Opinião

Em 2018, Direito de Família teve mais atenção do Judiciário que do Legislativo

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11 de janeiro de 2019, 6h05

Há 30 anos o Congresso Nacional aprovava a Constituição cidadã, que tem como fundamento basilar a dignidade da pessoa humana, igualdade de direitos e deveres do homem e da mulher e a afetividade. Com a Constituição Federal tivemos marcos importantes no avanço do Direito de Família e das Sucessões do Brasil.

Foi com a Constituição Federal que tivemos a ampliação do conceito de família e o reconhecimento das uniões estáveis de fato e das famílias monoparentais. Além disso, os filhos passaram a ter o mesmo tratamento, deixando de ter qualquer relevância ser fruto do casamento ou de uniões paralelas.

O legislador constituinte ainda se preocupou em incluir no rol dos direitos mínimos o panejamento familiar e a facilitar as dissoluções das uniões. E por qual razão estamos falando desses avanços em um artigo sobre a retrospetiva do Direito de Família e Sucessões de 2018?

A resposta é simples. Depois de 30 anos de sua promulgação, ainda precisamos do Estado para garantia dos direitos.

Em 2018, tivemos apenas duas leis de destaque no âmbito do Direito de Família. A primeira é a Lei 13.715/18, que ampliou as hipóteses da perda do poder familiar, incluindo o homicídio, o feminicídio ou o estupro contra o outro genitor nas possibilidades.

A segunda, a Lei 13.772/18, reconhece que a divulgação de vídeos íntimos sem autorização da mulher configura violência doméstica e familiar, incluindo esse tipo penal na Lei Maria da Penha.

Se por um lado a atuação do Poder Legislativo no âmbito do Direito de Família foi pontual, o mesmo não pode ser dito da atuação do Poder Judiciário (em especial, Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça), que ao longo de 2018 apreciou casos com repercussão geral de grande clamor e conflito social.

No fim do primeiro semestre, tivemos o julgamento pelo Conselho Nacional de Justiça do pedido de providências em que se discutia a possibilidade da realização de escrituras públicas de uniões poliafetivas pelos cartórios. Infelizmente, o CNJ entendeu pela proibição da realização de escrituras tendo como objeto essas relações.

Ao decidir de maneira contrária à realização dessas escrituras, o CNJ não apenas deixou diversas famílias desassistidas de segurança jurídica, como também ignorou princípios norteadores da Constituição — como o princípio da dignidade da pessoa humana, da felicidade e do livre planejamento familiar. As famílias poliafetivas são fatos sociais, mas que até hoje não tiveram o reconhecimento jurídico adequado, especialmente em razão de questões morais.

Apesar dessa decisão, logo em seguida, a diversidade tomou o Plenário do STF, com o julgamento do Recurso Extraordinário 670.422, em que se discutiu a possibilidade da alteração do nome e gênero de transgêneros e transexuais sem a necessidade de atestados ou realização de procedimentos cirúrgicos para alteração do sexo.

Os ministros entenderam que a manutenção da proibição da alteração do assento de nascimento nesses casos afeta princípios fundamentais da CF — como o direito à personalidade, à intimidade, à saúde e à própria dignidade da humana. Entenderam ainda pela possibilidade da alteração dos assentos de nascimento pela via administrativa, bastando simples requerimento da pessoa interessada.

Em meados de 2018, pela primeira vez, tivemos o julgamento de um recurso especial pelo STJ acerca da possibilidade da guarda compartilhada de animais depois da separação do casal.

Para a análise desse caso, a corte, de maneira acertada, verificou que o animal deixou de ser um simples “semovente” para ter uma atuação importante naquele núcleo familiar. Levou em consideração o direito à felicidade, tanto do animal, mas principalmente do companheiro que buscava a permissão de tê-lo consigo alguns dias na semana.

É importante destacar que, ao reconhecer que os mesmos princípios aplicados na fixação da guarda e do regime de convivência de menores são aplicados aos animais de estimação, não significa equiparação de crianças e adolescentes aos animais de estimação, mas uma aplicação extensiva da interpretação dos dispositivos legais que atualmente temos.

Em 2018, tivemos ainda o julgamento do tema 822 da repercussão geral, em que se discutiu a possibilidade de ensino domiciliar (homeschooling). Atualmente, é obrigatório que menores de idade, a partir dos 4 anos, estejam matriculados e frequentem o ensino regular.

Os ministros do STF levaram em consideração o fato de que a escola é um importante socializador e que o ensino domiciliar poderia possibilitar o acobertamento de violência domiciliar e o enrijecimento moral, dando margem a radicalismos, como também que não existe qualquer legislação sobre o tema e que compete ao Poder Legislativo fazê-lo.

Novamente, o STF julgou pensando nos impactos para a coletividade em detrimento dos interesses pessoais de um determinado grupo. Privilegiou ainda a formação e socialização das crianças em detrimento do entendimento dos pais.

Tivemos ainda a audiência pública na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 442, em que se discute a legalização do aborto até a 12ª semana de gestação.

A audiência pública foi muito importante principalmente pelos esclarecimentos com relação aos dados do impacto da realização de abortos clandestino na vida de centenas de mulheres anualmente. Segundo a professora Débora Diniz, uma em cada quatro mulheres de até 40 anos já abortaram. E ainda: que a quarta maior causa de morte de mulheres é consequente de abortos malsucedidos.

Ainda não temos a data em que essa ADPF será julgada, mas com certeza o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito ao planejamento familiar deverão permear toda a discussão jurídica.

O STJ decidiu que, no regime de separação legal de bens, é indispensável a comprovação do esforço comum do casal para autorizar a comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento (EREsp 1.623.858).

Em 2018, tivemos ainda o reconhecimento pelo STF da inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil com o entendimento da impossibilidade de diferenciação entre cônjuge e companheiro. Ocorre que, após recurso para esclarecer como seria a aplicação do regime sucessório no caso dos companheiros, o STF entendeu que não houve discussão a respeito da integração do companheiro ao rol de herdeiros necessários, voltando novamente à discussão basilar do caso.

O período após as eleições presidenciais foi de grande movimentação em razão do temor da sociedade LGBTIQ+ pela perda de direitos e as “corridas” aos cartórios para regularizar as uniões.

O ano foi de consolidação de alguns direitos, como a multiparentalidade, mas diversas questões importantes e relevantes ainda precisam ser legisladas pelo Legislativo ou apreciadas pelo Judiciário. Certamente, 2019 nos reserva novas discussões e um longo caminho para que os direitos até aqui alcançados sejam mantidos, e novos direitos, conquistados.

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