Limite Penal

Faz diferença o advogado game-changer no jogo processual?

Autores

  • Aury Lopes Jr.

    é advogado doutor em Direito Processual Penal professor titular no Programa de Pós-Graduação Mestrado e Doutorado em Ciências Criminais da PUC-RS e autor de diversas obras publicadas pela Editora Saraiva Educação.

  • Alexandre Morais da Rosa

    é juiz de Direito de 2º grau do TJ-SC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) e doutor em Direito e professor da Univali (Universidade do Vale do Itajaí).

  • Daniel Kessler de Oliveira

    é doutor e mestre em Ciências Criminais pela PUC-RS. Professor nas áreas do direito penal e processo penal na Universidade Feevale em Novo Hamburgo. Advogado criminalista.

18 de janeiro de 2019, 7h00

Spacca
Em determinados esportes, como basquete e beisebol, cunhou-se uma expressão para designar aquele jogador dotado de atributos e atitudes capazes de mudar um jogo, de fazer a diferença, de chamar a responsabilidade para si em momentos decisivos, definindo-o como um game-changer.

A partir da concepção do processo penal como um jogo e de sua apreciação através dos preceitos da Teoria dos Jogos[1], podemos trazer essa figura do game-changer para dentro do processo penal e, mais especificamente, analisando a postura e o papel do advogado e da advogada criminalista nesse contexto.

O jogo processual por diversas vezes aparece como um jogo de cartas marcadas[2], no qual há uma nítida preponderância dos elementos colhidos no inquérito policial, com a convicção do julgador sendo formada no inquérito e este mesmo julgador (por força da regra da prevenção) adentrando no processo penal tendencialmente contaminado com os elementos colhidos no inquérito policial[3].

Essa situação se apresenta ainda mais gravosa quando esse mesmo julgador deferiu medidas cautelares, sejam elas reais ou pessoais, e com isso já adentrou à análise da questão, sendo informado por uma versão exclusivamente acusatória, de modo a prevalecer a primeira impressão do julgador e tornando todas as versões subsequentes mais facilmente refutadas[4].

Todos esses elementos, acrescidos de uma matriz autoritária que condiciona as expectativas e a atuação do julgador[5], em uma sistemática que possibilita uma postura ativa do magistrado, torna o jogo processual, muitas vezes, um teatro de roteiro pré-estabelecido, um jogo de placar combinado.

Mas há nessa estrutura alguém que esteja (ou deve estar) com intenção e em condições de mudar esse jogo, de ser o verdadeiro game-changer desse processo penal: o advogado!

Em uma estrutura concebida tal como esta, não raras vezes se espera que o processo transcorra para o seu desfecho pretendido pela maioria e que a condenação já mentalmente planejada venha a ser legitimada pela observância de um rito procedimental.

O que fará do processo penal um direito para além de um mero procedimento de sucessão de atos é a atuação dos jogadores em respeito e defesa dos direitos trazidos através do processo.

Só que nesse contexto alguém precisa lutar por essa efetivação, alguém necessita estar disposto a enfrentar essa aparente normalidade do fluxo processual rumo à condenação.

Quem está disposto a se arriscar em nome disso? Será o julgador que, observando a Constituição, irá zelar pelo efetivo respeito às regras do jogo processual, podendo anular todo um processo e arcar com os custos sociais de decisões dessa natureza?

Ou será que o Ministério Público, enquanto jogador, arriscaria seu prestígio institucional enquanto órgão investido do poder de acusar para frear atos em contrariedade à legislação processual?

Dificilmente algum desses atores estariam dispostos a arriscar a própria pele na defesa dos direitos processuais. Principalmente por não ser isso que se espera (do ponto de vista de expectativas sociais) de sua atuação.

Mas o verdadeiro game-changer deve sempre estar disposto a arriscar a própria pele[6], a enfrentar o placar imaginado, o resultado dado como certo, e conseguir mudar o jogo.

Esse parece ser o desafio da advocacia criminal no século XXI: mudar o jogo. Mudar o jogo dentro das regras, mudar o jogo pelas regras, alcançar o resultado lutando para que as regras sejam respeitadas.

Conseguir isso sem desrespeitar limites legais, sem acabar com o jogo, sem romper parâmetros éticos é o que faz um advogado ter sucesso no jogo processual. Por óbvio que, como se diz no jargão futebolístico cada jogo é um jogo, as variantes de estratégias, fundamentos e atuações são inúmeras, mas o advogado deve estar sempre em condições de mudar o jogo, e para isso não lhe basta apenas a determinação, é preciso o talento, o conhecimento da regra e do jogo, pois do contrário a tentativa de mudar o jogo será confundida com antijogo, e isso certamente o conduzirá ao insucesso.

Quantos são os advogados que hoje se debruçam a compreender o jogo processual? Para mudar o jogo, antes de mais nada é preciso compreender e fazer a leitura adequada do processo e dos jogadores. Somente isso fará do advogado um verdadeiro game-changer, e não mais um mero coadjuvante a legitimar, com sua mera presença, o jogo processual.


[1] ROSA, Alexandre Morais da. Guia do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. 5ª ed. rev. atual. e ampl. Florianópolis: EMais, 2019 (no prelo).
[2] LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
[3] OLIVEIRA, Daniel Kessler de. A Atuação do Julgador no Processo Constitucional: O juiz de garantias como um redutor de danos da fase de investigação preliminar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.
[4] Ver https://www.conjur.com.br/2016-jul-29/limite-penal-voce-sabe-efeito-primazia-processo-penal.
[5] Ver https://www.conjur.com.br/2018-dez-21/limite-penal-matriz-autoritaria-condicionante-atuacao-julgador-processo-penal.
[6] Sobre o tema, ver THALEB, Nassim Nicholas. Arriscando a Própria Pele: Assimetrias Ocultas no Cotidiano. Trad. Renato Brett. 1ª ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2018.

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