R$ 2 mil para até quatro horas diárias ou vinte horas semanais, e de R$ 3 mil para até oito horas diárias ou quarenta semanais, valores esses que devem ser reajustados pelo INPC a cada ano.

É, na minha opinião, pouco, mas foi o possível na época em que foi aprovado, eis que tínhamos conhecimento de advogados que recebiam o equivalente a um salário mínimo e até menos. Com a instituição do piso a situação já melhorou e temos que lutar pelo respeito irrestrito a esses valores e uma valorização maior da carreira, o que, certamente, acarretará no pagamento de remunerações melhores para os advogados iniciantes.

ConJur  — Recentemente, o presidente Bolsonaro manifestou contra o Exame de Ordem aplicado aos recém-formados. Na ocasião, ele disse que o exame cria “boys de luxo de escritórios de advocacia”. Em sua opinião, o modelo do exame precisa ser revisto? A quem cabe fiscalizar o curso de Direito?
Bruno Baptista —
Sou completamente favorável ao Exame de Ordem, cuja existência é fundamental para a preservação da qualidade da prestação do serviço jurídico, que lida com bens preciosos da vida do ser humano. Acredito, inclusive, que a tendência é a adoção, por outras carreiras, do exame de habilitação para o exercício profissional.

Todavia, acredito que o modelo do exame pode evoluir, de modo a aferir, de forma cada vez mais eficiente, a capacidade de raciocínio e o conhecimento jurídico do bacharel. Sobre os cursos jurídicos, a minha opinião é no sentido de que o parecer da OAB deveria ter caráter vinculativo na abertura de novas vagas. Em Pernambuco, por exemplo, são 49 cursos de Direito, com 11.159 vagas. Isso é muito mais do que o mercado pode absorver, além de conhecermos cursos que não possuem sequer a estrutura mínima para funcionar.

ConJur  — O senhor é a favor de segundo turno nas eleições da OAB? O Conselho Seccional deve ser eleito separadamente da chapa do presidente?
Bruno Baptista —
Acredito que o nosso modelo eleitoral pode evoluir, com a discussão de temas como a proporcionalidade na representação das chapas que disputam o pleito, o fim ou a diminuição da cláusula de barreira para a jovem advocacia, assim como regras mais rigorosas de limites de gastos e prestações de contas das campanhas eleitorais. Todavia, acredito ser importante, até por uma questão de alinhamento, que a eleição do conselho seccional se dê no mesmo momento da eleição do presidente e entendo que a realização de um segundo turno, além de não ter previsão legal, só contribuiria para um aumento dos custos com a eleição sem uma contrapartida efetiva de ganho de legitimidade dos eleitos.

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Esta entrevista integra uma série de conversas com os presidentes das seccionais da OAB eleitos para o triênio 2019-2021.  

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