Estado de exceção

"Delação é tão equivocada que costuma resultar em não homologação"

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21 de janeiro de 2019, 8h00

A delação premiada, embora tenha êxito em outros países, no Brasil é manejada de forma tão equivocada que resulta na não homologação do acordo. Um dos fatores é que muitas vezes o delator não apresenta provas e usa do instituto apenas para diminuir sua pena. A opinião é do presidente da seccional paraense da Ordem dos Advogados do Brasil, Alberto Campos.

OAB-PA
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“Não concebo como razoável que tenhamos evoluído quanto aos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos a partir da promulgação de nossa balzaquiana Carta Magna, para agora voltarmos ao século passado, sobrevalorizando institutos que se assemelham à tortura para punir aqueles que praticam atos ilícitos ou deles obter denúncias”, diz o advogado, recém-eleito para seu segundo mandato à frente da OAB-PA.

Campos considera que nos últimos anos houve um retrocesso na política criminal, sendo comum prender primeiro para depois produzir prova. “Afasta-se o cidadão do convívio social, restringindo a sua liberdade para constrangê-lo, para não dizer obrigá-lo a fazer delações premiadas, para depois avaliar efetivamente sua conduta”, crítica.

Além disso, aponta que uma das principais dificuldades no dia a dia da advocacia paraense é o acesso aos autos de inquérito policial nas delegacias. “Algumas autoridades inclusive demonstram desconhecer a Lei 13.245/2016, que alterou o Estatuto da OAB e da advocacia, garantindo e tornando obrigatória a presença e assistência de investigados por advogado nessa fase”, conta.

Segundo o advogado, há um grande problema de infraestrutura no estado, de forma que, para ir para uma comarca do interior, é preciso usar três meios de transporte. Além disso, uma lacuna entre o advogado e o Processo Judicial Eletrônico (PJe) por falta de acesso a internet de qualidade.

Leia a entrevista:

ConJur — Quais os principais gargalos da advocacia no seu estado?
Alberto Campos —
O Pará é um estado com grande dificuldade de acesso. Várias vezes, para ir da capital para comarcas do interior, é necessário utilizar três meios de transporte diferentes: avião, barco e carro, por isso carecemos muito de infraestrutura no interior, principalmente. A implantação do Processo Judicial Eletrônico aqui é bem complicada porque não somos dotados de uma internet de qualidade que propicie a tranquilidade e celeridade que o PJE se dispõe a ter. Esse problema, aliado ainda a violações de prerrogativas nas localidades mais distantes e isoladas do nosso estado, é, no nosso sentir, desafios que deveremos enfrentar no próximo triênio. Dotar as subseções de infraestrutura adequada e estar mais próximo da advocacia mais distante da capital para defender a advocacia de violações ao exercício profissional.

ConJur — O Tribunal de Contas da União decidiu, em novembro, que a OAB deve prestar contas ao tribunal. Como o senhor avalia a medida?
Alberto Campos —
Uma tentativa de enfraquecer a nossa instituição. A medida é inócua, pois, além de o TCU ser um tribunal administrativo auxiliar do Poder Legislativo, ele não tem competência para fiscalizar as contas da OAB. Isso por dois motivos: sua condição de autarquia sui generis, e porque o próprio Supremo Tribunal Federal, ao definir essa condição anômala da nossa instituição, afastou a possibilidade do controle por parte do TCU, até porque a OAB investe bastante em serviços de auditoria, controle e fiscalização de suas contas que são apreciadas em análise prévia pelos conselhos seccionais e depois submetidas ao Conselho Federal, em atenção ao sistema federativo base da Constituição Federal. A decisão do TCU, de cunho meramente administrativo, não tem a competência de reformar a decisão da mais alta corte de Justiça do nosso país, responsável pelo controle final de decisões judiciais e administrativas em sede constitucional.

ConJur — Quais as principais prerrogativas desrespeitadas hoje?
Alberto Campos —
Por incrível que pareça, ainda temos problemas com o acesso aos autos de inquérito policial nas delegacias. As autoridades criam enormes dificuldades para que o advogado ou advogada, mesmo munido de procuração, participe da primeira fase da persecução penal. Algumas autoridades inclusive demonstram desconhecer a Lei 13.245/2016, que alterou o Estatuto da OAB e da advocacia, garantindo e tornando obrigatória a presença e assistência de investigados por advogado nessa fase. Temos agido através da Comissão de Prerrogativas de maneira incontinenti quando essa violação ocorre e via de regra o problema é solucionado no momento, evitando, portanto, grandes prejuízos à defesa e ao próprio processo. O problema está, volto a frisar, quando essa violação se dá nos rincões mais distantes e isolados do nosso estado.

ConJur — O direito de defesa está enfraquecido?
Alberto Campos —
Eu diria que está havendo um retrocesso na política criminal em nosso país, pois estamos retornando ao momento no qual se via mais o crime e sua gravidade e menos a pessoa do cidadão que por alguma razão transgrediu normas. Hoje, com raras exceções, primeiro se prende para depois perquirir prova, afasta-se o cidadão do convívio social, restringindo a sua liberdade para constrangê-lo, para não dizer obrigá-lo a fazer delações premiadas, para depois avaliar efetivamente sua conduta e essas segregações ditas temporárias — que deveriam ser exceção, mas estão se tornando regra e praticamente transformando-se de medidas cautelares em penas antecedentes à análise da conduta. A advocacia criminal tem se insurgido contra esse Estado punitivista, mas precisamos reagir enquanto instituição também.

ConJur — A OAB deve se colocar politicamente a favor do direito de defesa?
Alberto Campos —
A OAB tem como função institucional defender a Constituição e o Estado Democrático de Direito, é o que se afere do artigo 44, I do nosso estatuto (Lei. 8. 906/94). Portanto, não pode se omitir na defesa desse direito constitucional de todo cidadão.

ConJur — A OAB é democrática internamente?
Alberto Campos —
Não podemos esquecer que afora as funções institucionais que a OAB possui, também é uma corporação de profissionais. Como tal, detém seu próprio regramento eleitoral, que se aperfeiçoa a cada período eleitoral através de provimentos emanados do Conselho Federal e que procura acompanhar as alterações da legislação eleitoral da nossa federação. Cito a proibição de doação de pessoa jurídica, a vedação de abuso do poder econômico, dentre outras. Nossas eleições são uma grande festa da democracia e, com raras exceções, após o pleito, deixamos as divergências de lado e todos nós voltamos a ser do mesmo partido, a OAB.

ConJur — O que o senhor espera do superministério da Justiça?
Alberto Campos —
Vejo a iniciativa com certo ceticismo, seja pelo seu mandatário, seja por sua implementação. Quando esteve à frente dos processos de repercussão de todos, o “superministro” conduzia da forma como critiquei acima. Ele é um dos grandes defensores da delação premiada, instituto que, embora exitoso em países como a Itália e os Estados Unidos, no Brasil é manejado de forma tão equivocada que em várias oportunidades resulta em não homologação. Em outras, se percebe que o delator fez uso do instituto, inventando fatos desprovidos de qualquer prova que os corroborem, apenas para tentar minorar sua pena, importam em anulação do ato, daí minhas preocupações.

Quanto ao 'status' de superministério, preocupo-me fortemente com o 'estado de polícia' que parece estar sendo montado. Não concebo como razoável que tenhamos evoluído quanto aos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos a partir da promulgação de nossa balzaquiana Carta Magna, para agora voltarmos ao século passado, sobrevalorizando institutos que se assemelham à tortura para punir aqueles que praticam atos ilícitos, ou deles obter denúncias.

Eu que me formei ainda sob a construção da Constituição Federal de 1988, e assisti bem jovem a redemocratização do país, sinto-me em Estado brasileiro de retrocesso jurídico quando assisto o “estado de polícia” em processo de remontagem. Espero, estar completamente equivocado, e que a Constituição Federal permaneça hígida, com nossas instituições em pleno funcionamento. De minha parte, espero poder contribuir para o fortalecimento das instituições, permanecendo na luta contra arbitrariedades, vivendo em um mundo com seres humanos, com vícios e virtudes que cada um possui, e não em um mundo de quadrinhos, eivado de vilões e super-heróis.

ConJur — Qual o piso ideal para um iniciante?  
Alberto Campos —
Essa questão tem que ser avaliada de forma regional, pois a nossa realidade no Norte é diferente das demais regiões do país. Fizemos através da comissão da jovem advocacia um estudo criterioso a respeito do tema e iremos debater no próximo conselho. O piso salarial precisa ser avaliado levando-se em consideração a capacidade de desembolso do empregador também, que, novamente volto ao tema, em um 'país como é o Pará', nem sempre o que se paga na capital, por exemplo, pode ser efetivado em algumas subseções do interior.

ConJur — Recentemente, o presidente Bolsonaro manifestou-se contra o Exame de Ordem aplicado aos recém-formados. Na ocasião, ele disse que o exame cria 'boys de luxo de escritórios de advocacia'. Em sua opinião, o modelo do exame precisa ser revisto? A quem cabe fiscalizar o curso de Direito?
Alberto Campos —
O Exame de Ordem hoje é necessário, pois a política do Ministério da Educação nos últimos anos foi autorizar cursos contra o parecer opinativo da OAB e de forma indiscriminada, transformando o órgão em um grande balcão de negócios. A expressão utilizada pelo mandatário da República é no mínimo infeliz e distorcida da realidade. Espero é que ele altere essa política e conceda à OAB o poder de veto à criação de cursos e a imediata avaliação dos já existentes com a suspensão ou até fechamento daqueles que não possuem as mínimas condições de funcionamento. Além de que, a OAB elabora seus pareceres prévios, faz uso de suas comissões das seccionais para fazer visitar in loco de cada IES, portanto, esses pareceres não são desconectados da realidade como o MEC tenta fazer crer ao autorizar cursos em demasia.

ConJur — O senhor é a favor de segundo turno nas eleições da OAB? O conselho seccional deve ser eleito separadamente da chapa do presidente?
Alberto Campos —
Aqui no Pará, via de regra, só disputam duas chapas e não acho, por hora, necessário haver a previsão de segundo turno. Acho que o modelo atual das eleições na nossa instituição permite a escolha democrática e independente dos seus mandatários.

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Esta entrevista integra uma série de conversas com os presidentes das seccionais da OAB eleitos para o triênio 2019-2021.

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