Liberdade de expressão

Administradores públicos não podem bloquear críticos na mídia social, diz tribunal dos EUA

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9 de janeiro de 2019, 18h51

O Tribunal Federal de Recursos da 4ª Região, sediado no estado de Virgínia, EUA, decidiu por 3 votos a 0 que administradores públicos não podem bloquear seguidores que os criticam na mídia social. Tal bloqueio é inconstitucional, porque viola o direito à liberdade de expressão, prevista na Primeira Emenda da Constituição do país, diz a decisão.

A corte decidiu contra a presidente do Conselho de Supervisores do Condado de Loudoun, Phyllis Randall, que bloqueou o cidadão Brian Davison em sua conta no Facebook, em 2016. Randall acusou membros do conselho escolar e alguns de seus parentes de corrupção e de conflitos de interesse.

O caso ganhou repercussão nacional porque o presidente Donald Trump enfrenta um processo semelhante em um tribunal federal de recursos em Manhattan, Nova York. O Departamento de Justiça do EUA, que representa Trump, pediu ao tribunal para anular a decisão de primeiro grau, de maio de 2018, de que o presidente não pode bloquear críticos em sua conta no Twitter (@RealDonaldTrump), por discriminá-los em um fórum público.

O argumento da defesa de Trump é o de que ele mantém a conta no Twitter em nome próprio e a usa para divulgar seus pontos de vista pessoais e não como uma plataforma para discussões públicas. Assim, ele não seria obrigado a receber mensagens que não gosta.

No caso de Virgínia, a defesa de Phyllis Randall alegou basicamente a mesma coisa: que sua página no Facebook era parte de uma conta privada e, assim, ela pode bloquear quem quiser, segundo o jornal The Mercury News e a revista Fortune.

Mas, para a corte, administradores públicos não têm contas privadas na mídia social. Segundo o juiz James Wynn, autor do voto unânime, o componente interativo da página no Facebook a torna um fórum público e a presidente do conselho escolar se engajou em uma discriminação ilegal de opiniões que não a agradaram.

O instituto Knight First Amendment Institute representa sete pessoas bloqueadas pelo presidente Trump, bem como o cidadão de Virgínia que moveu a ação contra a presidente do conselho escolar.

Em uma declaração, a advogada do instituto Katie Fallow afirmou: “Autoridades públicas, que usam crescentemente contas na mídia social para promover opiniões e debates entre seus constituintes, não têm maior licença para suprimir dissidências online do que têm offline”.

No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro usou a mídia social como um fórum público, a exemplo de Trump. E, como Trump, bloqueou críticos. Há interpretações de que o presidente pode ter violado, além da liberdade de expressão, o princípio da impessoalidade, previsto na Constituição, que deve nortear os administradores públicos.

Jurisprudência nos EUA
A Primeira Emenda da Constituição dos EUA declara que o Congresso não deve aprovar leis que estabeleçam uma religião oficial ou dar preferência a qualquer religião, proíba o livre exercício de qualquer religião, limite a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, o direito à livre associação pacífica e o direito de peticionar o governo.

O direito à liberdade de expressão é, provavelmente, o mais sagrado para a justiça dos EUA. É normalmente favorecido pelas cortes, a não ser quando cruza a linha que o separa de ofensas contra a honra – uma linha que, por sinal, é muitas vezes obscura.

O site United States Courts destaca algumas decisões que favoreceram – ou não – o direito à liberdade de expressão. Segundo o site,

A liberdade de expressão inclui o direito:

  • De não se expressar (especificamente, o direito de não saudar a bandeira).
    West Virginia Board of Education v. Barnette, 319 U.S. 624 (1943).
  • De estudantes de usar braçadeiras pretas na escola para protestar contra a guerra (“Estudantes não deixam seus direitos constitucionais no portão da escola”).
    Tinker v. Des Moines, 393 U.S. 503 (1969).
  • De usar certas palavras ou frases ofensivas para transmitir mensagens políticas.
    Cohen v. California, 403 U.S. 15 (1971).
  • De fazer contribuições financeiras (sob certas circunstâncias) a campanhas políticas.
    Buckley v. Valeo, 424 U.S. 1 (1976).
  • De anunciar produtos comerciais e serviços profissionais (com algumas restrições).
    Virginia Board of Pharmacy v. Virginia Consumer Council, 425 U.S. 748 (1976); Bates v. State Bar of Arizona, 433 U.S. 350 (1977).
  • De se expressar de forma simbólica (ex.: queimar a bandeira em protesto).
    Texas v. Johnson, 491 U.S. 397 (1989); United States v. Eichman, 496 U.S. 310 (1990).

A liberdade de expressão não inclui o direito:

  • De incitar ações que causem danos a outros (ex.: gritar “fogo” em um cinema lotado”).
    Schenck v. United States, 249 U.S. 47 (1919).
  • De produzir ou distribuir materiais obscenos.
    Roth v. United States, 354 U.S. 476 (1957).
  • De queimar convocações para o serviço militar como protesto contra a guerra.
    United States v. O’Brien, 391 U.S. 367 (1968).
  • De permitir a estudantes publicar artigos em jornal da escola sobre as objeções da administração da escola.
    Hazelwood School District v. Kuhlmeier, 484 U.S. 260 (1988).
  • De estudantes fazerem um discurso obsceno em evento patrocinado pela escola.
    Bethel School District #43 v. Fraser, 478 U.S. 675 (1986).
  • De estudantes de promover o uso de drogas ilegais em um evento patrocinado pela escola.
    Morse v. Frederick, __ U.S. __ (2007).

A lista não traz outras decisões mais recentes da Suprema Corte e tribunais de recursos dos EUA, como:

Janeiro de 2010
A Suprema Corte decidiu que o direito à liberdade de expressão proíbe o governo de limitar as contribuições independentes a campanhas eleitorais de organizações sem fins lucrativos, empresas, sindicatos e outras associações. Segundo a Suprema Corte, “corporações são pessoas”. Essa foi a decisão mais controversa da corte nos últimos anos – é execrada por democratas, defendida por republicanos.

Junho de 2011
A Suprema Corte decidiu que a venda de videogames violentos é permitida. E que o acesso de menores até mesmo às mais brutais lesões corporais na tela é protegido pela liberdade de expressão.

Janeiro de 2013
Um tribunal federal de recursos dos EUA derrubou uma lei do estado de Indiana que impõe restrições ao uso de redes sociais por criminosos sexuais. O tribunal considerou a lei inconstitucional porque viola a liberdade de expressão.

Abril de 2018
Um tribunal de recursos do Texas, nos Estados Unidos, decidiu que a lei estadual que criminaliza a pornografia por vingança é inconstitucional, por ser muito vaga. Assim, ela colide como direito constitucional à liberdade de expressão de terceiros, que não tinham conhecimento do acordo feito entre duas pessoas.

Junho de 2018
A Suprema Corte acabou com a contribuição sindical obrigatória, que passou a ser facultativa. Os ministros concluíram que a obrigatoriedade da contribuição viola o direito à liberdade de expressão dos não associados, por obrigá-los a subsidiar a expressão privada em matérias de substancial interesse público (ou sobre a posição do sindicato sobre essas matérias).

Junho de 2018
A Suprema Corte derrubou uma lei de Minnesota que proíbe os eleitores de usar camisetas, bonés, botões, emblemas, insígnias ou qualquer coisa com mensagem política no local da votação. Para a corte, a lei viola o direito à liberdade de expressão dos eleitores.

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