Opinião

2018 trouxe inovações tributárias e financeiras para mineração e siderurgia

Autor

  • Paulo Honório de Castro Júnior

    é sócio na William Freire Advogados pós-graduado pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) presidente do Instituto Mineiro de Direito Tributário (IMDT) professor de Direito Tributário e Financeiro em cursos de pós-graduação e de extensão.

17 de janeiro de 2019, 5h37

O ano de 2018 trouxe muitas inovações tributárias e financeiras para os setores de mineração e siderurgia. Os objetivos deste breve texto são comentar os principais pontos dessas inovações e apresentar algumas perspectivas para o próximo ano.

Em janeiro, as mineradoras lidavam com a árdua tarefa de interpretar a profunda modificação na CFEM promovida pela Lei 13.540, publicada em 19 de dezembro de 2017[1]. A principal mudança foi majorar o royalty mineral para a maior parte de substâncias, mediante ampliação da sua base de cálculo e das suas alíquotas. O aumento foi de impressionantes 900% para as alíquotas impostas às gemas, por exemplo, sem contar o impacto da nova base de cálculo.

Quanto ao fato gerador por venda, as maiores polêmicas foram a vedação à dedução das despesas com frete e seguro e a imposição do teste pelo Pecex nas exportações, mesmo em transações realizadas com partes independentes e não localizadas em paraísos fiscais. Já no consumo, a controvérsia se instaurou com o abandono do custo de produção como base, substituído pelo valor de referência ou pelo preço corrente. As mineradoras sujeitas ao preço corrente, por exclusão na lista da Portaria DNPM 239, de 23 de março de 2018, até hoje enfrentam o desafio de descobrir qual base de cálculo adotar.

Essas são as principais razões para que a Lei 13.540 tenha sido objeto de dezenas de ações judiciais individuais. Enquanto o Poder Judiciário se mostra inseguro frente às controvérsias, é importante valorizar a ótima sentença proferida pela Seção Judiciária do Ceará[2], que autorizou a dedução de frete e de seguro e, em obiter dictum, teceu severa crítica à mudança da base no consumo:

“Certamente que tal alteração se distancia de qualquer sentido mínimo da expressão ‘resultado da exploração’, ignorando importantes gastos necessários à execução da exploração e dessa forma violando o art. 20, §1º da Constituição Federal. (…) Pretender que uma grandeza não realizada (‘valor de mercado’) seja utilizada como base no consumo, é determinar que a CFEM incida sobre aproveitamento econômico inexistente, já que não realizado pelo minerador”.

Em fevereiro, o STJ concluiu o julgamento do REsp 1.221.170, submetido à sistemática de recursos repetitivos (artigo 1.036 do CPC/2015), declarando a ilegalidade das instruções normativas RFB 247/2002 e 404/2004, no ponto em que restringiram indevidamente a definição de insumos para créditos de PIS/Cofins. Definiu-se que o “conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância”, em cada caso concreto. Em 18 de dezembro, foi publicado o Parecer Normativo Cosit 05/2018, que interpreta o julgado do STJ. É relevante que a Cosit tenha expressado que a decisão seria aplicável apenas para a etapa da produção do bem ou da prestação do serviço, o que certamente intensificará antigas discussões da mineração, especialmente a possibilidade de crédito sobre insumos na fase de pesquisa mineral e incorridos após o término da produção, em virtude de exigência legal, como os gastos com fechamento de mina, sem os quais não existe fonte produtora.

Vale dizer que o Carf, no início do ano, publicou uma série de acórdãos admitindo créditos de PIS/Cofins na fase de pesquisa mineral, vide 9303-006.100, de 2/2/2018.

Em março, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais considerou legítima a vedação à apropriação de créditos de ICMS sobre alguns produtos intermediários (partes e peças de máquinas e equipamentos, não imobilizados), sob o questionável fundamento de que não haveria violação à não cumulatividade[3]. As razões pela inconstitucionalidade da vedação, introduzida pelo Decreto 47.119/2016 e pela IN Sutri 01/2017, foram demonstradas em artigo publicado em coautoria com Rodrigo Pires[4]. O assunto é acompanhado de perto pela mineração e pela siderurgia, considerando o grande impacto financeiro.

Em maio, ocorreu a greve dos caminhoneiros para exigir redução no preço do óleo diesel e a fixação de uma tabela mínima para os valores de frete. Após dez dias de paralisação, o governo chegou a termo com os grevistas, à custa de severo impacto orçamentário. Daí que a saída encontrada pelo Executivo tenha sido impor a conta da greve aos contribuintes, especialmente aos exportadores. Por isso, o tema é tão sensível à mineração e à siderurgia.

Em 30 de maio, foi publicado o Decreto 9.393/2018, reduzindo o crédito do Reintegra de 2% para 0,1%, por prazo indeterminado, já a partir de 1º de junho. Com acerto, em 20/12/2018, a CNI propôs a ADI 6.055/DF (relator ministro Gilmar Mendes), ao fundamento de que o Reintegra não é um benefício fiscal, e sim uma medida que busca desonerar as exportações, cumprindo determinação constitucional.

Também foi editada a Lei 13.670, de 30 de maio de 2018, cujo artigo 6º acrescentou um novo inciso ao artigo 74, parágrafo 3º, da Lei 9.430/1996, impedindo a compensação das estimativas mensais de IRPJ e de CSLL. Logo em seguida, uma série de ações individuais foram propostas, visando resguardar o regime de compensação, ao menos até o final de 2018. Há decisões judiciais em todos os sentidos, com ligeira prevalência do entendimento pela invalidade da restrição no curso do ano-calendário. Resta saber o posicionamento dos tribunais superiores, especialmente quanto aos pedidos de pronúncia de inconstitucionalidade mesmo para os anos subsequentes, assunto pouco abordado nas decisões.

O tema é importante para a mineração e para a siderurgia porque há muitas empresas nesses setores preponderantemente exportadoras, que acumulam créditos de PIS/Cofins e, sendo lucrativas, compensam débitos de estimativas de IRPJ/CSLL. A possibilidade de mudar para o regime trimestral em 2019 e de compensar contribuições previdenciárias com outros tributos federais, pós e-Social, deve minimizar a importância da tese no futuro.

A Lei 13.670/2018, com efeitos a partir de 1º de setembro, também revogou o regime da Contribuição Substitutiva sobre a Receita Bruta para diversos setores da economia, incluindo algumas atividades de mineração e de siderurgia. Novamente, seguiu-se discussão judicial, sendo o cenário jurisprudencial amplamente favorável à inconstitucionalidade da exclusão do regime da CPRB no curso do ano-calendário, por violar a segurança jurídica e o ato jurídico perfeito relativo à opção pela forma substitutiva de apuração.

As siderúrgicas que se dedicam à produção de carvão vegetal vivenciaram uma série de controvérsias no decorrer de 2018. A começar pelo Ato Declaratório Executivo Codac 06, de 4/5/2018, por meio do qual a Receita afirmou que a alíquota do Funrural (produtor pessoa jurídica), reduzida de 2,5% para 1,7% pela Lei 13.606/2018, produz efeitos apenas a partir de 18/4/2018, data em que o Congresso derrubou o veto respectivo. O entendimento da Receita é inconstitucional porque afronta a literalidade da lei, cuja determinação é clara no sentido de que a alíquota de 1,7% produz efeitos a partir de 1º de janeiro de 2018.

Em junho, a Associação Mineira de Silvicultura (atualmente Associação Mineira da Indústria Florestal) impetrou mandado de segurança coletivo para questionar a exigência de taxa florestal sobre volume de produção fictício, em vultosos valores[5]. A liminar foi indeferida e foi interposto agravo regimental, pendente de julgamento. Os fundamentos pela inconstitucionalidade da exigência foram abordados em artigo de minha autoria[6].

No âmbito do projeto Beps[7], foram publicados ao longo de 2018 relatórios específicos para a mineração, numa parceria da OCDE com o Intergovernmental Forum on Mining, Minerals, Metals and Sustainable Development (IGF)[8]. O foco, no momento, se dá em três pontos: a dedução excessiva de juros ou subcapitalização; os incentivos fiscais outorgados à mineração; e a atribuição de valor aos minerais exportados. Considerando o pedido de ingresso do Brasil na OCDE[9], os relatórios devem ser levados em conta.

Quanto às regras de subcapitalização, por exemplo, o estudo concluiu que o financiamento de projetos de mineração é comumente feito por instrumentos de dívida (debt), sendo que a maior dos países em desenvolvimento não consegue impedir a transferência de lucros ao exterior via pagamento de juros por endividamento excessivo. A partir disso, sugere-se que a Ação 4 do Beps seja implementada, para a mineração, com uma regra de proporção fixa de 20% a 25% sobre o Ebitda, admitindo-se o diferimento (carry forward) de saldos de juros pagos não deduzidos.

Em 17 de dezembro, foi publicada a decisão cautelar proferida pelo ministro Roberto Barroso na ADI 5.374/PA, que suspendeu a eficácia da lei paraense que criou a Taxa de Fiscalização Sobre Recursos Hídricos (TFRH). Segundo o ministro, o valor cobrado, calculado mediante a multiplicação de 0,2 da Unidade Padrão Fiscal do Estado do Pará por m³ de recurso hídrico utilizado, indicaria que “há excessos que deslegitimam o tributo criado.”

Além da própria TFRH ser cobrada de empresas de mineração no Pará, a taxa em questão foi inspirada na Taxa de Fiscalização de Recursos Minerais (TFRM), instituída por Minas Gerais, Pará, Amapá, Mato Grosso do Sul e Goiás, sendo que não é exigida neste último. A TFRM é calculada de forma muito similar à TFRH e é objeto das ADIs 4.785/MG, 4.786/PA e 4.787/AP. Logo, a racional da decisão do ministro Roberto Barroso é perfeitamente aplicável às discussões judiciais relativas à taxa cobrada das mineradoras.

Em relação à CFEM, a Lei 13.540 deve passar a ser questionada sob novo fundamento, consistente na sua irretroatividade face às concessões minerais vigentes quando da publicação da MP 789, que originou a referida legislação. Os fundamentos foram apresentados em artigo de minha autoria, veiculado na ConJur[10].

As perspectivas para 2019, considerando os novos governos federal e estaduais, são de mudanças tributárias e de austeridade fiscal. Espera-se medidas de simplificação, sem redução de carga tributária global. O cenário, contudo, é incerto. Se muito, pode-se afirmar que não faltará trabalho aos tributaristas e contadores vinculados a empresas de mineração e de siderurgia.


[1] Cf. CASTRO JÚNIOR, Paulo Honório de; MATTOS, Tiago de. CFEM – Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais. Belo Horizonte: D’Plácido, 2018.
[2] Sentença proferida em 28/5/2018, nos autos do Mandado de Segurança 0803814-28.2018.4.05.8100, em trâmite perante a 8ª Vara Federal da Seção Judiciária do Ceará.
[3] Agravo de Instrumento 0915748-20.2017.8.13.0000, julgado em 6/3/2018, rel. des. Corrêa Junior.
[4] CASTRO JÚNIOR, Paulo Honório de. PIRES, Rodrigo H. A Restrição aos Créditos de ICMS Sobre Produtos Intermediários em Minas Gerais. In AZEVEDO, Marcelo; CASTRO JÚNIOR, Paulo Honório de; MATTOS, Tiago de; FREIRE, William (Coord.). Direito da mineração: questões minerárias, ambientais e tributárias. Belo Horizonte: D’Plácido, 2017.
[5] Mandado de Segurança 0682304-43.2018.8.13.0000, em trâmite perante a 6ª Câmara Cível do TJ-MG.
[6] CASTRO JÚNIOR, Paulo Honório de. A cobrança de Taxa Florestal sobre volume de produção fictício. Revista Fórum de Direito Tributário: RFDT, Belo Horizonte, v. 16, n. 94, p. 155-170, jul./ago. 2018.
[7] O projeto Beps (Base Erosion and Profit Shifting) foi iniciado em 2013, pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Foram levantadas 15 ações, já objeto de relatórios finais e que se estruturam em três pilares: (i) introdução de coerência nas regras nacionais que afetam atividades transfronteiriças; (ii) reforço de requisitos essenciais nas normas internacionais existentes; e (iii) melhora da transparência e da segurança jurídica.
[8] Disponível em <http://www.oecd.org/tax/oecd-and-igf-release-first-set-of-practice-notes-for-developing-countries-on-beps-risks-in-mining.htm>.
[9] Disponível em <http://www.fazenda.gov.br/noticias/2017/junho/governo-brasileiro-solicita-ingresso-a-ocde-como-pais-membro>.
[10] Disponível em <https://www.conjur.com.br/2018-dez-01/paulo-honorio-irretroatividade-marco-legal-royalty-mineral>.

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    é sócio de Tax no William Freire Advogados, presidente do Instituto Mineiro de Direito Tributário (IMDT) e coordenador da pós-graduação em Direito da Mineração no Instituto Brasileiro de Direito Minerário.

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