Estado e sociedade

Segurança jurídica deve ser um "capital da nação", diz Grace Mendonça

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12 de janeiro de 2019, 8h30

A segurança jurídica deve ser um “capital da nação”, afirmou a então advogada-geral da União Grace Mendonça no seminário “O interesse público e as novas relações entre Estado e empresas”, organizado pela ConJur, com apoio do escritório Warde Advogados, no final de novembro passado. Segundo ela, os três Poderes têm responsabilidade pela construção de um ambiente de segurança jurídica.

Humberto Eduardo de Sousa
Para Grace Mendonça, Executivo deve ter “regras regulatórias claras, que evitem expressões que causem dúvidas e que façam com que o investidor tenha clareza em relação ao setor que ele atua ou pretende atuar”
Humberto Eduardo de Sousa

O Executivo, disse Grace, deve ter “regras regulatórias claras, que evitem expressões que causem dúvidas e que façam com que o investidor tenha clareza em relação ao setor que ele atua ou pretende atuar”.

Mas, para que se chegue a essa realidade, é preciso “trabalho árduo”. De acordo com ela, esse é o único caminho para fazer o Brasil voltar a crescer de maneira sólida. A seu ver, é preciso que todos os órgãos do poder público trabalhem juntos, conscientes de que o objetivo é ajudar a atividade econômica do país.

O recado de Grace foi dado depois de críticas à profusão de órgãos que se declararam competentes para interferir nos acordos de leniência. A ministra deu iniciativa, por exemplo, a ações de improbidade contra empresas com base no que elas contaram ao Ministério Público Federal. Mas, segundo ela, isso precisou ser feito porque as leis sobre o assunto ainda são novas e o país ainda não tem um ambiente maduro de aplicação delas.

Grace citou o exemplo do novo mercado do compliance. Muitas vezes, disse, durante a palestra, empresas contratam grandes escritórios de advocacia ou advogados renomados para estrutura um programa de compliance. Mas isso não quer dizer que o programa seja eficiente.

“Mas compliance é o estímulo para que se crie uma política de integridade”, afirma. “Quantas vezes você não lê a política de integridade da empresa e ela é perfeita? Não obstante, aquilo não corresponde à verdadeira política de integridade da empresa. E compliance falso também é ato de corrupção.”

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Leia a transcrição:

Tomo a liberdade aqui de abordar, talvez, a questão de um outro ponto de vista. Acredito que, quando estamos falando das novas relações entre Estado e empresa, precisamos, primeiro, partir da seguinte premissa: não há poder público sem o setor privado e não há setor privado que funcione sem o setor privado. O setor privado depende do setor público.

Quando falo essa dependência não falo em termos de recursos, falo da dependência, inclusive, no tocante às normas que são aplicadas ao desenvolvimento de qualquer atividade econômica pelo país. Ou seja, o setor privado depende da atuação reguladora do Estado. Então não há como se desenvolver uma atividade econômica no país sem que essas ações sejam altamente sofisticadas do ponto de vista da legalidade, ético, e da integridade. Então tomo a liberdade de tocar exatamente nesse ponto, mais para dizer que precisamos levar em conta e envidar esforços não naquilo que é ponto de divergência entre o público e o privado, mas naquilo que é ponto de consenso: todos nós queremos a retomada do crescimento econômico do Brasil, todos nós queremos que a economia se alavanque, porque sabemos que, se o país cresce economicamente, vai bem, a sociedade vai bem, vamos aumentar o número de empregos, vai haver circulação de riquezas e, com isso, o país cresce e se desenvolve.

Na verdade, quando revisitamos essas relações em prol de um crescimento econômico do país, o que estamos fazendo, em última análise, é um dever que a Constituição de 1988 nos impôs. Estabeleceu lá no artigo 3º os objetivos da República Federativa do Brasil: exatamente a garantia do desenvolvimento nacional. Todos nós, setor público e privado, temos um compromisso, um dever de garantir ou de buscar garantias do desenvolvimento nacional. Daí o eixo central da discussão.

Se queremos crescimento econômico, e esse é o ponto que nos une, o que precisamos para o Brasil crescer? Nas relações envolvendo o público e o privado, precisamos de segurança jurídica. Todos nós sabemos da dificuldade que vem sendo enfrentada, em especial pelo setor privado, porque aqui falamos muito das divergências entre órgãos, das dissonâncias, dos descompassos, de compreensão. E obviamente que, quando o investidor quer aportar recursos no Brasil, seja um investidor interno, seja nacional ou seja estrangeiro, o fato certo é que ele avalia, dento do PIB e dos índices econômicos do país, a segurança jurídica. Nunca a segurança jurídica foi objeto de tanta preocupação como nos últimos tempos. E daí porque precisamos saber, precisamos trabalhar, e muito, em prol da segurança jurídica.

E o que é a segurança jurídica senão um direito fundamental que todos temos a uma ordem jurídica estável, previsível, segura do ponto de vista da estabilidade das relações? O poder público tem o dever de assegurar que essas relações sejam estáveis, porque a surpresa é péssima num ambiente de investimento, a surpresa é péssima quando setor privado quer fazer aportes para poder alavancar a economia no país. Porque ele quer saber quais são as regras, de que forma as regras estão colocadas, de que forma se posicionam, quais são os limites da sua atuação, e daí entramos na questão da transparência, que foi aqui mencionada.

A importância de se ter transparência nessas relações para que o investidor saiba exatamente onde está pisando e exatamente onde quer chegar sem que a surpresa indesejada venha no percurso de seu investimento.

Quando eu digo isso digo que estamos falando de infraestrutura, e infraestrutura está exatamente nesse contexto de necessidade de crescimento que o país está vivenciando como nunca antes. Se esse é o intuito de todos nós e se esse é o ponto que nos une, ou seja, todos nós queremos o crescimento, todos nós precisamos trabalhar em prol da segurança, quem tem o dever de trazer e implementar a segurança jurídica no país? Os Três poderes da República.

O Poder Legislativo, através de regras claras que evitem espaços interpretativos que gerem insegurança, evitando a inflação legislativa em matéria de natureza econômica, porque o que a gente observa muitas vezes é que os setores não compreendem as regras que são colocadas pelo Legislativo.

A segurança jurídica é também dever do Poder Executivo, que tem todas as agências no seu rol e que, com isso, tem a missão de fazer uso do poder regulatório. Portanto, regras regulatórias claras, que evitem expressões que causem dúvidas, que façam com que o investidor de empresas, o ambiente privado, tenha clareza em relação ao setor que ele está pretendendo ou já atuando.

Inclusive, ministro Bruno Dantas, estamos desenvolvendo na Advocacia-Geral da União um trabalho que é uma portaria que editamos recentemente, que chamamos de Portaria de Coerência Regulatória. Constituímos um grupo de trabalho que pudesse revisitar todo o estoque regulatório do país, para que com isso pudéssemos aferir onde há duplicidade, onde há sobreposição de norma, para que, com isso, pudéssemos trazer sugestões para os gestores nas agências para eles poderem ter o nível de tratamento jurídico dessa norma mais eficiente. Inclusive, abrimos para as empresas, através dessa portaria, a possibilidade de elas participarem de uma audiência pública que será realizada agora no dia 30, em que o setor privado vai trazer duas sugestões para que a advocacia possa, no ambiente da sua atuação, trazer alguma referência de coerência regulatória. Quando falamos de coerência regulatória, estamos falando de padronização de normas, tanto na criação quanto na revisão e até na revolução das normas.

Voltando: e a segurança jurídica também é missão do Poder Judiciário. Porque o investimento no Brasil, o tratamento que está sendo dado pelas empresas a essas múltiplas questões, tudo isso hoje é objeto de judicialização. Estamos vivendo um país judicializado, as empresas têm os centros das suas discussões, os eixos centrais da sua atuação, todos judicializados. O setor elétrico é todo judicializado, o setor de infraestrutura é todo judicializado. Não há um único setor que tenha atuação no ambiente privado que não esteja sendo objeto de questionamento judicial.

O que fazer? Aquele ponto que nos une: segurança jurídica. Precisamos que a segurança jurídica seja um capital da nação se queremos que o Brasil cresça. E esse capital se constrói com trabalho árduo. Daí o papel que cada instituição deve prestar, e a Advocacia-Geral da União vem agora nesse trabalho da consciência regulatória também entregando a sua parcela de colaboração à sociedade brasileira.

E mais, aí a gente entra no compliance, já concluindo por conta do tempo. Compliance nada mais é que ter um ambiente de clareza das normas, de segurança jurídica. Daí a gente evita muito dessas relações perniciosas, que acabam permeando as relações entre o público e o privado, porque você tem transparência, clareza, precisão técnica nessas relações. Tudo isso passa, obviamente, por um trabalho que precisa ser desenvolvido com um enfoque muito claro no crescimento do país.

E mais, quando falamos de compliance entramos no contexto que precisamos de prevenção para que as empresas desenvolvam sua atividade com segurança. Prevenir tudo, sabemos que é impossível, foi até dito aqui pelo doutor Emir. O que precisamos fazer é tentar, numa política de integridade séria, evitar o evitável. Se é possível evitar, precisamos trabalhar para que não aconteça. Daí a importância de um compliance bem elaborado, de uma política de integridade séria,

Ultimamente, nesses fóruns em que discutimos compliance e acordo de leniência, tenho dito o seguinte: muitos profissionais do direito vêm sendo contratados por empresas de diversos setores para construir a política de integridade. O que a gente observa muitas vezes é que vem um grupo de advogados altamente qualificado, que se insere dentro daquele contexto com uma missão. Ele precisa pegar um produto, entregar um serviço, é contratado para isso. E o compliance nada mais é do que a busca, o estímulo para que se crie uma cultura de integridade dentro daquela empresa. Quantas vezes o compliance é perfeito, você lê a política de integridade e não acha um único porém? Não obstante, ele não corresponde à verdadeira e à leal política de integridade da empresa. Nada mais é do que um compliance de fachada, e compliance de fachada também é ato de corrupção. É isso também que a gente precisa ter clareza nesse ambiente. E tenho dito isso porque a gente precisa também estar muito atento: se estamos avançando tão bem no contexto de se passar o país a limpo, é preciso também que tenhamos cuidado. Compliance de fachada também é ato de corrupção.

E aí avanço no último ponto, já para encerrar, compliance e acordo de leniência. Foi dito da divergência entre órgãos, da dissonância de atuação. Reputo tudo isso a uma circunstância singela: estamos experimentando institutos novos no país. Não temos o que eu acabei de mencionar, uma lei clara. Temos uma lei que foi inserida num contexto em que não havíamos ainda forjado tudo aquilo, e obviamente isso vem mesmo no dia a dia, vamos experimentando à medida que os problemas vão surgindo. E daí a possibilidade que temos através de um diálogo institucional. A política de isolamento institucional não faz o Brasil crescer. Se não conseguimos evitar um ato de corrupção através de um bom compliance, e se chegarmos no ponto da necessidade de celebração de um acordo de leniência, o Estado precisa estar preparado, afastando o gestor desonesto, como disse o ministro Bruno Dantas, mas preservando a pessoa jurídica.

É importante avançarmos nesse diálogo institucional porque os desafios são os mesmos. Se a CGU tem desafios a enfrentar, também o temos na AGU e no TCU, no Ministério Público e no próprio Judiciário. Não foi à toa que, quando o Ministério Público celebrou acordo de leniência com a Odebrecht, precisamos judicializar. Tivemos de dizer: olha, o ressarcimento integral do dano não está preservado aqui. E o que disse o TRF da 4ª Região? Correto. A Advocacia-geral da União, Controladoria-geral da União precisam exercer suas respectivas competências, portanto esse acordo estende, em caráter vinculativo, os demais órgãos, foi o que disse o TRF.

Ou seja, conseguem perceber que nós temos uma atuação, um envolvimento dos Três poderes da República? O Legislativo numa lei que não nos trouxe clareza, colocou várias dificuldades, com espaços interpretativos que acabam trazendo um desafio enorme para todos nós. Segundo: o Poder Executivo, que acabou avançando e precisa avançar nas suas competências, Controladoria-geral da União, Advocacia-geral da União. Também o Legislativo através de seu órgão de assistência imediata, o Tribunal de Contas da União, e tudo isso acabou no terceiro poder, que é o Judiciário.

Portanto, se queremos usufruir um país firme, sólido, o acordo de leniência é só uma das ferramentas de combate à corrupção, porque temos outras tantas, sabemos disso, é preciso, obviamente, que todos eles trabalhem com articulação muito mais elaborada. Talvez por aí a gente consiga avançar. Cada um trazendo sua parcela de colaboração, sempre com visão dialógica, da qual não podemos nos afastar. Os órgãos precisam, de fato, se comunicar, precisam, de fato, compreender as suas dificuldades e ter a clareza de que nós estamos ainda experimentando institutos novo e, quem sabe, num futuro próximo, talvez, quem sabe, o próximo ambiente no Congresso Nacional possamos avançar no aprimoramento da nossa legislação anticorrupção, que traga uma definição em torno dos papéis de cada um, respeitando parâmetros constitucionais, e, com isso, consigamos trazer para esse ambiente privado, quando se trata de política de combate à corrupção, uma luz que possa, de fato, trazer uma condição de se avançar de modo mais concreto e eficiente nesse desenvolvimento nacional que é objeto de atenção de todos nós e deve ser de fato, não podemos nos afastar dele. É isso.

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