Opinião

Redução de benefícios futuros é solução para déficit na previdência complementar

Autor

  • Bruno Macedo Dias

    é advogado diretor de Seguridade e Jurídico na Fapes (Fundação de Assistência e Previdência Social do BNDES) LL.M. pela London School of Economics and Political Science e graduado pela PUC-Rio.

24 de janeiro de 2019, 11h45

Apesar da melhora de resultados nas Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPCs) nos últimos anos, a Abrapp, associação do setor, informa que 88 entidades fechadas de previdência complementar acumulavam um déficit de R$ 45,6 bilhões até julho de 2018. Além da questão envolvendo o difícil momento da economia brasileira, deve-se atentar para o fato de que talvez os mecanismos disponíveis para o reequilíbrio econômico-financeiro-atuarial dos planos não estejam sendo utilizados em todo o seu potencial.

Tradicionalmente, os déficits no setor são tratados por meio de planos de equacionamento que, via de regra, impõem contribuições extraordinárias na forma do artigo 21, parágrafo 1º, da Lei Complementar 109/2001[1]. Calcula-se o déficit atuarial e divide-se a conta entre patrocinador e participante, este último por meio do pagamento mensal de uma parcela do salário.

Embora comum, tal solução encontra pelo menos dois problemas. O primeiro consiste no fato de que, obviamente, a contribuição extraordinária gera enorme insatisfação entre os participantes, que, na prática, vêm sua remuneração reduzida em virtude da imposição de nova alíquota.

Isso nos leva ao segundo problema: a insegurança jurídica ocasionada por diversas ações questionando as contribuições extraordinárias sob o fundamento de que estariam comprometendo parcela superior ao limite legal permitido. Em alguns casos de fundos de pensão de estatais, as contribuições extraordinárias chegaram a 45% da remuneração líquida, mas tiveram a cobrança suspensa por liminar.

Ocorre que o mesmo artigo 21, parágrafo 1º, da LC 109/2001 prevê a possibilidade de as EFPCs utilizarem outras formas de equacionamento, como, por exemplo, a redução do valor dos benefícios a conceder. Nesse contexto, a lógica do legislador parece ter sido muito simples: sendo certo que o déficit atuarial é calculado com base no ingresso de recursos versus os compromissos futuros assumidos pelo plano de benefícios, ao reduzirem-se direitos, o déficit é automaticamente impactado.

Embora possível, este caminho nunca havia sido utilizado pelos fundos de pensão, talvez porque a legislação tenha sido criada em um momento quando os planos ainda eram majoritariamente superavitários. Ou ainda pelo fato de que a redução de direitos implica em alteração regulamentar, o que pode ensejar questionamentos judiciais e um maior tempo de tramitação do processo.

Diante de um déficit de cerca de R$ 2 bilhões, a Fapes, fundo de pensão dos empregados do BNDES, decidiu revisitar a legislação e investir nessa forma de equacionamento. Um dos únicos planos de benefício definido ainda abertos no mercado, que se manteve sem reformas substanciais mesmo quando as demais EFPCs se reestruturaram para se adequarem ao aumento da expectativa de vida, o plano da Fapes demandava uma solução para retomar o equilíbrio.

Foram meses de debates com as entidades representativas dos 5 mil participantes, com o cuidado de manter também a comunicação de cada nova etapa do processo com o patrocinador e com os órgãos de controle, para que não houvesse surpresas, e sim consenso.

Decidiu-se pela alteração do regulamento contendo a redução dos percentuais de pensão e pecúlio, o que permitiu a aplicação de uma alíquota de apenas 0,04% para os ativos e de 0,57% para os aposentados, cerca de 12 vezes menor do que seria descontado da remuneração caso a entidade tivesse optado pelo caminho tradicional da contribuição extraordinária.

O risco de judicialização está minimizado, uma vez que o embasamento das medidas está no fato de que a pensão e o pecúlio são meras expectativas de direito, que passam a ser adquiridos somente com o falecimento do participante. Esse é o entendimento demonstrado no Parecer 53/2017 da Procuradoria Federal, mediante consulta feita pela própria Previc, órgão regulador da previdência complementar fechada.

Com sólida base jurídica e ampla divulgação aos participantes, a Previc aprovou o novo regulamento da Fapes em dezembro de 2018, o que viabilizou o primeiro plano de equacionamento com redução de direitos futuros do país.

Ele representa um marco para o setor e um importante mecanismo para o reequilíbrio econômico-financeiro-atuarial dos planos de benefícios, sobretudo quando o Brasil mais precisa de sustentabilidade na previdência, seja ela pública ou privada.


[1] Art. 21. O resultado deficitário nos planos ou nas entidades fechadas será equacionado por patrocinadores, participantes e assistidos, na proporção existente entre as suas contribuições, sem prejuízo de ação regressiva contra dirigentes ou terceiros que deram causa a dano ou prejuízo à entidade de previdência complementar.
§ 1º O equacionamento referido no caput poderá ser feito, dentre outras formas, por meio do aumento do valor das contribuições, instituição de contribuição adicional ou redução do valor dos benefícios a conceder, observadas as normas estabelecidas pelo órgão regulador e fiscalizador.
§ 2º A redução dos valores dos benefícios não se aplica aos assistidos, sendo cabível, nesse caso, a instituição de contribuição adicional para cobertura do acréscimo ocorrido em razão da revisão do plano.

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    é advogado, diretor de Seguridade e Jurídico na Fapes (Fundação de Assistência e Previdência Social do BNDES), LL.M. pela London School of Economics and Political Science e graduado pela PUC-Rio.

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