Acima da Constituição

"Superministério da Justiça não pode ser sinônimo de poderes exacerbados"

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15 de janeiro de 2019, 8h00

Ainda que haja clamor social por uma agenda de segurança pública, o superministério da Justiça, comandado pelo ministro Sergio Moro, não pode ser sinônimo de poderes acima do previsto pela Constituição Federal. É o que diz José Carlos Rizk Filho, recém-eleito presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no Espírito Santo.

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De acordo com o advogado, a sociedade espera que Moro atue de maneira “imparcial e implacável contra todos os casos de corrupção”, além de conseguir resultados significativos no combate ao crime organizado e ao tráfico de drogas. Mas garantiu que “a OAB não vai tolerar nenhum tipo de abuso de poder”.

Em relação aos principais gargalos da profissão, os advogados do estado, diz Rizk Filho, têm grandes dificuldades para serem inseridos no mercado. “Muitos [advogados] são obrigados a encarar uma remuneração baixíssima no começo da carreira e acabam abandonando a profissão precocemente”, conta.

Para sua gestão à frente da entidade no triênio 2019-2021, o advogado afirma que vai criar um conselho fiscal para acompanhar as contas da OAB-ES e tratará da ausência de regulamentação de dativos – fator que considera atualmente um obstáculo para a advocacia.

Leia a entrevista:

ConJur  — Quais os principais gargalos da advocacia no seu estado?
José Carlos Rizk Filho —
Os gargalos começam na dificuldade que o jovem advogado encontra para ser inserido no mercado. Ressaltei várias vezes durante a campanha para a presidência da seccional que meu sonho é que nenhum advogado desista da profissão. Muitos são obrigados a encarar uma remuneração baixíssima no começo da carreira e acabam abandonando a profissão precocemente. Um grande obstáculo é a ausência de regulamentação de dativos e vamos iniciar nosso trabalho batalhando por isso. Hoje recebemos após os honorários periciais.

Outro gargalo histórico a ser enfrentado no Espírito Santo é a morosidade do Judiciário. Sabemos que, se os processos não andam, o prejuízo para os advogados é enorme que eventualmente trabalham com honorários de êxito, além do cidadão que vê seu direito perecer com o tempo. Todos perdem. Ouço muitas queixas quanto a isso, inclusive de varas que funcionam sem o mínimo de estrutura, e pretendo participar ativamente do debate institucional contra a lentidão. Também vamos ajudar os jovens advogados com o programa anuidade zero, uma espécie de "clube de compras" que já funciona em alguns estados e que proporciona descontos importantes na taxa anual.

ConJur  — O Tribunal de Contas da União decidiu, em novembro, que a OAB deve prestar contas ao tribunal. Como o senhor avalia a medida?
José Carlos Rizk Filho —
Vejo com preocupação. Uma coisa é a necessidade de maior transparência nas contas da Ordem, bandeira que eu levantei durante a campanha, outra coisa é essa tentativa de interferência externa na nossa instituição. Minha preocupação é com a relação de independência que a Ordem precisa ter com o Estado, inclusive com o Tribunal de Contas. Somos a favor da fiscalização, desde que seja exercida pelos próprios advogados. Em nossa gestão, não existirá qualquer receio de fiscalização, vamos criar um Conselho Fiscal integrado por agentes externos.

ConJur — Quais as principais prerrogativas desrespeitadas hoje?
José Carlos Rizk Filho —
Andei o Estado inteiro para conhecer a realidade dos advogados e advogadas capixabas e recebi muitos relatos de violação das nossas prerrogativas. São frequentes os casos de delegados que não dão acesso a inquéritos, de juízes que não reconhecem os direitos dos advogados, que os tratam sem o devido respeito, que não aceitam ouvi-los. Vamos reforçar o trabalho da Ordem com pelo menos duas frentes: criando uma Procuradoria de Prerrogativas e dialogando com o Judiciário e o Executivo. Não basta termos um plantão com voluntários atuando em defesa dos advogados.

ConJur — O direito de defesa está enfraquecido? A OAB deve se colocar politicamente a favor do direito de defesa?
José Carlos Rizk Filho —
Nossa Constituição é clara em defesa dos direitos do cidadão e da presunção da inocência. Todo tipo de pressão contra esses princípios fere o que foi construído historicamente pela humanidade. Vivemos recentemente uma eleição radicalizada, em que a segurança pública e a impunidade apareceram entre os principais temas de discussão. Penso que a sociedade tem toda a razão de cobrar um basta à violência, mas de forma nenhuma isso pode se confundir com condenações sem o mais amplo direito de defesa. A OAB precisa manter seu papel histórico, com olhar atento a tudo que possa ameaçar os direitos individuais, a liberdade de expressão e o Estado Democrático de Direito.

ConJur — A OAB é democrática internamente?
José Carlos Rizk Filho —
A Ordem precisa reforçar a atuação de seu conselho, precisa construir suas atuações e decisões a partir da opinião de todos os advogados. No Espírito Santo, há críticas de que, nos últimos anos, a Ordem se confundiu com as posições particulares de seu presidente, ficou personalizada. Vamos democratizar as definições da seccional, reforçando o papel do conselho e respeitando sempre a posição da maioria. Defendo uma revisão das regras da eleição para a direção do Conselho Federal, que precisam ser repensadas a fim de que sejam partícipes todos os advogados.

ConJur  — O que o senhor espera do superministério da Justiça?
José Carlos Rizk Filho —
É hora de esperar o melhor, de aguardar que o juiz Sergio Moro consiga resultados significativos a respeito da grande demanda da sociedade brasileira, que é a segurança pública. O cidadão quer sair com mais tranquilidade da sua casa e há que se combater com todas as forças o crime organizado e o tráfico de drogas, grandes responsáveis pelos mais de 60 mil homicídios no país. O Brasil também espera que o Moro, agora à frente da Polícia Federal e das forças de segurança, faça um trabalho imparcial e implacável contra todos os casos de corrupção. O Brasil precisa continuar sendo passado a limpo. Ao mesmo tempo, esse superministério não pode ser sinônimo de poderes acima da Constituição. A Ordem dos Advogados estará vigilante e não vai tolerar nenhum tipo de abuso de poder.

ConJur  — Qual o piso ideal para um iniciante?  
José Carlos Rizk Filho —
É preciso haver um debate importante sobre este tema. Não é possível a manutenção do atual piso salarial do advogado no Espírito Santo, em um salário mínimo. Para haver equilíbrio é preciso que a OAB promova um amplo debate com a advocacia e as empresas, a fim de que se alcance um patamar ideal para a manutenção do equilíbrio na relação. Sou contra esse piso em vigor hoje.

ConJur  — Recentemente, o presidente Bolsonaro manifestou contra o Exame de Ordem aplicado aos recém-formados. Na ocasião, ele disse que o exame cria “boys de luxo de escritórios de advocacia”. Em sua opinião, o modelo do exame precisa ser revisto? A quem cabe fiscalizar o curso de Direito?
José Carlos Rizk Filho —
Sabemos que o exame da Ordem é um instrumento fundamental para aferir a qualidade dos cursos de Direito no Brasil e, como já lembrou o presidente Lamachia, trata-se de uma prática comum pelo mundo. Existe em países como Estados Unidos e Japão, além de praticamente toda a Europa. O Supremo Tribunal Federal, quando se manifestou sobre o tema, julgou constitucional a exigência de aprovação no exame para os bacharéis em Direito exercerem a advocacia.

ConJur  — O senhor é a favor de segundo turno nas eleições da OAB? O Conselho Seccional deve ser eleito separadamente da chapa do presidente?
José Carlos Rizk Filho —
Não vejo necessidade de mudar o atual modelo. A eleição conjunta da diretoria e do conselho tem um fator muito positivo: deixa claro quem são os advogados que estão dando sustentação às chapas. Além disso, é possível contar com o envolvimento direto dos conselheiros no processo eleitoral. Dessa forma, o pleito acaba provocando uma participação mais efetiva da classe em todo o processo.

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Esta entrevista integra uma série de conversas com os presidentes das seccionais da OAB eleitos para o triênio 2019-2021.

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