"Nossa proposta é unir esforços com MPF e TCU, e não ficar discutindo atribuição"
13 de janeiro de 2019, 6h30
Além de ser responsável pela representação da União no campo judicial, a instituição tem atribuição consultiva, por meio do assessoramento e orientação dos dirigentes do Poder Executivo. Com promessas de implementação de mudanças profundas, o novo governo vai ter de recorrer à AGU tanto para dar segurança jurídica aos atos que pretende empreender quanto para defendê-los quando questionados na Justiça — o que já começou a acontecer.
À frente da missão está André Mendonça, empossado advogado-geral da União no dia 2 de janeiro. Em seu discurso de posse, ele afirmou que o órgão vai priorizar o combate à corrupção. Foi justamente por sua atuação nessa área que Mendonça foi reconhecido.
Internamente, os acordos de leniência ganham atenção especial. Mendonça pretende reestruturar o Departamento de Patrimônio Público e Probidade Administrativa, setor do qual foi o primeiro diretor, nomeado pelo então AGU Dias Toffoli, hoje presidente do Supremo Tribunal Federal. Nessa reestruturação, Mendonça promete redimensionar a equipe e conferir tecnologia de informação para tratar da base de dados gerada pelas colaborações com empresas investigadas em esquemas corrupção.
Até março, em nome da transparência, todos os acordos já celebrados devem ser divulgados. Mendonça afirma que os documentos vão passar por revisão minuciosa para que trechos que tenham de ser cortados sejam identificados — para não prejudicar as investigações. O trabalho já está em andamento.
Como forma de reforçar o compromisso, André Mendonça defende que os acordos tenham a participação de vários órgãos. O Ministério Público Federal — que teve competência para tal invalidada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região — e o Tribunal de Contas da União são partes que devem integrar o processo. O importante é, de acordo com ele, saber definir o real inimigo em vez de disputar entre si qual deles tem maior legitimidade.
A AGU é o maior escritório de advocacia do mundo. Um exército de 12 mil componentes, entre servidores e 8 mil advogados públicos, tem a tarefa de administrar uma carteira 20 milhões de processos. Seu novo chefe não pensa em aumentar o quadro. Remanejamento, gestão de recursos humanos, estudo, diagnósticos e investimento total em construção de acordos, entre entes federados e União, setores da administração pública, com empresas são a aposta do ministro para dar conta do recado.
As ações envolvendo o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) e os servidores públicos são aquelas que consomem maior energia dos advogados públicos. Colocá-las como objeto de dedicação nos dois primeiros anos vai, segundo ele, liberar recursos para o trabalho com as privatizações, o combate à corrupção, as ações de grande impacto financeiro do Tesouro Nacional.
Leia a entrevista:
ConJur — O presidente Bolsonaro, ao ser eleito, falou que seria necessário desamarrar, destravar o país. Isso, da perspectiva da AGU, significa o quê? O que pode ser feito? Trata-se de dar foco aos acordos de leniência?
André Mendonça — É mais até do que os acordos. Acreditamos que as empresas, uma vez arrependidas e resolvidas as questões delas, uma vez assinados os acordos, estão livres para voltar ao mercado público. Os bancos, por exemplo, vão sentir mais segurança para fazer os financiamentos. Então, quanto mais ágil for essa transição das empresas para uma vida pós-acordo, melhor para o país. A Andrade Gutierrez já assinou acordo, a Odebrecht, a UTC. Essas empresas estão numa nova perspectiva perante não só à sociedade, mas também em relação ao setor público e ao setor privado, o setor que financia. Esse é um ponto.
Segundo ponto, o ministro Tarcísio Gomes de Freitas, da Infraestrutura, já divulgou a intenção de chegar a 100 empresas desestatizadas. Isso atrairá investimento privado. Portanto, vamos precisar que essas políticas se deem sem açodamento, mas também sem retardamento. E a AGU terá um papel fundamental porque vai ajudar na construção dessas políticas e eventuais questionamentos judiciais. Vamos assumir o papel de porta-voz dessas políticas públicas perante o Judiciário.
Então, destravar o país significa fazer serviços públicos em parceria com a iniciativa privada. Algumas companhias não têm necessidade de existir. Vou dar um exemplo, já citado pelo ministro Tarcísio. A Valec (responsável pela construção e administração de ferrovias federais e dependente de recursos do Tesouro) é mais lembrada pelos casos de corrupção que ocorreram do que por serviços que prestou ao país. A Valec precisa existir? Não. Precisamos ter uma visão mais moderna de Estado, uma visão de que o Estado está aqui para servir à sociedade, e não para ser servido. Não posso estar neste gabinete pensando em como melhorar a minha situação na instituição. Tenho que pensar em como melhorar a situação daquele que está no hospital público enfrentando uma fila por falta de remédio para atender um filho. Não podemos perder a sensibilidade com a sociedade, com o povo, com as pessoas que pegam o ônibus para trabalhar de madrugada. O papel da AGU é o de ouvir o que o governo quer e de transplantar essas vozes perante o Judiciário. Seremos esse canal de comunicação dos diversos atores envolvidos na gestão pública, perante o Judiciário, com foco no cidadão.
ConJur — Essa é a postura proativa da AGU de que o senhor fala?
André Mendonça — Realmente, é isso. É antecipar os problemas e estar focado nas soluções. E o que disse, ainda enquanto era eventual ministro, foi que a prioridade da AGU é a prioridade de cada pasta ministerial. Quando o ministro Tarcísio diz que a prioridade é privatização de empresas, essa será a nossa prioridade. Quando o ministro da Educação coloca que quer fortalecer o ensino básico, a gente vai ajudá-lo a construir isso.
ConJur — Quais são as prioridades iniciais, para dar a largada aos primeiros meses de trabalho?
André Mendonça — Agora temos um norte, também reforçando o que disse o presidente Bolsonaro, que é a Constituição. Vamos segui-lo de forma técnica, independente, sensível ao que juridicamente chamamos de princípio democrático. O governo foi eleito com uma perspectiva, respondendo a um anseio da população. Esse anseio agora tem que se conformar à Constituição. E nós vamos tentar traduzir e conciliar esse princípio democrático, à luz da Constituição, para que as políticas públicas sigam esse respeito ao Estado Democrático de Direito. Então as nossas prioridades serão as prioridades relevantes das políticas públicas para o alcance do cidadão.
ConJur — A AGU lida com números de muitas casas, seja em processos, seja em valores. Um dos casos de maior valor envolvido é o caso da construtora Mendes Júnior, que ultrapassa a cifra do trilhão, na disputa que envolve a obra da hidrelétrica de Itaparica. O senhor é a favor de acordos entre governo e partes em casos como esse, que demandam muito administrativamente, para destravar esse tipo de processo e conseguir solucioná-lo ainda que seja necessário abrir mão de valores importantes?
André Mendonça — Não vou nem falar especificamente do caso Mendes Júnior. Mas eu era diretor do Departamento de Patrimônio e Probidade, que era responsável pelo patrimônio público, defesa da probidade, meio ambiente, créditos e precatórios. E, como diretor, implantei os meses de conciliação. Começamos a ter indicadores melhores de recuperação de ativos, principalmente procedentes de condenações do TCU, em função desses acordos. Deixávamos de ter uma discussão judicial. A parte vinha até aqui, sentava, negociava e resolvia. A administração pública precisa entender que o particular não é inimigo e nem adversário. Há, muitas vezes, uma confluência de interesses. Estamos aqui para servir à sociedade e essa sociedade, os particulares, às vezes têm questões pendentes com a administração pública que precisam ser resolvidas. Não podemos ver como adversário aquele que está litigando com o Estado, mas sim como pessoas com interesses que naquele momento estão se contrapondo. Toda a minha gestão vai ter quatro pilares e um ponto comum norteando esses quatro pilares: o diálogo. E eu quero estabelecer esse diálogo com as partes. Como prova de que acredito no diálogo, está aqui meu livro "Negociación en Casos de Corrupción", recém publicado na Espanha.
ConJur — É o da sua tese de doutorado?
André Mendonça — De um dos capítulos da tese. Agora estamos começando a soltar alguns livros, fruto das pesquisas e do trabalho que eu fiz na tese. Há um segundo, que trata da validade da prova judicial e deve sair um terceiro livro ainda este ano. Eu já defendia lá em 2011, 2012, que nós não teríamos melhores índices de recuperação de ativos se não tivéssemos fórmulas consensuais de resolução de conflito nos casos de corrupção. E o que a "lava jato" é hoje? É o que é graças aos acordos. Com pessoas físicas, de colaboração premiada; com pessoas jurídicas, os acordos de leniência.
ConJur — Esse modelo de acordos que ganhou peso com a "lava jato" deve ser ampliado?
André Mendonça — Vamos estabelecer um programa sistêmico de resolução consensual de conflitos. Estou fortalecendo a Câmara de Conciliação para que se reduzam os conflitos internos na administração pública. E vou fortalecer essa iniciativa tanto com a Procuradoria-Geral da União, como com a Procuradoria-Geral Federal. A ideia é procurar o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, e fazer isso capitaneado por ele, para que ele seja esse grande líder. Não se faz algo assim sem o Judiciário. E a AGU é uma parceira na construção desse sistema de resolução de conflitos. Não se justifica nós termos o número de processos que temos hoje. Por mais que haja um conflito de interesses, precisamos entender que muito pode ser resolvido de forma consensual.
ConJur — Em alguns momentos, no passado, AGU e PGR não tiveram uma relação muito próxima. O senhor considera importante solidificar uma relação mais estreita?
André Mendonça — Com certeza. Vamos conversar de perto com o Ministério Público Federal. As instituições públicas não são estanques e separadas umas das outras. Por exemplo, no combate à corrupção, o maior problema que eu vejo não é nem o corrupto, em si. Mas a falta de um sistema organizado das instituições públicas. Queremos estreitar a relação com a PGR, estreitar relações com o TCU, com o Judiciário, com a sociedade, da mesma forma que já existe entre a AGU e a Controladoria-Geral da União. Um eixo da minha tese é a teoria da ação comunicativa do filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas. Para construir a Justiça temos que passar pela construção do consenso. Esse vai ser um eixo que vai nortear toda a minha gestão: buscas consensuais de resolução de conflitos.
ConJur — Nessa perspectiva, qual é o papel do TCU nos acordos de leniência?
André Mendonça — O TCU é uma instituição relevante para o país, do Legislativo, como órgão de controle externo, das contas públicas, tanto do Judiciário, do Executivo, do Ministério Público e do próprio Legislativo. O acordo de leniência é um instituto novo. Há um período de acomodação natural. Nós vamos investir no diálogo com o Tribunal de Contas para otimizar esse instrumento tão importante para o combate à corrupção, de forma que todas as instituições possam aproveitar isso e dar mais efetividade ao combate à corrupção. O acordo de leniência é trabalhado sob quatro pilares comuns entre a CGU e a AGU. O primeiro é o instrumento de alavancagem da investigação, para angariar mais informação; dois é o incremento da recuperação de ativos; três, a promoção de integridade; quatro, perda dos benefícios, caso a empresa descumpra o acordo ou tenha sonegado informações dolosamente.
Vou usar o caso Odebrecht como exemplo. São mais de 130 pessoas físicas e mais de 160 pessoas jurídicas delatadas. O que vamos fazer com essas informações? Vou ter que, à luz disso, abrir novas investigações, ajuizar ações de improbidade. E o TCU? Abrir tomadas de contas contra essas pessoas físicas e essas pessoas jurídicas que estão delatadas como praticantes de corrupção. Há muito trabalho por ser feito. Temos que propor as ações de improbidade e queremos fazer isto em parceria com o Ministério Público — a quem cabe propor as ações penais — enquanto o Tribunal de Contas abre tomadas de contas especiais em relação a pessoas físicas e jurídicas delatadas. Então, a nossa proposta é unir esforços. E não ficar discutindo atribuição. Temos que discutir quem é o verdadeiro inimigo do Estado e ir atrás deles em conjunto. Essa é a nossa proposta, de que unamos esforços com o Tribunal de Contas da União, com o Ministério Público Federal, com a Controladoria-Geral da União e com o Ministério da Justiça — onde a figura do ministro Sérgio Moro, por si só, revela a importância do combate à corrupção para o governo. Essas instituições não são inimigas umas das outras. Devem ser parceiras. Essa vai ser a tônica.
ConJur — Ainda nessa linha, sobre o diálogo institucional. O TRF-4 definiu que o MP não tem competência nem legitimidade para fazer acordos de leniência envolvendo atos de improbidade administrativa. O senhor não vê da mesma forma, então?
André Mendonça — Não. O TRF disse que o acordo celebrado pelo Ministério Público Federal não é o acordo previsto na Lei Anticorrupção. É um acordo de natureza civil, mas não é o acordo de leniência previsto na Lei Anticorrupção. O legislador estabeleceu que a competência desse acordo é da Controladoria-Geral da União. Não é nem da AGU. Mas a gente precisa entender como um sistema, sendo importante que a CGU atraia outras instituições para trabalhar junto. Tivemos, eu enquanto assessor especial, uma conversa com o ministro Wagner (de Campos Rosário, da Transparência, Fiscalização e CGU), e então fomos buscar as outras instituições. Fizemos a portaria conjunta que regulamenta o rito e hoje AGU e CGU fazem os acordos em conjunto. E a CGU e agora a AGU, estavam, estão e sempre estarão à disposição, a fazer os acordos junto com o Ministério Público Federal — é o que eu já disse para o próprio MPF, em foros internacionais inclusive, e são palavras do próprio ministro Wagner. Tem acordos, hoje, que nós fazemos as negociações em conjunto com o Ministério Público Federal. É um processo de amadurecimento de todos nós. Ainda que esteja na lei que é só a CGU, isso não significa que nós não devamos nos unir para construir um sistema efetivo de combate à corrupção como política pública.
ConJur — No que diz respeito à AGU, o ritmo de trabalho nessa área deve ser intensificado?
André Mendonça — Com certeza. É uma preocupação nossa. Pedi ao procurador-geral da União, Vinícius Torquetti, um estudo para fazermos uma reorganização de recursos humanos em relação a isso. O grupo de combate à corrupção da AGU acaba de completar nove anos, sem nunca ter passado por uma reestruturação. Encomendei um redimensionamento desse grupo, para que possa fazer frente à "lava jato". O quantitativo da operação vai demandar de nós uma nova estratégia. Tem que haver um redimensionamento interno, e essa atuação vai ter que ser estratégica com outros órgãos. A "lava jato" já descortinou muito, mas há muito por ser feito com aquilo que foi descortinado. O desafio está só começando.
ConJur — Aumentar a equipe resolve a questão?
André Mendonça — Precisamos aumentar a equipe e investir em tecnologia da informação. A CGU já fez um trabalho interessante. Ela desenvolveu um BI, Business Intelligence, que é um sistema de inteligência para já trabalhar, por exemplo, na questão dos acordos de leniência. Isso nos permite encontrar, em segundos, quem, quanto, por quê, de quem e em que contexto o agente público recebeu propina num determinado contrato. Podemos cruzar dados de várias formas. Transformar um relatório de mil páginas, que eu teria que ficar lendo e relendo, em trabalho de minutos. Assim é possível trabalhar com essas informações para que eu possa dar maior efetividade à recuperação de valores de agente políticos, nas sanções que vamos buscar em relação a eles. Precisamos incrementar recursos humanos, materiais e de gestão e tecnologia da informação.
ConJur — Como as informações que chegam por meio dos acordos devem ser usadas?
André Mendonça — Estamos corrigindo o fluxo. Havia alguns acordos que o gabinete da AGU ainda sequer havia encaminhado ao Departamento de Probidade. Já determinei que fossem imediatamente encaminhados. Agora a equipe pega essas informações para estabelecer as estratégias e começar o processo de preparação das ações de improbidade que precisam ser ajuizadas.
ConJur — Em países como Estados Unidos e Reino Unido acordos desse tipo não são mantidos sob sigilo. Aqui, a dinâmica é diferente. Por quê? Tem alguma perspectiva de mudança?
André Mendonça — Em conversas com o ministro Wagner, falamos de até março publicar os acordos que já foram celebrados. Nossa grande preocupação é não prejudicar as investigações. Sabemos da necessidade da transparência e isso vai ser feito, mas sem prejudicar as investigações. É preciso ter a cautela de rever o documento, nomes, para não cometermos o erro de publicar uma informação que está protegida.
ConJur — A transparência será uma política que inclui os acordos?
André Mendonça — Mesmo os acordos. Então, o primeiro pilar de nossa gestão é um assessoramento mais próximo e efetivo dos gestores. Temos muito por avançar nessa área, de trabalhar para dar mais segurança jurídica para as políticas públicas. Em segundo lugar, uma atuação mais proativa e efetiva perante o Judiciário. É exercer uma defesa mais efetiva da União perante o Judiciário. Com diálogo, com respeito, uma defesa técnica, mas que a gente esteja mais próximo do Judiciário. Isso dá segurança para os magistrados decidirem, porque a gente dá subsídios para a decisão. Na dialética da construção da Justiça, é importante que que o magistrado tenha a maior informação possível, porque é isso que vai dar segurança para ele adotar uma decisão justa. Se ele não tem informação, se não estamos está lá explicando e justificando a defesa da União, ele não terá subsídios para uma decisão justa. O terceiro pilar é o combate à corrupção, que é um pouco disso tudo que a gente já falou. Por fim, o quarto pilar é a transparência. Permeando os quatro pilares, o diálogo. Diálogo com o gestor, com Judiciário, com as outras instituições, com as empresas que se arrependem para a construção dos acordos, e com a sociedade.
ConJur – E quanto aos acordos, há um planejamento de quantos e quais serão?
André Mendonça — Temos a previsão de cinco ou seis no primeiro ano, com meta de recuperação de cerca de R$ 25 bilhões no total, considerando um prazo de dois anos. É uma perspectiva que já temos, numa carteira de empresas que procuraram a CGU e a AGU para celebrar acordos de leniência — sendo a CGU a grande titular dos acordos. O dinheiro recuperado será devolvido aos entes lesados. No caso das empresas públicas, como a Petrobras, o dinheiro vai para elas. Se for uma autarquia, uma fundação pública ou ministério, o dinheiro é revertido para o Tesouro Nacional e deve ser reaplicado nas políticas públicas de governo. Mas eu, infelizmente, ainda não posso dizer, até por uma questão de preservação das investigações, quais empresas estão negociando. Sem nomes ainda, portanto.
ConJur — Nesse sentido do diálogo com as empresas que se arrependem, cabe, e de que forma, as ações de improbidade com base nos acordos que elas firmaram?
André Mendonça — As empresas que fizeram acordo, ao se arrepender e pagar por isso, têm uma garantia que não vão responder ação de improbidade por aqueles mesmos fatos. A ressalva é feita em relação à atribuição do TCU. Caso o TCU condene essas empresas pelos mesmos eventos, a AGU vai propor as ações de cobrança, de execução desses julgados do TCU, em relação às mesmas empresas que colaboraram. O grande desafio nosso agora é com as empresas denunciadas que estavam envolvidas e não se arrependeram. Essas sofrerão ações de improbidade e estão sujeitas aos processo de responsabilização da CGU, que pode declará-las inidôneas.
ConJur — Sobre o volume de trabalho, cabe alguma alternativa, como baixar súmulas para lidar com o volume de processos que a AGU tem?
André Mendonça — Eu estou pedindo um diagnóstico à Procuradoria-Geral Federal que acompanha as ações do INSS, e um à Procuradoria-Geral da União nas ações relativas a servidores públicos. São cerca de seis milhões de ações só do INSS. O maior quantitativo em relação à União é de ações relacionadas a servidores públicos. Isso não demanda o maior volume financeiro, mas exige colocar muita gente para atuar nesses processos. Eu preciso enxugar. E enxugar onde há mais demanda, que são ações de INSS e ações de servidores públicos. No caso do INSS ainda tem um impacto social envolvido. Resolvendo esse conflito amigavelmente estou atendendo o cidadão. Eu não quero que o cidadão que tenha direito a receber do INSS tenha que ficar anos na Justiça brigando por isso. Precisamos ter essa sensibilidade social também. Quero enfocar essas metas de conciliação nessas duas áreas: INSS e servidores públicos. Isso vai me liberar recurso humano. Conseguindo fazer isso no primeiro e no segundo ano, tenho recurso humano para trabalhar em frentes que estão carentes. Levar para as privatizações, o combate à corrupção, as ações de grande impacto financeiro do Tesouro Nacional. Preciso redimensionar minha força de trabalho, não fazer mais concurso público para membro, mas equacionar a gestão interna e criar a carreira de servidores.
ConJur — Falando em impacto, como está o trabalho em relação ao caso do acordo dos planos econômicos?
André Mendonça — Eu não estou com o diagnóstico ainda da efetividade desse acordo. Vamos fazê-lo e incrementar a efetividade deles para que mais pessoas procurem a AGU para aderir. Talvez muita gente na sociedade ainda não tenha se atinado para esse direito, que está resguardado. Vale a pena a gente fazer campanhas sempre. Às vezes a pessoa está no seu dia a dia e não tem tempo de ver um direito que pode fazer diferença na sua realidade, para pagar uma dívida, ajudar a comprar material da escola do filho. A AGU tem que ser esse instrumento também. A AGU pouco propõe ações civis públicas em defesa do consumidor, por exemplo. Quero dar atenção para isso. Que a AGU possa estar antenada com aquilo em que o consumidor não está sendo bem atendido para que ela possa ser esse instrumento também de defesa judicial do consumidor brasileiro. Se a gente começar a canalizar melhor os recursos humanos, há muito que a AGU pode fazer que não está ainda sendo feito.
ConJur — E qual a avaliação que o senhor faz sobre a ideia da securitização da dívida?
André Mendonça — Há um endividamento dos estados e dos municípios. A AGU está trabalhando em conjunto com a Secretaria do Tesouro para analisar questões pendentes de entes federados para avaliar como podemos resolver isso. O ideal, mais uma vez, é conversar por um consenso. Quando a gente resolve com base no diálogo as duas partes se comprometem com o resultado, com a execução daquilo que foi acordado. Quando é simplesmente uma decisão judicial, é uma questão de sujeição, não de um comprometimento com o resultado que aquilo pode gerar. O que é construído em consenso traz um efeito de pacificação social. Essas questões têm impacto em serviços públicos. Às vezes uma solução numa questão fiscal vai ajudar a construir soluções na área da saúde e da educação, não é simplesmente fiscal. Outras áreas podem ser envolvidas. É importante aumentar o bolo. Às vezes se está querendo dividir um tortelete, e fica essa briga para quem vai comer o maior pedaço. E a gente pode fazer um bolo maior para atender a todos.
ConJur — O que a AGU pretende fazer em relação ao peso das execuções fiscais sobre o Judiciário? Porque a execução fiscal é o que pesa também no Judiciário, não é? A Justiça Federal lida com uma quantidade…
André Mendonça — Aí eu acho que é INSS, execução fiscal e servidor público. Talvez essas três matérias correspondam a dois terços de tudo o que está envolvendo o Estado no Judiciário. Aquilo que envolve discussões relacionadas a estados, municípios e União de fato assoberba o Judiciário. Daí a importância dos acordos. E o Brasil está engatinhando nessa atividade. Veja a cultura anglo-saxã jurídica. Ela é baseada no acordo. Você vai aos Estados Unidos, no departamento de Justiça, e eles dizem: "Mais de 95% dos nossos casos são resolvidos com base em acordo". No Brasil a pirâmide é inversa, a gente resolve tudo na briga, na disputa, que nem, a gente precisa inverter. Passei um ano estudando direito americano. O capítulo da minha tese sobre acordo eu escrevi nos Estados Unidos. Mais de 95% da bibliografia minha aqui é bibliografia dos Estados Unidos. Precisamos fazer uma transição de um direito muito litigante para um direito mais consensual.
ConJur — Há um plano sobre ampliação da execução fiscal administrativa?
André Mendonça — A execução fiscal fica muito a cargo da PGFN, que experimentou um ganho considerável no último ano. Ela conseguiu elevar o índice de recuperação de ativos, em créditos tributários, em R$ 10 bilhões em um ano, aproximadamente. Ainda há muito a ser feito. Eu já pedi também às áreas de recuperação de ativos nossos, tanto ao procurador-geral da União como o procurador-geral Federal, que redimensionem esse trabalho, que também vai envolver essa construção de recuperação de ativos com base em acordos.
ConJur — Um ponto que nesses poucos dias já virou assunto foi a notícia de que o Ibama anulou a dívida ambiental do presidente Bolsonaro com base em parecer da AGU…
André Mendonça — É uma atuação técnica e independente que foi feita pelo órgão da AGU, que é a Procuradoria Federal Especializada. Eles devem ter sido naturalmente provocados a se manifestar no processo, e houve uma manifestação, repito e friso, técnica, independente. Fiquei sabendo do caso pela imprensa. Não há um direcionamento. O que nos foi passado oficialmente é que houve uma manifestação técnica da Procuradoria Federal Especializada no Ibama de que havia questões processuais que precisavam ser regularizadas. Não houve uma decisão de mérito. Uma determinação sobre o pagamento da multa. Há questões processuais que precisam ser regularizadas. E isso garante a própria idoneidade da possível multa. Se não houvesse uma regularização de questões processuais possivelmente a aplicação da multa seria questionada no Judiciário e seria, vamos dizer assim, revertida. Uma grande preocupação é não haver vício processual. Por quê? Se houver um vício procedimental todo aquele trabalho às vezes pode se perder. Em resumo, a manifestação foi de que algumas questões processuais têm que ser revistas para se garantir o direito ao contraditório e à ampla defesa. Sem isso, não há como uma condenação eventual se sustentar. Houve um saneamento — essa é a expressão correta — do processo. Não tem que haver distinção de tratamento, isso é importante dizer. Esse mesmo procedimento de análise é feito em relação a qualquer procedimento. Tem que haver isonomia, imparcialidade e é isso que a gente vai defender.
ConJur — Como vai se dar a defesa dos órgãos administrativos?
André Mendonça — A atuação da AGU deve se feita de forma técnica e independente também. Toda a autoridade administrativa, como por exemplo, Deltan Dallagnol, procurador da República. Ele sofreu uma ação de indenização por conta da sua atuação no âmbito da operação "lava jato". E ele pediu à AGU que fizesse a sua defesa. E a AGU fez a defesa, já ganhou em primeira instância. A base central para a definição da defesa das autoridades é se elas agiram regularmente em defesa do interesse público. Se há uma atuação regular, se determinado agente público edita uma portaria e sofre uma ação em função disso, ele não pode ficar indefeso. Ele tem que ter essa garantia de defesa. Senão o servidor público ia estar, na verdade, preocupado em pagar advogado para representá-lo. Ainda mais sobre quem combate a corrupção, quando se está combatendo interesses variados. Temos que dar essa retaguarda para a autoridade poder exercer a própria atribuição, como um delegado da Polícia Federal, um procurador da República, um secretário de Estado, um ministro de Estado, senão ele fica à mercê de interesses não legítimos que vão tentar constrangê-lo na atuação regular dele.
ConJur — Há uma crítica de que o Ministério Público Federal usa o pagamento de multas administrativas como confissão de culpa para, com base nisso, abrir a investigação penal. Qual a sua avaliação a respeito?
André Mendonça — Vou inverter aqui a pergunta. Vamos supor que você fosse multada por alguma questão e decide pagar até para não se aborrecer. Às vezes enquanto consumidores fazemos isso. Mesmo não devendo aquilo. Eu não posso entender um pagamento, que às vezes é justamente nesse sentido, de não querer comprar uma briga, contratar advogado, ter um custo, ir à Justiça, como confissão de culpa. É um exagero. Para confessar, é preciso um ato de manifestação evidente de vontade de confissão. Isso é confissão. Eu posso aliar o pagamento da multa a outros elementos. Aí é diferente. Como é que você fala de convicção de culpa? A partir de uma soma de elementos. Houve um testemunho de que fulano recebeu propina: isso me é um elemento. O fulano no dia tal esteve com sicrano num hotel tal e houve a entrega do envelope. É o segundo elemento. Terceiro elemento: dois dias depois, houve um depósito na conta da pessoa. Quarto elemento: depois se comprou um carro. Você vai construindo um conjunto de evidências. Ninguém viu o dinheiro, mas você é capaz de construir um conjunto de evidências que indicam que aquilo aconteceu. Não podemos responsabilizar alguém sem evidências efetivas.
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