Opinião

Portaria PGFN 742 é um grande avanço na relação Fisco-contribuinte

Autores

  • Andréa Mascitto

    é sócia da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados vice-presidente jurídica da Câmara de Comércio Brasil-Canadá membro da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB-SP professora de Direito Tributário da FGVlaw mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo especialista em Direito Tributário pela FGVlaw e co-coordenadora do Grupo de Pesquisa "Métodos Alternativos de Resolução de Disputa em Matéria Tributária" do Núcleo de Direito Tributário da FGV Direito SP.

  • Leonardo Augusto Bellorio Battilana

    é sócio do Veirano Advogados membro da Comissão Direito Tributário da OAB/SP e coordenador do Comitê de Tributação do Setor de Energia e pós-graduado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP).

  • Bruno Lorette Corrêa

    é associado da área tributária do Pinheiro Neto Advogados.

18 de janeiro de 2019, 5h40

O ano de 2019 começa com uma grande novidade no âmbito das cobranças judiciais de débitos inscritos em dívida ativa da União: contribuintes poderão negociar diretamente com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) condições para pagamento dos débitos e oferecimento de garantias.

A Portaria PGFN 742, publicada em 28/12/2018, disciplinou a possibilidade de celebração de negócio jurídico processual (NJP) em sede de execução fiscal, prevendo agendamento de reuniões para discussão de propostas e contrapropostas de parte a parte.

O fundamento para edição da portaria decorre da previsão do artigo 190 do Código de Processo Civil, segundo a qual: “Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo”.

A novidade trazida pela PGFN tem por objetivo acentuar a solução de litígios tributários com aumento da efetiva recuperabilidade do estoque da dívida ativa. A menção ao NJP já havia sido trazida pela Portaria PGFN 33/2018, que, em seu artigo 38, autorizou sua celebração para “recuperação de débitos em tempo razoável”. Vale lembrar que a Portaria PGFN 33/2018 cuida do oferecimento de garantia antecipada à execução fiscal e apresentação de pedidos de revisão de débitos inscritos em dívida ativa. Agora, essa nova portaria foca nos débitos já executados.

Em meados de 2018, a PGFN também publicou a Portaria PGFN 360/2018 para autorizar procuradores a celebrarem NJP com os contribuintes para cumprimento de decisões judiciais, confecção ou conferência de cálculos, recursos (inclusive a desistência) e inclusão de crédito fiscal e FGTS no quadro geral de credores. Em agosto do mesmo ano, a PGFN também publicou a Portaria 515, que trata dessa prática para situações nas quais a União é a devedora.

A Portaria PGFN 742 vem em boa hora, num momento em que o país vive uma possível saída da crise que o assolou nos últimos anos, pois garante aos contribuintes a possibilidade de diálogo com a Fazenda Nacional no âmbito das execuções fiscais, o que permitirá que seja realizada a autocomposição de conflitos que poderiam durar anos a fio e gerar altos custos para ambos o poder público e os próprios contribuintes.

Segundo estabelece esse novo dispositivo, a Fazenda Nacional e os contribuintes poderão negociar assuntos relacionados (i) à calendarização da execução fiscal; (ii) ao plano de amortização do débito fiscal; (iii) à aceitação, avaliação, substituição e liberação de garantias; e (iv) ao modo de constrição ou alienação de bens.

Outra novidade trazida pela portaria foi o fato de as empresas em recuperação judicial também poderem negociar suas dívidas com o Fisco federal. Uma boa notícia aos contribuintes é a possibilidade de negociar as garantias a serem apresentadas no NJP.

De acordo com as informações veiculadas na imprensa pela própria PGFN, a ideia da portaria é buscar a maior eficiência na recuperação dos créditos tributários. Além disso, esse dispositivo busca eliminar a dificuldade muitas vezes encontrada pela PGFN em localizar os contribuintes executados e seus ativos (especialmente ativos com grande liquidez), estimulando que esses contribuintes espontaneamente entrem em contato com a PGFN para resolução de questões relacionadas a seus débitos e garantias.

É que, recorrentemente, as condições enfrentadas pelos contribuintes em execuções fiscais com relação a prazos e condições do pagamento dos débitos — e a intransigência muitas vezes verificada pela Fazenda Nacional na aceitação de garantias — acarretam processo muito mais gravoso.

Tal fato por diversas vezes impede a manutenção das atividades econômicas dos contribuintes, o que, no longo prazo, prejudica os interesses arrecadatórios da própria Fazenda Nacional.

E isso a Portaria PGFN 742 propôs-se a alterar. Afinal, uma relação de afastamento entre as partes e falta de diálogo não atende nem ao interesse da Fazenda Nacional, na qualidade de credora, que muitas vezes não conseguirá a satisfação do seu crédito, mesmo que parcial, e muito menos aos interesses do contribuinte devedor, que busca satisfazer suas dívidas ou discutir seu direito da forma menos onerosa.

Assim é que a Portaria PGFN 742 estabelece todos os requisitos para o processamento e aceitação do NJP, tais como a documentação que deve ser apresentada pelo contribuinte, os critérios de análise dos pedidos de NJP pelos procuradores da Fazenda Nacional, a necessidade de sua formalização perante o juízo e suas hipóteses de rescisão.

A portaria também prevê hipóteses de rescisão do NJP, quais sejam: falta de pagamento de duas amortizações mensais, constatação de ato tendente a esvaziamento patrimonial, decretação de falência, declaração de inaptidão da inscrição no CNPJ e descumprimento das cláusulas estipuladas no NJP, dentre outras.

A nosso ver, a portaria é um grande salto para a evolução na relação Fisco-contribuinte, pois ampliará consideravelmente o diálogo entre as partes na execução fiscal e facilitará a resolução de conflitos de interesses nesses processos, especialmente se esse diálogo se mostrar razoável na prática.

Por se tratar de um instituto novo dentro do contencioso tributário, os contribuintes devem ficar alertas quanto à possibilidade de utilização do NJP como nova alternativa para solução de litígios, bem como acompanhar a progressão e eventuais precedentes judiciais sobre o assunto, a fim de estarem preparados para valer dessa nova prerrogativa nos seus casos específicos.

Esse novo cenário de flexibilização e diálogo que tem sido promovido pela PGFN, se concretizado, tem muito agregar ao país e a relação entre credor e devedor tributário. Esperamos que o instituto seja adequadamente utilizado e que a Fazenda Nacional aja com equidade ao considerar os pleitos dos contribuintes, para que os interesses de todos sejam contemplados pelo NJP.

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