Valor da profissão

"Piso salarial deve ser adequado à realidade socioeconômica regional"

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22 de janeiro de 2019, 8h00

Para definir o piso salarial da advocacia é preciso considerar a realidade socioeconômica regional onde o profissional trabalha. É o que afirma o presidente da seccional paraibana da Ordem dos Advogados do Brasil, Paulo Maia, recém-eleito para seu segundo mandato.

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Segundo o advogado, só é possível traçar valor mínimo quando se trata de um “advogado empregado e regido pela CLT”. O piso salarial, diz, deve contemplar “o atendimento das necessidades essenciais da subsistência [do advogado] com a dignidade da profissão. Não é algo fácil. Muitos estados possuem lei própria que define o valor do piso salarial do advogado”.

Em relação aos principais gargalos enfrentados pela advocacia em seu estado, Maia destacou que há ineficiência do Judiciário estadual que, além de ser excessivamente lento, sofre com a insuficiência de servidores. "Na Paraíba há necessidade de cinquenta juízes para o preenchimento das comarcas do estado. Mas há também o quadro insuficiente de servidores, que, por sua vez, não são capacitados para as novas exigências do Judiciário frente aos serviços prestados à sociedade", explica o advogado.

Leia a entrevista:

ConJur  — Quais os principais gargalos da advocacia no seu estado?
Paulo Maia —
A atual ineficiência do Poder Judiciário Estadual, sobretudo no primeiro grau, onde tanto nas comarcas de primeira entrância, situadas em cidades mais carentes, como nas localizadas nos grandes centros, se lida com excessiva demora na prestação jurisdicional. Essa situação decorre, entre outros fatores, da baixa capacidade instalada do Poder Judiciário no Brasil, que nada mais é do que a falta de juízes em diversas comarcas. Na Paraíba há necessidade de cinquenta juízes para o preenchimento das comarcas do estado. Mas há também o quadro insuficiente de servidores, que, por sua vez, não são capacitados para as novas exigências do Judiciário frente aos serviços prestados à sociedade. Tudo isso torna extremamente difícil o trabalho da advocacia, cujos efeitos diretos, contudo, são percebidos na sociedade e no cidadão que busca o Judiciário.

ConJur  — O Tribunal de Contas da União decidiu, em novembro, que a OAB deve prestar contas ao tribunal. Como o senhor avalia a medida?
Paulo Maia —
Entendo, com todo respeito ao TCU, que essa decisão não tem qualquer efeito jurídico. Na ADI 3026, o Supremo Tribunal Federal debruçou-se sobre a natureza jurídica da OAB e declarou que a Ordem não se submeteria aos mesmo ditames que são impostos aos órgãos da administração pública direta e indireta por não se constituir em entidade desta estrutura. O entendimento foi de que a Ordem é um serviço público independente, a lhe conferir o caráter de uma categoria sui generis no rol das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro, não estando também sujeita a controle da administração. Com esta decisão, o Supremo reforçou a independência da OAB para o cumprimento de suas atribuições sociais previstas no artigo 44, I, do nosso Estatuto (Lei 8906/94).

ConJur  — Quais as principais prerrogativas desrespeitadas hoje?
Paulo Maia —
Infelizmente nos deparamos com inúmeras violações de prerrogativas da advocacia. O mais grave, além da violação em si, é a não compreensão de que as prerrogativas são exercidas pelo advogado, mas pertencem ao cidadão. Além de que, não são privilégios corporativos, mas verdadeiras garantias da cidadania. O não atendimento de advogados por juízes é uma das reclamações mais recorrentes, mas há muitas outras que impedem ou dificultam o trabalho do profissional da advocacia prejudicando, assim, a defesa do direito da parte que o procura.

ConJur  — O direito de defesa está enfraquecido?
Paulo Maia —
Estamos passando por um momento de turbulência social em que a população por não mais suportar a ineficiência do Estado frente à grave questão da segurança pública e encontra respostas em soluções veiculadas por vozes extremistas, que apresentam mecanismos já extirpados há muito da vida em sociedade. Com isso, o direito inalienável e fundamental de defesa é gravemente atingido: o advogado é equiparado ao criminoso ou ao crime praticado e as garantias do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa são consideradas como entraves no combate à criminalidade e a corrupção.

ConJur  — A OAB deve se colocar politicamente a favor do direito de defesa?
Paulo Maia —
A OAB sempre se colocará a favor do direito de defesa, mesmo que sua posição seja contramajoritária, por entendê-lo como direito fundamental individual e garantia de uma ordem social justa. Suas posições nesse sentido são históricas, como, por exemplo,na apreciação pelo Supremo da execução da pena após condenação em segunda instância. Na ocasião, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, na ADC 44, pedia a suspensão da execução antecipada da pena de todos os acórdãos prolatados em segunda instância, por entender que a Constituição assegura o cumprimento de pena só após o trânsito em julgado da decisão.

ConJur  — A OAB é democrática internamente?
Paulo Maia —
A OAB internamente é dividida em órgãos colegiados, como as diretorias dos Conselhos Federal, das seccionais e das subseções e os Conselhos Federal e seccionais. As discussões sobre os temas mais relevantes na OAB sempre são submetidas aos seus órgãos colegiados, até como condição de validade formal, o que revela sua natureza democrática.

ConJur  — O que o senhor espera do superministério da Justiça?
Paulo Maia —
Compete ao Poder Executivo estabelecer os critérios de sua organização interna, obviamente respeitando os fins sociais, os fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil. Como cidadão e destinatário das políticas públicas, espero que a nova estrutura do Ministério possa atender os objetivos da pasta e entregar os serviços necessários e indispensáveis ao combate à corrupção e a criminalidade.

ConJur  — Qual o piso ideal para um iniciante?  
Paulo Maia —
Só podemos falar de piso se estivermos a tratar de um advogado empregado e regido pela CLT. Nesse aspecto, o piso salarial cuida de um valor mínimo que deve ser pago considerando a realidade socioeconômica regional onde o profissional trabalha, permitindo que se perceba um valor que contemple o atendimento das necessidades essenciais de sua subsistência com a dignidade da profissão. Não é algo fácil. Muitos estados possuem lei própria que define o valor do piso salarial do advogado empregado, nos termos do que prescreve a Lei Complementar 103/2000.

ConJur  — Recentemente, o presidente Bolsonaro manifestou contra o Exame de Ordem aplicado aos recém-formados. Na ocasião, ele disse que o exame cria “boys de luxo de escritórios de advocacia”. Em sua opinião, o modelo do exame precisa ser revisto? A quem cabe fiscalizar o curso de Direito?
Paulo Maia —
O Exame de Ordem não só pode como deve ser alvo de contínua mudança, pois é ínsita à vida em sociedade a busca constante pelo aprimoramento em todas as suas esferas e ele se revela como um importante instrumento de valorização da advocacia em seu papel social de controle, sobretudo em face de um cenário de proliferação descriteriosa e equivocada de novos cursos jurídicos.

A fiscalização dos cursos jurídicos, pelo ângulo da regulação ou supervisão educacionais, compete aos órgãos mencionados na Lei 10.861/2004, que institui o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, mas, convém salientar que a OAB tem competência por lei para fiscalizar a advocacia enquanto profissão regulamentada. A portaria MEC 1.874/2005 determinava que a Ordem poderia protocolizar junto à Secretaria de Educação Superior comunicados sobre a existência de cursos jurídicos que apresentassem indícios de irregularidades ou de condições precárias de funcionamento.

A fiscalização pela OAB é mais um mecanismo de controle da qualidade dos cursos jurídicos, sendo, portanto, positivo sob este viés, e cuida de uma ação naturalmente vinculada à aplicação do seu Código de Ética e não da regulação ou supervisão educacionais.

ConJur  — O senhor é a favor de segundo turno nas eleições da OAB? O Conselho Seccional deve ser eleito separadamente da chapa do presidente?
Paulo Maia —
O processo eleitoral da OAB é muito parecido com o processo eleitoral regido pelo Código Eleitoral e sofre constantes mudanças, visando sempre conferir à escolha de seus representantes os mesmos avanços das eleições gerais, mas guarda a cautela quanto a outros elementos, principalmente de sua aplicabilidade às particularidades das eleições da ordem. A eleição em turnos e a separação da votação do conselho seccional da do presidente são aspectos do processo eleitoral da OAB que estão sendo observados e avaliados para implementação.

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Esta entrevista integra uma série de conversas com os presidentes das seccionais da OAB eleitos para o triênio 2019-2021.

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