Estado e sociedade

Empreiteiras foram travadas sem avaliação dos efeitos econômicos, diz empresário

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8 de janeiro de 2019, 8h30

Na operação “lava jato”, as autoridades públicas puniram as empreiteiras sem se preocupar com os efeitos disso na economia e no mercado de trabalho. É a opinião do sócio da Nova Engevix, José Antunes Sobrinho. Ele participou do seminário “O interesse público e as novas relações entre Estado e empresas”, organizado pela ConJur, com apoio do escritório Warde Advogados, no final de novembro passado.

Humberto Eduardo de Sousa
Autoridades públicas puniram as empreiteiras sem se preocupar com os efeitos disso na economia e no mercado de trabalho, diz José Antunes Sobrinho
Humberto Eduardo de Sousa

Em sua opinião, a relação Estado-empresas não pode ser demonizada, já que é essencial para o funcionamento da economia em todos os países. Dessa maneira, Sobrinho sugeriu uma melhor regulamentação dessa interação.

O empresário lembrou que, no Brasil, o Estado sempre foi fomentador da infraestrutura — especialmente na ditadura militar (1964-1985). Além disso, Sobrinho defendeu a fiscalização de empresas que firmam acordo de leniência por comitês de auditorias independentes.

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Leia a transcrição:

Boa tarde a todos. Em primeiro lugar, eu cumprimento aqui a mesa e todos aqui presentes. É um assunto, por tudo que eu vi nesse primeiro painel, que as empresas aqui estão vivendo. A minha vida foi dentro de infraestrutura… Eu milito há 44 anos nos setor de infra. Basicamente, a minha história é de setor elétrico e, obviamente, nós temos um desafio grande no Brasil. A minha empresa é uma empresa diretamente envolvida em várias situações, portanto, eu me coloco aqui para discutir ideias e não casos específicos. Entendo que a 'lava jato' em si é uma diálise de uma situação de civilidade brasileira, ela deve progredir para frente de uma maneira positiva e isso aí não é algo complexo de acompanhar. Inicialmente, eu gostaria de fazer uma colocação para vocês, para a gente situar onde é que o Brasil está na questão de infra. Eu não vou me referir aqui a outras situações que não sejam de infraestrutura, porque é o campo em que eu milito.

Muito bem, no ranking do Banco Mundial, recente, desse ano, entre 190 nações, nós somos a nação 125 com a pior situação para desenvolvimento de negócios. Quais são os pilares de uma conclusão como essa do Banco Mundial? São três. Uma delas, e que foi citada aqui muito bem pela doutora Grace e repetido pelo André, que é a insegurança jurídica. Investidores não vêm onde você não tem uma possibilidade de ter uma segurança jurídica de contratos feitos e que, a posteriori, vão ser tratados. O segundo ponto é excesso de burocracia, também aqui foi muito bem comentado. O terceiro ponto, você pode ter muitas consequências, desse que é a falta de infraestrutura para. Em um país que não tem infraestrutura torna-se tudo mais complicado para fazer os investimentos. Então é uma situação que nós estamos aqui tratando: como é que salva a infraestrutura do Brasil e como é que nós podemos destravar essa quantidade imensa de obras aí que foram inclusive comentadas pelo ministro Toffoli.

Permitiria-me, até pediria ao Márcio, fazer um pouquinho do retrospecto da relação Estado e empresas privadas no campo da infraestrutura. Inicialmente, eu gostaria de citar um período do Brasil que foi de meados de 1965, governo militar, até meados de 1980. O que nós observamos aí? No governo militar houve uma… No governo militar, não. Basicamente, os países emergentes da época tinham o seguinte conceito: as economias eram fechadas, tinha-se que se desenvolver a tecnologia dentro do país e, em nosso caso, além disso, tinha uma questão da industrialização. Então, quando nós falamos da infraestrutura, nós capacitamos pessoal. Realmente, o Brasil, nesses vinte anos lá para trás, ele desenvolveu política nuclear, as hidrelétricas, as tais empreiteiras, que hoje são chamadas como empreiteiras, se desenvolveram em grande parte nesse período, em que a nossa economia era fechada. O governo era contratante total, 100%. Sabemos muito bem das formações das empresas estatais nos anos 1980 e assim o modelo criou. A tecnologia foi aqui, a área industrial foi muito bem. A automotiva foi muito bem por um período, a Embraer está aí e assim por diante. Não vou me delongar. Até que nós tivemos um período quando os países emergentes quebraram. Os Estados Unidos, em 1978, Jimmy Carter botou os juros em 18% lá, deu um colapso em que os países saíram endividados. Era o governo que era o tomador do dinheiro e contratava as empresas. Então tivemos um período aí de dez anos chamado de 'década perdida' e que foi onde não tinha mais financiamento público pra as obras e para a infraestrutura e nós passamos um período relativamente complexo, isso de 1985 a 1995.

No primeiro governo do Fernando Henrique Cardoso houve então a chamada de capital privado e a participação da iniciativa privada nos negócios. Aí as tais empreiteiras passaram a ser concessionárias. Elas mudaram um pouco a posição de consultoras contratadas pelo Estado e passaram um pouco mais a fazer investimentos diretos, veio dinheiro de fora. O programa de privatização foi bem sucedido em duas áreas, particularmente telecomunicações — para quem se lembra — e o setor elétrico foram muito bem. Entretanto, faltou dinheiro. A necessidade… Nesse momento o Brasil ainda não conseguia financiar, o BNDES não fazia tantos financiamentos, então tivemos uma crise russa e um problema aí que a infraestrutura travou por certo período, mas já tínhamos os chamados empreiteiros mudando um pouco a figura deles para serem mais concessionários.

Aí aconteceu outra situação. O governo, como foi falado aqui antes, deixa de ser o contratante direto e passa a ser o regulador. Então se formaram as primeiras agências reguladoras para regular os serviços concedidos, como é o caso da Aneel. Particularmente, eu participei diretamente desse caso. Isso foi lá em 1996, 1997. Pois bem. A falta de dinheiro… Que daí nós tivemos até uma crise de energia em 2001 por falta de investimento, não tinha tanto capital privado. Veio a partir do ano de 2004 com uma fortíssima atuação do BNDES de um lado e dos fundos de pensão do outro. Pois bem. Aí as empresas que já construíam e que eram concessionárias, através, posso dizer que toda a infraestrutura nesse período foi financiada pelo BNDES, as empresas se desenvolveram em verdadeiros grupos empresariais, enormes, seu ápice sendo atingido no ano de 2013, aproximadamente, antes da 'lava jato'. Nesse caso, as empresas também tomaram recursos públicos, tanto do BNDES quanto de fundos de pensão que aplicaram e assim por diante.

Um pouquinho disso aqui, a gente consegue enxergar a retrospectiva de como é que a situação foi mudando de contratante do governo para passar a ser concessionárias, a formação das agências, mas sempre o Estado com uma participação muito próxima, quase impossível de dissociar das empresas. 2014 vem a 'lava jato'. Eu comentei aqui que, em 2013, praticamente as empresas atingiram seu ápice. Se for verificar a balança dessas grandes empresas, vocês vão verificar quem foi em 2012 ou 2013 que elas tiveram sua melhor posição.

A 'lava jato', nós não estamos aqui nem para discutir o mérito dela. Mas nós precisamos falar um pouco e, aqui, Márcio, é para isso que tem a mesa, do contraponto dela, sobre determinados efeitos. Tanto as empresas grandes como médias, eu diria, uma faixa de 40 empresas que, de fato, desenvolviam a infraestrutura… Aliás, queria fazer só um comentário anterior. Nesse período de 2004 para cá, além de haver os financiamentos públicos para as concessões envolvendo fundo de pensão e envolvendo também o BNDES, também houve uma decisão do governo de que a Petrobras seria a grande investidora e teria como obrigação contratar — essa é uma definição — bens e serviços dentro do mercado nacional. Isso também fez com que essas empresas se tornassem verdadeiros grupos e nós tivéssemos em 2013 o ápice delas.

Bom, 2014 para frente nós conhecemos um pouco a história e aí agora eu quero fazer alguns comentários sobre o acordo de leniência. Qual é a base do que eu gostaria de citar para os senhores? Sentindo um pouco isso na pele. Primeira coisa: quando você tem um problema dessa natureza, o mercado financeiro te fecha. A primeira reação está no mercado financeiro. Zero de financiamentos, ou seja, de um momento para o outro — as empresas cometeram seus erros, não importa — mas a reação no mercado financeiro foi total. Na sequência você tem clientes internacionais que, imediatamente, por uma questão de compliance, já não vão te contratar independentemente da tua qualificação. O resultado disso foi muito nefasto para a sociedade, causado por razões diversas, das empresas, inclusive. Mas outras situações que aconteceram aqui. O desemprego direto ou indireto das empresas, foi mais de um milhão de empregos que se perderam. A partir daí criou-se um ciclo de grandes dificuldades, porque, por outro lado, as carteiras foram caindo, você não tem financiamento, teve que demitir gente e pagar as demissões.

Bom, aí vamos falar do acordo de leniência. Quem faz o acordo de leniência? Como é que o acordo de leniência foi conduzido? Isso aqui também foi muito bem citado aqui. Nós tínhamos inicialmente o Ministério Público, que não deveria fazer, mas fazia no Paraná. Hoje nós temos a CGU, a AGU e o TGU. O TCU teve uma participação direta nessas avaliações de dano. Passa pelo Ministério Público, segue passando, e passa também pelo Judiciário. Além disso, nós temos diversos órgãos punitivos em cima da mesma ação e, posso dizer, em cima do mesmo tipo de delito, você ainda tem a Receita Federal. Quer dizer, se o senhor pagou propina aqui, não poderia ter abatido a propina do imposto de renda. Então as multas da Receita Federal são verdadeiros absurdos em cima das empresas. O que eu tenho pensado, raciocinado, trocado várias ideias com outros agentes, o que eu penso um pouco sobre isso, é que nós deveríamos ter… E aí pode ser até um pouco de ingenuidade o que eu vou falar agora, mas minha vida, engenheiros são mais simples em certos raciocínios. Eu me pergunto, porque nós, da mesma maneira que teríamos uma força-tarefa para tratar de como se descobriu os malfeitos das companhias, por que não teríamos um governo — no caso, Judiciário, Ministério Público e governo, através de seus vários órgãos — formando uma força tarefa que foi sugerida pelo ministro Toffoli, mas formando um grupo que tratasse dessa questão dessas 30, 40 empresas, e desse prioridade a acordos, inclusive formando entre elas determinada metodologia de procedimento. Eu coloco um ponto a mais nessa sugestão, nessa ideia para debate.

Na verdade, não adianta haver multas múltiplas em múltiplas situações se a empresa não tem capacidade de pagar. Isso ninguém… Parte-se do princípio de que essas empresas ainda são necessárias e elas precisam sobreviver, porque tem mercado para elas e as empresas se propõem a corrigir seus erros. Eu diria o seguinte: se tivesse um comitê desses, as empresas, as cinco principais auditoras, tipo a KPMG, por exemplo, da Pricewaterhouse ou da Deloitte, poderiam fazer perfeitamente um quadro para esse comitê e dizer “essa empresa aqui, a capacidade de pagamento dela é essa”. Cria realmente um ability to pay, forma um ability to pay não com base no que o empresário fala ou outra situação, vai fazer com base no mercado em que o sujeito está vivendo e na situação financeira que ele tem para poder cumprir. Podem-se criar normas diferentes como porcentagem emitida durante 20 anos, ela tem que deixar lá. E essas empresas, que seriam pagas pelas próprias companhias que causaram dano, teriam um acompanhamento anual, inclusive não distribuir lucro para dono. Acabou. Dono não vai ter mais distribuição de lucro. O senhor vai derivar tudo o que fosse até atingir um (…) que também seria estudado. Acho que esses aqui são mecanismos inteligentes que poderiam ser tomados. Esse é o lado de pagamento da conta.

O lado da formação de cultura, que é muito mais difícil, e alguém aqui no painel anterior abordou, que é a questão de compliance. Eu ouvi de tudo na minha vida, advogados oferecendo também planos miraculosos, mas o fato é que o treinamento de compliance tem que partir da base porque nós temos uma cultura, infelizmente, torta. A cultura é um pouco torta, torta por todos os lados. Então a formação, o treinamento das pessoas para que se invista em uma cultura correta dentro das companhias é fundamental. Eu também diria que não apenas esse comitê fosse montado e acompanhasse a questão contábil das empresas, como também acompanhasse ano a ano, através de auditoria independente, contratada de acordo com os critérios definidos por esse comitê, acompanhasse o andamento das empresas por cinco, 10 anos, com relatórios independentes, pode ser em empresas internacionais. Isso aqui também foi comentado aqui pela CGU, eu creio.

Bom, eu estou colocando aqui algumas situações e, para não tomar o meu tempo, que eu acho que está estourando, eu queria fazer alguns comentários também de relações mundiais e um pouco de exemplos, que alguns foram dados aqui. Por exemplo, a Siemens teve uma corrupção mundial. O governo da Alemanha não mandou matar a Siemens, mandou? Fez todos os acordos, abriram e tem uma gestão correta. A Volkswagen falcatruou por emissão de gases no mundo inteiro. Eu quero saber se o governo da Alemanha mandou fechar a Volkswagen, se isso aí tem algum sentido prático, mandar fechar a Volkswagen. Bom, ela se adequou, paga suas multas, evidentemente não vai cometer… E estamos falando de uma democracia alemã, por Deus do céu, que não é uma democracia de ontem e vem vamos falar que uma falcatrua de emissão de gases é uma coisa simples, banal e pequena.

Eu vou pegar outro exemplo aqui, agora da relação governo-Estado na Espanha. Não sei se vocês acompanharam, cinco anos atrás uma das maiores empresas de energia da Espanha chamava-se Endesa. A Endesa estava sendo comprada em uma compra hostil pelos alemães (…), uma empresa alemã. O que o governo espanhol fez? Ele travou a negociação, isso aí foi para a justiça, foi uma discussão mundial e que, no final, o governo espanhol botou a Endesa dividida em duas partes, com a participação de quem ela quis na iniciativa privada, junto com o governo. Isso aí aconteceu. Agora mesmo a GE compra os ativos da Alstom. Vocês acham que o governo francês ficou assistindo à GE comprar os ativos da Alstom sem que ela tenha participação? Então eu queria também recuperar aqui uma posição que foi colocada, além da primeira sugestão, a segunda sugestão. Aqui no Brasil, a relação privado-público tem que existir, é impossível não existir, como regulador ou de outra maneira. Então ontem, como hoje, o funcionário público é incapaz de assinar qualquer coisa para discutir, do tipo um acerto de tarifa de uma rodovia, que está correto, ele não vai decidir. Essa situação hoje, essas duas condições, nós temos que ver. Como nós resolvemos um bloco, a questão da leniência de um lado, e como nós também recuperamos essa transparência do servidor público de maneira que ele também possa trabalhar, exercer, porque ele precisa ter essa relação. Foi o que a ministra Grace comentou aí. Era isso. Obrigado.

Mestre de cerimônias — Ok, obrigado. Uma última pergunta, já que nós estamos aqui com o horário estourando, para o doutor Antunes. Qual é a sua expectativa… O senhor tentou a leniência acho que durante dois ou três anos, não é isso? Sua tentativa?

José Antunes Sobrinho — Com a expectativa?

Mestre de cerimônias — Sim, mas antes, o senhor tentou por dois anos?

José Antunes Sobrinho — Três anos.

Mestre de cerimônias — Sem sucesso?

José Antunes Sobrinho — É.

Mestre de cerimônias — E qual a sua expectativa agora?

José Antunes Sobrinho — Olha, eu tenho uma expectativa positiva por alguns fatos. Primeiro, pelo fato de estarmos aqui hoje olhando centenas, dezenas de obras paradas, a necessidade de recompor a infraestrutura e a importância para a infraestrutura do país. Bom, também temos um segundo clima. Aqui no Brasil, há algumas situações em que você paga uma conta, mas o resultado final tem que ser positivo para a sociedade. Mas, em todo caso, eu acredito muito que, por tudo o que eu escutei hoje aqui, pela posição da ministra Grace, pela sua posição, pela posição do ministro Toffoli, que tem uma consciência, pelo menos, de que nós precisamos arranjar os meios e mecanismos de ter uma relação correta entre governo, Estado…

Em particular, no caso dos Estados Unidos, eu tenho um exemplo interessante para citar. Talvez você seja mais novo do que eu, mas no governo Reagan, por exemplo, o Shultz era secretário de Estado. A América, através do Shultz, construiu a Arábia Saudita inteira por uma relação absolutamente aceitável entre governo e iniciativa privada. Não é um exemplo pequeno, é um exemplo grande. Você vê alguém falando que isso estava errado? Nós temos que ter relações transparentes. Foi muito bem colocado aqui em duas ou três ocasiões. E aí eu tenho um ponto a mais para colocar, que seria o seguinte: a questão dos servidores públicos que estão no governo hoje e o medo e pavor que esse pessoal tem de assinar qualquer documento. Por exemplo, se você pegar, discutir aqui um contrato de concessão. Uma empresa americana, uma empresa europeia ganha um contrato de concessão de uma estrada. Dali a cinco anos, tem regras lá dentro, não se comporta como deveria, ela tem que fazer um ajuste tarifário. Eu pergunto para vocês: quem é que faz, hoje, no clima que nós temos, um ajuste tarifário? Ninguém faz. Não adianta que esse senhor do TCU veio com essa conversa aqui, que é uma conversa horrorosa, para ser o mínimo… Espero que ele esteja por aqui, porque é melhor falar de frente. Não é essa a maneira de nós construirmos e ajustarmos as coisas. Mas eu tenho hoje, na quinta Câmara, para te responder objetivamente, do Ministério Público Federal, um diálogo aberto. É uma Câmara centralizadora do Ministério Público que vai analisar tudo aquilo que é ofertado e está com o objetivo de resolver pelo menos uma parte da questão. Mas nós vamos esperar também caminhar na CGU e em outros órgãos.

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